home

index/academics/pesquisa/splogic2023
academics/ pesquisa/ splogic2023/
leisure autoestudo


SPLogIC 2023


A SPLogIC (São Paulo School of Advanced Science on Contemporary Logic, Rationality and Information (eu também não sei como o acrônimo funciona)) foi um evento organizado pelo CLE (Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (quase)) da Unicamp. A Unicamp foi o berço do estudo de lógicas paraconsistentes, isto é, lógicas onde o princípio da explosão ("de uma contradição pode-se derivar tudo") não vale absolutamente. O evento foi dedicado ao aniversário de 90 anos do pesquisador que deu início a essa pesquisa na Unicamp, o Newton da Costa.

O evento principal foram os oito cursos, quatro na primeira semana e quatro na segunda (7.5 horas cada). Além dos cursos, foram apresentadas 8 aulas magnas (1h), 32 "LED Talks" (apresentações por estudantes, 15min cada) e uma seção de pôsteres no sábado com (mais de?) 100 pôsteres de estudantes.

Comentarei aqui o conteúdo de alguns cursos que achei interessante. Acho que todas as pessoas que apresentaram algo fazem pesquisa especificamente naquele assunto (i.e. não tiveram professores de história da matemática dando Cálculo II), então se algum tópico parecer interessante contate ou pesquise sobre o professor. Não sei quanto tempo a página da Unicamp ficará up, então me avise se algum link estiver morto.

Note que essa página é HTML cru, então comentários nos aspectos técnicos das disciplinas serão esparsos devido à falta de símbolos. Isso também deixa eu acobertar meu conhecimento (relativamente - acho que a maioria dos estudantes eram mestrandos ou doutorandos) mínimo em lógica.


Cursos

Curso 1: Paraconsistent Reasoning in Historical and Epistemological Perspectives

Curso ministrado pelo prof. Evandro L. Gomes e pela prof. Itala M. Loffredo D'Ottaviano, ambos do CLE. Fez um panorama não só da lógica paraconsistente stricto sensu, que é recente, mas também das origens do princípio da explosão e de pesquisadores/filósofos da lógica antigos que eram "paraconsistentes" por não adotarem ou rejeitarem esse princípio. Também falou de alguns predecessores de Newton da Costa no século 20, como Jaśkowski e Vasiliev.

Achei um curso interessante para desmistificar o princípio da explosão. Embora na ortodoxia lógica contemporânea ele pareça óbvio, ele o é pois a sua derivação é óbvia a partir de princípios razoáveis: sem recorrer a elas, a noção que "a grama é verde e a grama é azul implica que a lua é feita de queijo" parece absurda.

O curso parece ter sido baseado no livro "Para além das Colunas de Hércules, uma história da paraconsistência", autorado pelos professores ministrantes e publicado pelo CLE. Eu tenho esse livro, então se você tiver interesse eu posso o emprestar.


Curso 2: Non-Classical Negations and the Classical Recapture: A Tour of the Land of Formal Inconsistency and its Neighborhood

Curso ministrado pelos professores João Marcos (UFRN) e Walter Carnielli (CLE/Unicamp). Discutiu as chamadas lógicas de inconsistência formal (LFIs), lógicas paraconsistentes onde a noção de alguma fórmula ser inconsistente é internalizada usando um conectivo unário. Assim, mesmo que não possamos deduzir q a partir de {p, não p}, podemos deduzir q a partir de {p, não p, p é consistente}.

Esse método de lidar com inconsistências parece ter sido o proposto inicialmente por Newton da Costa, e casa bem com a noção ecoada por outros cursos e aulas magnas que a intenção da paraconsistência é "domesticar" inconsistências, não necessáriamente abraçar elas.


