Como ser um Cientista Marxista

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Felipe Scalise; 05/04/2023; Santos, SP


Isto é, acima de tudo, um Manifesto!

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Índice

Introdução

Essa página é uma espécie de blog pessoal para a organização da minha leitura marxista e suas possíveis aplicações na intervenção na realidade possibilitadas pela ciência e pela atuação na área de pesquisa e ensino universitário. Em seu fim último, esse é um dos objetivos do marxismo, a práxis (unidade dialética contraditória superada da prática + teoria) pautada numa análise sustentada pelos fatos e pela realidade deduzida de si mesma, conforme observados, ou seja, pelo materialismo determinado pela fenomenotécnica.

Desde sua criação, o marxismo tomou muitos rumos, concretizando-se em acumulativos dias que abalaram o mundo, tanto em seus caminhos revolucionários quanto contra-revolucionários. Também está presente na base do desenvolvimento de outros pensamentos essenciais para a ciência {conhecimento teórico e prático} da revolução e da atuação do homem sobre sua realidade. O alcance da Teoria de Marx é tão amplo que, inevitavelmente, diversas interpretações e correntes apareceram, muitas vezes em desacordo. Aqui, nos limitaremos à crítica teoria, e não entraremos nas diversas práticas militantes que esta conduz (por mais que dialeticamente indevido). Mesmo assim, as opiniões são várias e contraditórias. Felizmente, o próprio marxismo nos dá a solução: Marx tem fé em seu processo por causa da justeza da análise, assim como nós deveríamos, somente após verificarmos, já que estamos tratando de uma ciência!

Assim, qualquer pessoa que quer ser marxista deve ter um dever com a ciência, com a rigorosidade de seus métodos teóricos e com uma análise profunda e justa de idéias contraditórias que escondem verdades cada vez mais profundas, tal é o materialismo dialético. Nem todo cientista é marxista, mas um marxista precisa ser científico!

Digo tudo isso para justificar a existência dessa página, que busca sistematizar e organizar o meu desenvolvimento dentro dessa teoria infinita, como também talvez inspirar alguma alma perdida que se encontra lendo no momento. Lembrarei-vos do que acabou de ser dito. Meu caminho não é o certo, minhas posições não tem validade alguma por si só e tudo é contestável. A interpretação Scaliseana não é a correta, ela é uma projeção (possivelmente falsa), uma faceta de um objeto inconcebível em sua totalidade! Por causa disso, a dialética é a nossa ferramenta de análise, use-a (por favor não de forma hegeliana!)!

Ao mesmo tempo, nada vem do nada, não se pode romper com a ideologia hegemônica sem um salto no escuro, baseado na fé no processo, após considerações sobre a ordem e a estrutura (na concepção Bohmiana). Assim, por mais que relativize a minha e todas posições, essa relativização ainda carrega suas leis que ditam o caminho teórico (e prático) a ser seguido. A história é feita de forma quantizada em indivíduos, carregando a continuidade ruptiva da sociedade e relativizada na subjetivação daquela, encontrada na interação desses dois em concepção e contextualização. Por isso, por meio da eterna análise, caminho, não de forma Browniana, mas de forma viva, ou seja, ordenando e selecionando. A especificidade da minha interpretação é explicitada na próxima seção, com uma breve justificativa de cada elemento que, se levada ao fim, espero livrar-se de dogma ou ideologia {Ver autocrítica 1}.

Aqui, encontram-se as leituras que eu fiz, que eu quero fazer e minhas reflexões sobre elas dentro do campo do marxismo e da produção científica. Espero que possam ser de ajuda para alguém que não sabe por onde começar a estudar o marxismo ou que querem refletir de forma crítica sobre um dos fenômenos mais bizarros da matéria: se conhecer!

Problemática

Aqui, problemática se refere ao conceito de Jaques Martin emprestado (e, portanto, desenvolvido) por Althusser. Este é um uso muito indevido da palavra, que poderia ser trocada facilmente por perspectiva mas o autor precisou incluí-la desta forma.

É necessário deixar explícito de qual lugar teórico parte a minha interação com o marxismo. O Viés é invisível em seu Óbvio. Espero que aqueles que estão fora dele possam ver o que eu não consigo. Enfim:

Eu me considero marxista por causa de seu método praxiomático de pensar o pensamento e sua filosofia política-econômica-social, leninista e trotskista pelas suas contribuições na arte da revolução e nos desenvolvimentos de estratégia e tática (respectivamente) e morenista por suas capacidades organizativas e sua atuação na luta socialista da América Latina.

Atualmente construo o Movimento Esquerda Socialista (MES), uma corrente do PSOL, o partido no qual eu deposito minhas esperanças (no sentido Freireano de esperançar) da construção de luta de classes no Brasil.

Porque ser um Cientista Marxista

Praxis: O conceito de práxis de Marx pode ser entendido como prática articulada à teoria, prática desenvolvida com e através de abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais consistente e conseqüente da atividade prática - é prática eivada de teoria

Como filosofia da praxis, o marxismo é a consciência filosófica da atividade prática humana que transforma o mundo.

Pautando minha disputa de consciência na capacidade de pensamento crítico e na política subjetiva inerente a todo sujeito, sinto a necessidade de convencer meus iguais o porquê de um cientista preocupar-se com o marxismo e aderir a este em sua intervenção do mundo. Muitos revolucionários (talvez por um "dever" com a revolução, por uma falta de autoconsciência ou, quem sabe, por causa de ego) não veem a necessidade de justificarem sua atuação no mundo e sua disputa de consciência se limita à autoafirmação, cuja "certitude" da linha supostamente trará a adesão de outras pessoas. Isto é insuficiente, e deve fazer parte da nossa contínua autocrítica.

Para mim, existem três razões principais que tornam o marxismo não só não-ignorável, como também necessário para todes os cientistas: razões históricas, razões teóricas e razões políticas.

História – Fato: A Ciência Faz História e É Histórica

{Esta secção foi re-formulada a partir da compreensão de Mosterín de história, fichado abaixo}

História, em amplo senso, é aquilo que se ocupa com o particular. Não precisa ser humano ou temporal, mas simplesmente a descrição de um sistema, uma parte específica e bem delimitada da realidade.

Toda ciência faz história ao coletar e organizar dados da realidade, auxiliada pelas diversas teorias que servem para dar extrapolação e explicação às observações do mundo. Ao mesmo tempo, a ciência é histórica, é em si um fenômeno da realidade que pode ser observada e categorizada e cuja análise requereu o uso de diversas correntes filosóficas tentando explicá-la teoricamente. Desta forma, a ciência é uma parte da realidade muito rica em determinações recíprocas, por tanto lidar com quanto constituir-se de história. Essa particularidade da ciência a abre à análise marxista, especialmente por uma relação simétrica que tem com a sociedade, algo explorado na próxima secção.

Ao mesmo tempo, precisamos ser científicos quando lidamos com a história do marxismo. O impacto do marxismo e suas ideias no mundo é inegável. Revoluções aconteceram e continuam acontecendo na base da interpretação marxista da sociedade em sua infraestrutura, estrutura e superestrutura. A historicidade do marxismo é algo que deve ser considerado critica-profundamente por todes que se dizem cientistas. Conforme compreendemos a ciência em seu contexto social (com sua estrutura centralizada), determinada de formas diversas inter-relacionadas com outros aspectos da sociedade, percebe-se a necessidade de uma Teoria que englobe esses fenômenos e os dê totalidade. Está é a problemática do marxismo – sua utilidade pode ser verificada empiricamente.

Visões simplistas da história muitas vezes tiram o ser humano de seu protagonismo no destino, no processo histórico do qual ele é objeto e que é objeto de sua subjetividade. No entanto, essa relação dialética fica clara com o marxismo e a acurácia desta análise transparece em diversos momentos e recortes da experiência humana. Alguns livros de Marx e de autores de revoluções são exemplos claro disso, o marxismo era o método deles e desvendava, de forma eternamente complexa e contraditória, as leis que carregavam a sociedade de um ponto ao outro. O fluxo cibernético do destino, a determinação mútua do ser humano e sua história. Recomendo a leitura do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, por Marx, e A História da Revolução Russa, por Trotski como exemplos claros disso.

Similarmente, o marxismo ainda decorre. Isto é, nós continuamos inseridos numa sociedade alienadora, cujas relações sociais verdadeiras são obscuras e a ideologia ("uma realidade que é deduzida, não de si mesma, mas da idéia" -Engels) reina neste campo. Aderir ao marxismo, se propor entender o mundo em sua ciência, é descobrir este véu e tentar enxergar as verdadeiras leis pelas quais a sociedade segue o rumo que segue. Também é estar ativamente disposto atuar nela, de forma embasada, para construir em direção da libertação do ser humano.

Portanto, a história nos dá dois motivos para sermos marxistas: o passado demonstra a validade do método, com seus soluços como qualquer ciência, mas que já se provou nas inúmeras vezes do que a sociedade buscou se compreender na sua atuação sobre seu futuro. O presente, também nos dá razões, já que vivemos as contradições da contemporaneidade, que jamais podem ser vistas com receio, ou pior, com descaso, mas que devem se abrir ao cientista como a maior oportunidade de entender o mundo, entender-se no mundo, e agir categoricamente sobre este. No futuro, que faz parte da história só idealmente, encontramos razões para sermos otimistas críticos, como diria Paulo Freire, buscando nossa consciência crítica-transitiva, dele tirando, eternamente, nossa poesia.

Teoria – O Que Faz Ciência e O Que a Ciência Faz

Nota: O grande [Pinto] faz um trabalho bem melhor em todos os aspectos deste tópico. Recomendo imensamente a leitura do Ciência e Existência dele para um desenvolvimento dialético da teoria da ciência que eu sou simplesmente incapaz. Enfim, ficam as reflexões ;)

Muitos cientistas passam sua vida sem parar para pensar cientificamente sobre a ciência. Não existe hipocrisia acadêmica maior, pois não há objeto mais necessário de se analisar que a ferramenta pela qual analisamos o mundo. Algumas obviedades são tão capilares que precisam ser explicitadas: a ciência é um fenômeno da matéria, isto é, a matéria se organiza em relação à informação sobre si por meio do pensamento humano. Esse é o ponto mais inédito da vida conhecida atualmente. Portanto, quando pergunto "o que faz a ciência" a resposta é simples externamente e imensamente complexa internamente: a matéria em seu formato humano-social faz ciência. O que isto implica, como qualquer leitor de Marx pode ver, é que o marxismo deve ser a ferramenta conceitual desse desenvolvimento analítico, pois trata-se de uma relação cibernética, contraditória e, dessa forma, altamente dialética e materialista!