Curso 3: Unifying Defeasible Reasoning: Adaptive Logics

Curso ministrado pelo professor Diderik Batens, da Universidade de Ghent. Ele discutiu lógicas adaptativas, que se ajustam às premissas para se tornar mais ou menos paraconsistentes de acordo com a normalidade das premissas. Se podemos tomar todas as premissas como consistentes sem problemas, a lógica adaptativa age como a sua "upper limit logic": a lógica clássica, por exemplo. Por outro lado, se assumimos que todas as premissas são inconsistente, a lógica adaptativa age como a sua "lower limit logic", uma lógica paraconsistente. Em situações mais comuns, onde algumas premissas são consistentes e outras são suspeitas, a lógica adaptativa só aceita as consequências na upper limit logic daquelas premissas "normais", enquanto as consequências das "anormalidades" são escolhidas usando uma estratégia adaptativa.

Achei o conceito bem interessante. A ideia de raciocinar dessa forma adaptativa, começando na lógica clássica e aí adotando um pouco de paraconsistência conforme anormalidades surgem, é bem natural. A teoria de prova é particularmente interessante como forma de pensar em programas que modelam raciocínio: a descrição feita pelo professor da prova dinâmica lembra bem um algoritmo de computador.


Curso 4: A Short Introduction to Main and Alternative Perspectives on the Philosophy of Mathematics

Curso ministrado pelo professor Fernando Zalamea, da Universidade Nacional da Colômbia. Fez um panorama geral da filosofia da matemática focando em certas polaridades presentes no pensamento matemático: o contínuo e o discreto, o formal e o informal, o real e o ideal, etc. Ele argumentou que o fazer matemático é caracterizado por movimentos pendulares entre essas polaridades, criticando abordagens da filosofia da matemática ortodoxa. Para Zalamea, uma filosofia da matemática completa precisa entender e analisar as diversas disciplinas matemáticas nos seus próprios termos: filósofos ortodoxos, por uma crença miope que a produção matemática contemporânea não mudou os métodos ou objetos de estudo da matemática (tudo se reduz à lógica matemática ou à teoria de conjuntos), não se permitem engajar com esse conteúdo.

Eu concordo com essa tese principal do curso, mas achei que as metáforas usadas para descrever o saber matemático dentro do pensamento do profesor se tornaram progressivamente menos iluminadoras sobre a prática/aprendizado/ensino da matemática, ao ponto que quando chegamos às aulas finais, a metáfora na qual chegamos — que agora já tinha ascendido a um "modelo" da filosofia da matemática — não parecia dizer nada que não fosse melhor descrito em linguagem mais simples. A minha impressão é que parece que a metáfora matemática não foi usada para iluminar nada, mas sim porque o uso de conceitos matemáticos para modelar o pensamento matemático parece correto: aquilo que está em cima se aproxima do que está em baixo, etcetera. Isso ecoa minhas críticas ao uso de metáforas matemáticas e científicas no trabalho de Deleuze.


Curso 6: Argumentation-based Approaches to Paraconsistency

Curso ministrado pelo professor Ofer Arieli, da Universidade de Tel-Aviv. Ele deu um panorama de lógicas paraconsistentes baseadas em argumentação: nelas, você toma um conjunto de argumentos como o seu domínio e, com base em regras de ataque, pode escolher extensões (um conjunto de argumentos coerente) de acordo com certos critérios. As regras de ataque e os critérios de escolha de extensão podem variar: uma regra possível é "se A conclui a negação da conclusão de B então A ataca B", ou "se A conclui a negação das premissas de B então A ataca B".

Eu achei a ideia interessante acadêmicamente, mas eu também fiquei pensando que seria legal um jogo ou algo do tipo implementando esse tipo de lógica. Vários jogos trabalham com uma "base de conhecimento" (tipo peças de evidência ou testemunho) que permitem que você ataque argumentos com os seus próprios, mas geralmente é um negócio meio metonímico: você "ataca" um testemunho ou argumento com evidência que representa algum argumento que o personagem no jogo vai fazer. Seria legal ir acumulando argumentos reais e poder ver o seu lado ganhando chão num sistema de argumentos: talvez no começo a promotoria tem um caso que é máximo dada a sua evidência, e aí você vai introduzindo evidências novas no caso que tornam o caso não mais máximo, e aí você vai tornando o seu próprio caso de inocência máximo inserindo relações de ataque no sistema. Sei lá


Curso 7: Probability in Boolean and in Many-valued Logic: Axioms, Definitions and Consistency Theorems.