( ͡° ͜ʖ ͡°)

A outra pergunta posta no título, "o que a ciência faz" é menos clara e mais difícil de responder. Ao meu ver, está é uma questão ainda muito aberta, com diversas linhas filosóficas e empíricas que disputam a narrativa sobre este fenômeno. Posso dizer, talvez conflituosamente, que o objeto da ciência é a objetividade. A ciência busca verdade e caminha em direção de um conhecimento humano cada vez mais próximo da realidade da natureza, em sua capacidade de transpor para o plano subjetivo o que é real objetivamente. Infelizmente nunca achei resposta mais satisfatória, e isto diz muito, pois se baseia em conceitos improváveis por enquanto, como a existência da realidade ou da nossa capacidade de verdadeiramente observá-la. A leitura materialista, no entanto, pressupõe a existência da natureza a priori, ou seja, a realidade existe antes e para além do homem. Por nossa inteligência e cognição, podemos desvendá-la (será? rs). {Ver autocrítica 2}. Mesmo assim, e aqui está uma das belezas do marxismo, o desenvolvimento de uma teoria melhor está conectada à prática, e vice-versa. Fez-se práxis! Somente descobriremos o que a ciência faz, de verdade, conforme fazemos ciência, e é empírico que a ciência é feita e que nisso existe a autoconsciência desse processo, afinal, aqui estamos! Quando perguntamos "o que a ciência" faz, já há marxismo no momento em que escolhemos a ciência para obter a resposta por ser a melhor ferramenta para o trabalho!

Algum leitor pode sentir falta da filosofia da ciência nessa seção. A relação entre filosofia e ciência é muito central ao marxismo. Marx parte de filósofos como Hegel e Feuerbach para chegar numa ciência da história. Stalin separa (bem porcamente) o materialismo histórico e o materialismo dialético, um conceito de maior valor quando desenvolvido por Althusser ao falar sobre a ciência da história e a filosofia desta ciência, respectivamente. Ainda não está claro, para mim, qual é a resolução dialética dessa unidade complementar entre filosofia e ciência, mas as conexões entre esses dois não poderia ser mais gritante: filosofia da ciência e ciência da filosofia! Marx propõe ambos no seu método, em constante determinação mútua e combinada.

Por fim, ineditamente neste texto, vou trazer os aspectos estruturais a tona: a produção científica está inserida na sociedade capitalista e, portanto, reflete as características desta. O cientista contemporâneo é um trabalhador intelectual, cuja exploração também cria mais-valia e que interage com as contradições do modo de produção vigente. Ao pensarmos um pouco sobre como a ciência é produzida, por quem e para quem, como ela é difundida e socializada (ou não), e quão bem ela alcança todos os seres humanos e a intervenção deles no mundo, o capitalismo se mostra como um câncer tentaculoso que explora, à benefício da burguesia, todos os processos científicos. Até o imperialismo, superando os pesadelos mais macabros de Lenin, aparece, para mostrar suas presas como sempre. Essa exploração se consolida numa limitação da própria autocompreensão científica, como também no desenvolvimento pleno desta prática humana, como acontece com outros aspectos e fenômenos da sociedade. Nota-se que esta conclusão não parte do marxismo, mas que, na verdade, a análise crítica da ciência em seu estado atual aponta diretamente para as contradições que nos levam ao marxismo. A razão teórica para um cientista ser marxista é, também, porque a teoria científica da ciência revela os próprios limites estruturais capitalistas!

"Todo trabalho científico está vinculado à atividade econômica do país. Pode dizer-se que configura um ramo da sua economia, e portanto tem de reger-se pelas concepções, pelas leis que o grupo social que detém o comando da economia impõe como válidas para a obtenção de bens de consumo. Por conseguinte, a mudança na situação da produção da ciência só pode ter lugar pela alteração das condições sociais da produção social. Deste modo, o cientista, o pesquisador, que, sentindo as deficiências do ambiente para a execução de seu trabalho, quiser vencê-las, terá de lutar, em seu campo de pensamento e ação, contra as formas de produção econômica da sociedade a que pertence."


- AVP, Ciência e Existência

Política – Não Existe Carga Neutra Próxima da Barbárie

O ser humano em sociedade faz política. A ciência é inconcebível fora do contexto social que a confere acúmulo, continuidade e, prioritariamente, síntese. Portanto, não se é possível pensar nem ciência sem política, nem política sem ciência (essas palavras de ordem foram usadas pelas turmas 31 e 32 em sua mobilização contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, e deram o nome da gestão da qual eu fiz parte do Centro Acadêmico Favo22). Assim, começa nosso importante e árduo trabalho de considerar a ciência dentro do campo político no qual ela se desenvolve. Recomendo uma leitura antes, do texto Ciência e Política por professores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Por mais que não tão aprofundado quanto eu gostaria em partes de sua tese, esse artigo busca esclarecer as contradições de uma ciência que não é consciente de sua influência política no mundo e da influência do mundo político sobre si.

Contemporaneamente, vivemos na autofágica hegemonia neoliberal que afirma o pior hábito do cientista: a auto-concepção de um ser além do mundo, um observador neutro e completamente sóbrio dos vícios da sociedade, empírico no seu pensamento e completamente objetivo. A cristalização do falso mérito. Nisso, esse cientista-deus ainda comete erros como homem, mas, ao servir seu propósito maior na prática científica, ele supera todo viés, pois há uma verdade maior e, quem sabe, eterna a qual ele se aproxima. Ironizo aqui essa ideologia apodrecida pois contra esses tipos de "fatos" só nos resta o deboche (a forma de discurso mais dialética em sua crítica, mas isso é um desenvolvimento para outro dia).

Já expliquei na última subseção sobre como a ciência está inserida na sociedade, enfaticamente na lógica de produção capitalista. Os efeitos que decorrem dessa insuficiência é uma ciência limitada, que não cumpre seu fim último absoluto – descobri-lo! Trazendo a discussão para o regime hegemônico do neoliberalismo, precisamos falar da posição reacionária sobre a polarização da nossa época, que se encontra no conflito entre a esquerda, comunista ou não, e o ressurgimento da extrema-direita organizada e influente. O que é dito, é que esses extremos são contra produtivos ao desenvolvimento pleno da sociedade, que eles antagonizam e lutam de forma destrutiva, acabando com o livre debate das ideias. Esta é uma posição que só é mantida dentro das relações sociais veladas pela ideologia neoliberal, que busca manter o status-quo de individualização que reproduz, de sua forma inédita, porém com o mesmo conteúdo, a exploração dos trabalhadores pelos donos dos meios de produção. Portanto, precisamos partir de algo mais profundo, buscando a origem e dinâmica da polarização. Ao observar-mos a realidade e enxergar nela a miséria, a exploração, a injustiça e, no limite, a falta de auto-determinação do destino da grande maioria dos sujeitos humanos (todos, na verdade, após a elevação dessa contradição), chegamos na conclusão da luta de classes e suas implicações.

Estas são implicações cruéis, inaceitáveis a qualquer um que considere os seres humanos como iguais em suas diferenças e diferentes em suas igualdades, e não há nada que indique o contrário senão pseudo-ciências eugenistas, elitistas e racistas. A polarização está aí: qual a verdadeira hierarquia da sociedade atual (estrutura) e se defendemos ou combatemos ela (política). Marx, analisando a estrutura econômica que dá a base para essa superestrutura, cujo conteúdo justifica, mesmo que falsamente, a primeira, deduz que o capitalismo é um Sujeito antagônico ao homem e sua liberdade. Portanto, como afirmei no subtítulo, não existe neutralidade perto da barbárie. Devemos lutar contra ela no momento que ela se torna aparente, tanto contra aqueles que desenvolvem linhas políticas de extrema diferenciação entre as pessoas, como os proto-fascistas do século XXI, quanto contra aqueles que usam de todo aparato para fingir um mundo justo que, objetivamente, não somente não é, mas cujas relações de exploração garantem as injustiças. Não só isso, e este é o cerne do combate ao neoliberalismo, fingir não ser influente ou complacente é em si apoiar toda a barbárie que nos cerca. A ciência, inserida de forma vital na reprodução e desenvolvimento de toda sociedade, precisa de uma auto-consciência crítica de seu lugar, papel e dever, e isto se dá pela consciência dos indivíduos que a constroem, os cientistas!

{ História ⊗ Teoria ⊗ Política }

Tendo feito o trabalho de particularizar as manifestações do marxismo relevantes à ciência nesses três tópicos centrais, é importante também realizar a combinação deles numa totalidade. Esse procedimento requer uma mudança de perspectiva conceitual para obter-se uma visão mais ampla do problema que revela os objetos em interação externa que não é nada mais que sua transformação interna aparente na externalidade conceitual (espero que isso fique mais claro a seguir). As razões históricas, teóricas e políticas, nessa mudança de perspectiva, se interiorizam para descrever a razão desses objetos conceituais, aqui entendida como as leis de sua transformação interna! Isso quer dizer que a novo ponto de observação é aquele de processo da realidade, bem descrito por nossa ciência e consciência dela. Assim, essa subseção se ocupa em colocar em movimento o que acabou de ser exposto em sua imediatez, algo que só pode ser feito quando consideramos a interação dialética entre eles (por isso o uso do produto tensorial (símbolos e sua magia)).

Vieira, mencionado acima, nos ensina que expor a dialética requer não pensar nas contradições, mas pensar por contradições. Portanto, postulo aqui que o ponto contraditório requerido para esta exposição é o ser humano: lente reflexiva central que separa o mundo subjetivo e o mundo objetivo, no qual a conceituação acontece e cuja capacidade de fazer trabalho proposital e informado pela reflexão, faz mediação desses dois universos para garantir suas necessidades e expandir suas possibilidades conscientemente. No entanto, isso revelaria somente a teoria e parte da história, o que é insuficiente. Acontece que o ser humano não pode ser entendido em sua totalidade isolado, muito pelo contrário, a existência do ser humano pressupõe seu coletivo: a sociedade. Vale dizer também que a sociedade pressupõe o ser humano (por enquanto hehehe) e assim chegamos na conclusão que o ponto contraditório postulado é duplo e único, o ser humano e sua sociedade em determinação recíproca, ampliando nossa análise ao resto da história e à política, como também conferindo à teoria outro nível de complexidade. Diga-se de passagem que, por mais que essa exposição siga a linearidade, a realidade não é esta. De fato, ideias não são fenômenos individuais, mas um acordo entre mentes pensantes (em movimento), a interação entre diferentes aparelhos cognitivos mediados pelo o que objetivo. É bom lembrar que estas são condições biológicas de reprodução e sobrevivência que chegam em sua superação conforme o ser humano obtém racionalidade (exemplo de dialética objetiva).

Agora, partindo do ser humano-social (ou ser social-humano!) e combinando os particulares numa totalidade abrangente podemos voltar à ciência. Estamos numa etapa específica da humanidade, esta entendida como um processo histórico acompanhada pela forma com a qual o humano entende e interage com o mundo externo teoricamente e como a sociedade se organiza, tanto em sua afirmação de estruturas sociais quanto a negação destas, politicamente. Para fechar a equação, nos resta somente entender que é por meio do trabalho, aqui visto como interação com o mundo intencional e representativa da finalidade da sociedade (ou média ponderada das finalidades dos indivíduos), que o ser humano garante reprodução da existência da humanidade, reciprocamente transformada por seu trabalho no mundo! Trabalho e cultura como mediadores entre o ser humano, suas intenções e o mundo, fechando um circuito humanizador. O ser humano se apropria das leis e do funcionamento da realidade objetiva para garantir suas necessidades de forma continuamente mais efetiva e tornar possível suas vontades. Conforme este processo vai ganhando método e (auto)consciência, a racionalidade que segue lhe confere caráter científico. Ademais, este processo retorna tanto ao sujeito quanto ao objeto, alterando-os: o mundo se torna cada vez mais humanizado, refletindo sua imagem idealizada pelo ser humano, enquanto este também se descobre e se encontra numa realidade cada vez mais modificável. O produzido produtor do que o produz.