Curso ministrado pelo professor Daniele Mundici, da Universidade de Florença. Bem legal: construíndo em cima do projeto de Boole, no qual a lógica seria complementar à probabilidade, ele define a noção de consistência probabilística seguindo de Finetti (a ideia que um conjunto de probabilidades é inconsistente se, apostando nessas probabilidades, seria possível levar o caixa à falência) e mostra a aplicação da lógica [0, 1]-valorada de Łukasiewicz para modelar a probabilidade.


Curso 8: Big Data, Information, and Ethical Issues in Artificial Reasoning

Curso ministrado pela professora Maria Eunice Quilici Gonzalez, do CLE/Unesp, e pelo professor Marcelo Finger, do IME-USP. A professora Eunice focou mais na filosofia da informação, passando pela história das definições de Shannon até definições modernas usando sistemas complexos. O professor Marcelo focou mais na parte ética, com a ideia central sendo que é necessário tanto uma abordagem ética top-down (comissões de ética internas nas empresas, por exemplo, dedicadas a criar e aplicar normas éticas) quanto bottom-up (educar desenvolvedores, analistas e coletores de dados, etc. a agir de forma ética de forma rotineira) para termos uma indústria de Big Data e aprendizado de máquina ética. Essas duas abordagens são óbviamente necessárias em qualquer indústria, contudo, aí achei que essa frente ficou meio superficial, mas eu também devo estar mais exposto a histórias sobre tecnologia que o filósofo ou lógico médio.


Aulas Magnas

AM 2: Non-Reflexive Logics and its Applications to the Foundations of Quantum Mechanics

Aula apresentada pelo professor Décio Krause, do CLE/UFSC. Apresentou a noção de quasi-set, que são conjuntos que levam em conta a possibilidade de multiplos objetos indistinguíveis. Isso seria de uso na física quântica, onde aceitamos objetos "clássicos" permitindo-os a identidade e aceitamos objetos quânticos não afirmando a identidade para eles. A teoria de conjuntos feita com base nisso (criada por Krause) permite que tratemos objetos quânticos como indistinguíveis a nível básico.


AM 4: The History of Paraconsistent Logic

Aula apresentada pelo professor Graham Priest, da City University of New York. Foi um resumo da história da lógica paraconsistente, dando mais foco na noção de dialeteísmo (associada com Priest) e com a história moderna da paraconsistência a partir de Newton.


AM 8: Paraconsistent Probability and Uncertainty: How a Computer should Reason about Evidence

Aula apresentada pelo professor Walter Carnielli, do CLE/Unicamp. Ecoa o artigo de Belnap, "How a computer should think", no qual ele introduziu a First-Degree Entailment (lógica tetravalorada com "gluts" (A e não A) e "gaps" (nem A nem não A)) mas expandindo-a para probabilidades. Na probabilidade, podemos permitir "gluts" (P(A) + P(não A) > 1) e "gaps" (P(A) + P(não A) < 1) probabilísticos, levando em conta fontes de informação ou métodos experimentais imperfeitos: essa probabilidade paraconsistente proposta por Carnielli permite que nós ou computadores cheguemos em conclusões razoáveis mesmo dadas probabilidades inconsistentes. Interessante.


Eu só lembro de cor do conteúdo de um LED Talk e os títulos não são muito descritivos pra poder reativar minha memória. Eu deveria ter escrito isso tipo na semana que cheguei em casa mas esqueci. Tiveram vários talks legais!
Também vi vários posters legais e também não lembro dos/das autores/as bem o suficiente para fazer juz aqui. O meu poster para a conferência está disponível aqui.

about | contact | source