Ao considerarmos a etapa que estamos, por mais que seja inédita, é simultaneamente apenas ponto particular da história. Uma de suas particularidades é, de fato, a ciência disponível e existente. Com sua capacidade de criar verdades subjetivas eternamente superadas e sempre presentes, ela se torna necessariamente o informativo do trabalho; o condicional da finalidade! Abre-se a dialética. A transposição do objetivo ao subjetivo é, de fato, sempre incompleta e com contínua auto-superação. Independentemente, considerando a ciência especifica deste momento, podemos chegar à consciência crítica que, ao obter movimento, se torna transitiva também. Isto não é nada mais que se apropriar da superação inerente de qualquer fase científica, o que requer conferir conteúdo histórico, teórico e político ao entendimento dela, fechar a dialética subjetiva. Esta conexão entre o trabalho e a ciência se torna ainda mais relevante ao entender que o trabalho científico é o descobrimento da realidade ao mesmo tempo que é alterado, às vezes qualitativamente, pelo o que é descoberto. A existência em sua forma científica não é somente o que é ou não descoberto, mas sobre o que é 'descobrível': o obscuro faz parte da existência consciente humana, fecha-se a dialética objetiva.

Toda essa baboseira serve para inverter a consciência sobre a ciência ao considerarmos o porquê de um trabalhador científico (cientista) pensar o marxismo. A consciência crítica, cujas considerações levam em conta o ambiente social em sua historicidade, teoria e politica, se enxerga agente do mundo por transformá-lo ao descobrir ele. O cientista, então, pode perceber que não é inconsequente à esta transformação, mas, na verdade, transforma a existência independentemente de sua consciência ao contrário que algumas ideologias pensam. Isso não o confere nada mais que responsabilidades sobre sua atuação, tendo que revelar as particularidades dos três conceitos centrais às subseções para si e agir no mundo de forma categoricamente informada e consequente. Ação que põe seu trabalho no foco: em seu universo particular, grandes empresas de jornais científicos o roubam a liberdade acadêmica colocando sua suposta produtividade em termos capitalistas e os centros intelectuais funcionam ainda nos países imperialistas que estruturalmente exploram o sul global e tem visões sobre a existência limitadas por seu privilégio. Ao considerar que seu trabalho não é isolado, mas altamente dependente de uma estrutura econômica e infraestrutura física e social, encontra-se o universo do trabalho social total, no qual ele está inserido e que se torna, também, seu campo de atuação. A sociedade que o permite fazer a ciência não é algo fixo, mas parte da existência contemporânea dele em movimento que ele descobre ao se tornar crítico e transformador. Isso o inclui no fluxo e totalidade da realidade. Longa vida ao materialismo!

Assim, chegamos ao final do surto. Ser um cientista marxista significa usar da lógica dialética para esclarecer a posição contraditória de trabalhador científico na história e da praxis para tornar o trabalho libertador. Exercício: O que isto significa?

Ah, porque? Cuz its fun!

"Esta determinação, pela sociedade, do processo de trabalho em relação a cada indivíduo não é endereçada ao homem em caráter individual, porém o atinge em função de sua situação de classe, origem e posição no contexto da comunidade. Não é feita intencionalmente mas decorre da estrutura do sistema, que prefigura a distribuição das oportunidades, com isso reduzindo a uma faixa extremamente estreita a área da opção em que a liberdade individual se mostraria capaz de dar a cada homem, mediante o trabalho que escolhesse, o destino que desejasse. No sistema em que vigoram rígidas divisões sociais o nascimento é praticamente uma sentença de vida, e com grande frequência, sobretudo nas regiões subdesenvolvidas, também é uma sentença de morte. O poder de adquirir a cultura [FS](a cultura para si; há controle hegemônico sobre a cultura reconhecida socialmente), que daria ao homem a mobilidade de aplicação de si a um trabalho voluntariamente escolhido, vê-se limitado pela situação de origem do indivíduo. Em tais condições o papel existencial que o trabalho por natureza possui, de ser o princípio da criação de si do homem, está impedido de cumprir-se, porque o indivíduo tem de aceitá-lo passivamente por toda a vida, vindo de uma força exterior que o manieta e contra a qual, não tem possibilidades de reagir. Em vez de contribuir para formar o ser do homem, este se torna destruído no seu ser, isto é, na sua liberdade (de que decorreria o poder de fazer-se a si mesmo), para se tornar o ser produzido pelo trabalho que lhe é imposto. Neste caso, o trabalho inverte o papel que está destinado. Em vez de ser para o homem, este é que é para o trabalho, O atributo converte-se em substância, o instrumento em origem absoluta. Tal é a essência da escravidão, da servitude, da alienação do trabalho"


- AVP, Ciência e Existência

Tradição Socialista na Ciência

Uma breve lista de cientistas que adotaram e desenvolveram as ideias de Marx e do socialismo:

  • Albert Einstein (1879 – 1955)
  • Vladimir Fock (1898 – 1974)
  • Robert Havemann (1910 – 1982)
  • Mario Schenberg (1914 – 1990)
  • David Bohm (1917 – 1992)
  • Yuri Orlov (1924 – 2020)

Mas O Que É Essa Tal de Dialética?

Or How I learned to stop worrying and love contradiction

Nessa seção, vou tentar resumir o que cada autor que eu leio fala da dialética. O leitor vai perceber certas discordâncias e contradições. Sem medo! Quem tem medo da verdade? Só porque algo se contradiz, não significa que é falso, largue a lógica formal na porta e abrace Caos, Chronos e Erebus!

Paulo Freire

Paulo Freire enxerga a dialética do processo pedagógico, isto é, o ensino enquanto processo de elevação do ser humano a algo reflexivo, possivelmente de forma crítica (auto-reflexiva) e transitiva (temporal e temporalizada). Este processo requer entender o ponto de partida e a direção contraditória que o confere movimento. O aluno não é um receptáculo vazio no qual conhecimento é posto, mas um ser que pressupõe conhecimento, que tem a capacidade de conhecer, no sentido mais ativo da palavra. Para Freire, o ensino tem que refletir isso, não somente para ser efetivo, mas libertador. Partindo da ideia que o ser humano experimenta a realidade naturalmente, sua pedagogia começa do que a pessoa já conhece para desenvolver este conhecimento em algo mais amplo, acumulado pela sociedade humana e sua história.

Alvaro Vieira Pinto

AVP usa da unidade dialética contraditória {particular e universal} como foco central de suas elucidações sobre a realidade. Ele pressupõe a existência do homem enquanto ser destacado da realidade por sua racionalidade (mas que ainda parte daquela ⇒ materialismo) e que, seguido do destaque, se encontra em uma contradição fundamental com o resto de natureza, procedendo neste desafio de mundo por meio do processo de humanização (de si e da realidade)

É importante dizer que para ele (e eu concordo) fazer dialética não é pensar nas contradições mas pensar por contradições. Isto é um movimento conceitual duplo, partindo do cerne do conceito para os lados de particularidade e totalidade, reencontrando estes dois lados pela abstração contraditória.

Outras considerações importantes se encontram na dinâmica entre o universo subjetivo das ideias e o mundo objetivo que ser humano experiencia e trabalha sobre. Para Álvaro, a reflexão da vida do mundo objetivo, como esta altera sua estrutura para responder aos estímulos exteriores a si, ganha um novo patamar de complexidade no ser humano, que inaugura o mundo das ideias, a subjetividade, com sua própria dinâmica de interação interna, correlação dos conceitos e capacidades de abstração (reflexão complicada) do mundo objetivo. Fazendo o movimento duplo, mencionado acima, estas ideias estão sempre conectadas por um cordão umbilical ao objetivo, afinal é sobre este que refletem, mas também podem superá-lo (aufheben) pela imaginação humana. Ademais, conforme este universo subjetivo evolui, ele é capaz de se aprofundar sobre o mundo objetivo com cada vez mais qualidade.

A finalidade do ser humano se informa pelas ideias que este tem do mundo. Assim, ele exterioriza as ideias em ação, trabalho, produção. Desta forma, há uma relação recíproca contraditória entre o subjetivo e o objetivo, permitindo o movimento da consciência do homem pela sua história.

Um conceito importante para a dialética também se encontra na relação entre o quantitativo e o qualitativo. O acúmulo quantitativo, proporcionado pelas experiências intencionais do ser humano sobre o desafio do mundo chega a um ponto crítico, no qual há uma mudança qualitativa das questões sendo levantadas.

Leandro Konder

Em seu livro, O Que É Dialética, Konder sistematiza todos os conceitos chaves para o começo de uma compreensão dialética materialista.

trabalho enquanto destaque: é no trabalho que o homem se produz a si mesmo; o trabalho é o núcleo a partir do qual podem se compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano. No trabalho se acha tanto a resistência do objeto (que nunca pode ser ignorada) como o poder do sujeito, a capacidade que o sujeito tem de encaminhar, com habilidade e persistência, uma superação dessa resistência.

➾ a relação sujeito-objeto só existe pelo trabalho (racional) do homem. Com ele, o ser humano destaca-se da natureza, aplicando suas intenções informadas sobre ela.

superação dialética: é importante a noção to termo alemão aufheben (suspender, em português), que significa simultaneamente {negar, anular, cancelar}, {erguer para proteger} e {elevar a qualidade, promover a passagem para um plano superior}.

➾ a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação do essencial que existe nesta realidade negada e a elevação dela a um nível superior. Tudo isso mediado por contradições.

a totalidade: o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em geral, é um processo de totalização

➾ A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa – que a visão de conjunto proporciona – que é chamada de totalidade.
➾ A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem.
➾ A totalidade é apenas um momento de um processo de totalização (que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada).
➾ A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõe.
➾ Processam-se alterações setoriais, quantitativas, até que se alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade. ⟹ Lei dialética da transformação da quantidade em qualidade.

Praxis: A teoria é necessária e nos ajuda muito, mas por si só não fornece os critérios suficientes para nós estarmos seguros de agir com acerto - que estamos trabalhando com a totalidade correta

➾ A gente depende, em última análise, da prática – especialmente da prática social – para verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos e com as totalizações.

➾ Por análise, decompõe-se e recompõe-se o conhecimento indicado na expressão (conceito) que se serve de ponto de partida. No fim, realizada a viagem do mais complexo (ainda abstrato) ao mais simples e feito o retorno ao mais complexo (já concreto)

➾ Uma certa compreensão do todo precede a possibilidade de aprofundar o conceito das partes
➾ O concreto é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes, é unidade na diversidade

➾ Para a dialética reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada, é obrigada a identificar com esforço. gradualmente as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o 'tecido' de cada totalidade, que dão 'vida' (movimento) a cada totalidade

➾ A dialética não pensa o todo negando as partes nem pensa as partes negando o todo. Ela pensa tanto as contradições entre as partes como a união entre elas.

mediações & contradições: Para ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos, precisa-se realizar operações de síntese e análise que esclareçam não só a dimensão imediata (domínio da lógica formal) como também, e sobretudo, a dimensão mediata delas.

➾ Em todos os objetos com os quais lidamos existe uma dimensão imediata (que percebe-se imediatamente, seguem as leis formalizadas) e existe uma dimensão mediata (reconstruída aos poucos pela análise pautada na dialética)
➾ Somente levando em conta as mediações é que pode-se avaliar corretamente toda a significação do fato imediato
➾ A contradição é um elemento insuprimível da realidade, pois existem dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas.
➾ Aspectos da realidade que não podem ser compreendidos isoladamente – para entendê-los, precisa-se observar a conexão íntima entre eles e aquilo que não são
➾ As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades contraditórias (dialéticas) (UDCs), nas quais a contradição é essencial.
➾ A contradição, para a dialética é o princípio básico do movimento pelo qual os seres (em sentido amplo, aquilo que é) existem

➾ A (lógica) dialética não se contrapõe à lógica (formal), mas vai além desta, desbravando um espaço que ela não consegue ocupar!

➾ Dispõe-se a trabalhar com determinações recíprocas.

fluidificação dos conceitos: o processo da realidade só pode ser encarado como uma totalidade aberta, através de esquemas que não pretendessem 'reduzir' a infinita riqueza e complexidade da realidade ao conhecimento, mas incorporar isso a este!

➾ Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluídos
➾ ex. fluidificação da natureza humana: "ao atuar sobre a natureza exterior, o homem modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza ⟹ movimento autotransformador da natureza humana que é material (materialismo)
➾ só existe na história num processo global de transformação, que abarca todos os seus aspectos

➾ Marx não reconhece a existência de nenhum aspecto da realidade humana acima ou fora dela, porém alguns aspectos perduram na história

➾ as criações mais significativas do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da história da humanidade e continuam vivas.
➾ O movimento da história é marcado por superações dialéticas com as categorias reflexivas mudança e permanência – uma não pode ser pensada sem a outra
➾ Todo aspecto estável da realidade tem que ser situado dentro do processo geral de transformação & toda mudança concreta tem que ser reconhecida como a de um ser provido de certa capacidade de durar

Vladimir Lenine

  • A divisão do todo e do conhecimento em suas partes contraditórias é a essência da dialética.
    • A justeza deste aspecto do conteúdo da dialética deve ser verificada pela história da ciência.
  • A identidade dos contrários (ou unidade dos contrários) é o reconhecimento/descobrimento das tendências contraditórias, mutualmente excludentes, opostas, de todos os fenômenos e processos da natureza.
    • A condição para o conhecimento de todos os processos do mundo em seu 'automovimento', em seu desenvolvimento espontâneo, em sua vida real, é o conhecimento destes mesmos como unidade de contrários.
    • O desenvolvimento é a 'luta' dos contrários.
  • A divisão de uma unidade em contrários mutualmente excludentes e sua relação recíproca dirige a atenção principal precisamente na direção do conhecimento da fonte do "auto"-movimento.
    • Ela proporciona a chave para o 'automovimento' de tudo que existe; dá a chave para os saltos, para a ruptura de continuidade, para a transformação no contrário, para a destruição do velho e o surgimento do novo.
  • A unidade (coincidência, identidade, igualdade de ação) dos contrários é condicional, temporária, transitória, relativa. A luta dos contrários mutualmente excludentes é absoluta, como são absolutos o desenvolvimento e o movimento.
  • Para a dialética objetiva, existe um absoluto dentro do relativo.
  • O método de exposição (ou estudo) da dialética em geral deve ser (como fez Marx em O Capital):
    • Começar com o mais simples, com o ordinário, o comum etc. Com QUALQUER proposição (ex. as folhas da árvore são verdes). Aqui ja temos dialética: o INDIVIDUAL É o universal.
    • Consequentemente, os contrários (o individual de opõe ao universal) são idênticos:
      • O individual só existe na conexão que conduz ao universal. O universal existe somente no individual e através dele.
      • Todo individual é (de uma ou outra forma) um universal. Todo universal é (um fragmento, um aspecto ou a essência de) um individual.
      • Todo universal só abarca aproximadamente todos os objetos individuais. Todo universal entra de forma incompleta no universal etc, etc.
      • Todo individual está vinculado por milhares de transições a outros TIPOS de individuais (coisas, fenômenos, processos), etc.
    • Aqui já temos os elementos, os germes, os conceitos de necessidade, de conexão objetiva na natureza.
    • Aqui já temos o contigente e o necessário, o fenômeno e a essência, porque, ao fazer a proposição, descartamos uma quantidade de atributos como contigentes; separamos a essência da aparência, e contrapomos uma a outra.
  • Assim, em qualquer proposição podemos (e devemos) descobrir como em um 'núcleo' ('célula') estão os germes de todos os elementos da dialética, e com ele demonstrar que a dialética é uma propriedade de todo conhecimento humano em geral.
    • A ciência natural nos mostra a natureza objetiva com as mesmas qualidades, a transformação do individual no universal, do contigente no necessário, as transições, as modulações e a vinculação recíproca dos contrários.
    • A dialética é a teoria de conhecimento (de Hegel e) do marxismo!
  • A dialética como conhecimento vivo, multilateral (com uma multiplicidade de aspectos que aumentam eternamente), com uma quantidade infinita de nuances de cada enfoque e aproximação da realidade (com um sistema filosófico que se converte em um todo a partir de cada matiz).
    • Há aqui um conteúdo imensamente rico em comparação com o materialismo "metafísico", cujo infortúnio fundamental é sua incapacidade de aplicar a dialética a Teoria da Reflexão (Bildertheorie), ao processo e desenvolvimento do conhecimento.
  • Do ponto de vista do materialismo dialético, o idealismo filosófico é um desenvolvimento unilateral, exagerado de uma das características, aspectos, facetas do conhecimento, que se converte, assim, num absoluto divorciado da matéria, da natureza, e é levado à apoteose.
  • O conhecimento humano não segue uma linha reta, mas sim uma curva que se aproxima infinitamente a uma série de círculos, uma espiral.
  • Para conhecer efetivamente um objeto é preciso abarcar e estudar todas suas facetas, todos os seus vínculos e suas «ligações intermediárias». Não chegaremos jamais a conhecê-lo de maneira completa, mas esta exigência de universalidade nos vai colocar protegidos de erros e do dogmatismo. Isto em primeiro lugar. Em segundo, a lógica dialética exige que o objeto seja considerado em seu 'devenir', desde o ângulo de seu «automovimento» (como disse Hegel as vezes), de sua mudança. Terceiro, toda a prática humana há de incluir-se na «definição» completa do objeto, tanto como critério da verdade, como expoente prático dos nexos do objeto com o que é necessário para o homem. Quarto, a lógica dialética ensina que «a verdade é sempre concreta».

José Barata-Moura

A dialética, do ponto de vista subjetivo de uma consideração epistemológica é a designação genérica de um sistema complexo e dinâmico de categorias filosóficas que visa refletir, analisar e tornar inteligível processos reais, de caráter natural, social ou natural social.

Primeira notaunidade ontológica fundamental da realidade

O que parece e aparece como desordenado, desligado, aleatório ou até mesmo irracional, acaba, no fundo, por constituir uma unidade que não é simples linear, idêntica, mas uma unidade em concreto determinada, no seu teor e na sua deveniência, segundo uma multiplicidade de instâncias, uma complexidade de relações, e uma contraditoriedade de elementos. É por sua unidade ontológica fundamental, que apesar de tudo aquilo que no campo da expeiência imediata se nos revela como independente – o real forma uma totalidade.

Na dialética que parte de uma ontologia materialista, compreende-se como a ordem lógica concreta do pensamento tem de refletir, e de acabar por procurar traduzir, a lógica das coisas – o seu ser material dinâmico em totalidade.

Segunda nota – totalidade como fundamento objetivo, material do real

O pressuposto da totalidade ou unidade do real não é produto de uma mera estruturação subjetiva a que a consciência humana procede; não se refere apenas ao resultado de um conjunto de elaborações de índole gnosiológica ou epistemológica; não decorre de um simples poder organizador do múltiplo – racionalizador da sua diversidade imediata, empiricamente constatada – que o espírito começaria, de alguma maneira, por instituir.

A totalidade, tecida e entretecida de multiplicidade determinada e em devir é ontológica e é coextensiva ao ser (denotando, do mesmo passo, a sua estrutura fundante). A unidade é uma operação unificadora que permite conferir inteligibilidade às coisas e aos processos. é uma característica de um procedimento científico em geral, e a ela subsistem razões de natureza objetiva que, precisamente, o estudo e a investigação fundamentados tem por missão descortinar. Reconhecer essa base material, objetiva para a unidade ontológica do real (e, consequentemente para a dialeticidade que lhe é inerente) apresenta-se como aquilo que vem a determinar o caráter materialista das concepções de Marx.

Terceira notahistoricidade ou desenvolvimento do real no tempo

A totalidade material em que o real consiste não é um aglomerado estruturado de elementos, mas constitui ela própria um processo em devir. Esta unidade do real não é apenas momentânea, sincrônica, fora do tempo, acima do tempo ou substancialmente indiferente à temporalidade, mas envolve radicalmente o seu desenvolvimento no tempo, a sua historicidade; a historicidade constitui uma ingrediência intrínseca inescapável da sua própria textura. Como definido por Marx, método de desenvolvimento, referindo-se etsa expressão ao percurso que um pensamento descreve na sua conceptualização e naquilo que concerne a própria ex-posição do ser no seu processo histórico de realização; neste contexto problemático em que irrompem e estão as dimensões ontológicas, Marx procede a toda uma crítica das formas mecanicistas de materialismo até então vigentes em função da incapacidade de que elas se revestem em compreender como a praxis constitui ela mesma um ingrediente do ser.

Quarta notacontradição como constitutiva das coisas, e do processo em que consistem

Neste desenvolvimento histórico uno em que o real materialmente consiste, a contradição – a unidade e luta de forças e momentos contrários que se confrontam, negam, conflituam, sucedem e reconfiguram – vem a assumir um papel nuclear e decisivo. Isto porque as contradições fazem parte das coisas, e do processo em que consistem; estão no centro da sua própria possibilidade de desenvolvimento e de resolução, precisamente, por que a historicidade se não encontra ontologicamente dissociada do ser. Nesta perspectiva, o desenvolvimento, o devir, não é uma superação automática das contradições, mas a forma em que seu movimento é possível (e, portanto, também o horizonte em que a sua transformação e resolução é encarável), revelando-se como particularmente rica e sugestiva, no que toca a uma tentativa de surpreender o cerne da dialética da contradição, ou como a contradição se desvenda no cerne da dialética. Isto por que o ser, na totalidade em que consiste, está cruzado e entrecruzado por movimento. Movimento este em que a imutabilidade só em termos relativos, ou por abstração determinada, pode ser considerada. Isto por que o real encontra-se constituído, fundamentalmente, não por estados de coisas positivos, fechados, acabados, perfeitos, mas por relações em processo de devir, que dinamicamente se desenvolvem. Isto por que, uma coisa não é apenas um estado determinado subsistente, mas um sistema de relações em desenvolvimento, em transformação, sendo ai que o espaço da contradição se cava e assoma, junto com a dinâmica de que se reveste.

Livros

Nesta seção se encontram o compilado dos livros que eu li que são relevantes para o tópico proposto na discussão. Além de listá-los, também inclui diversos comentários sobre ele, provindos da minha leitura e das minhas reflexões que desenvolveram-se em conjunto. O formato desses comentários é muito livre e depende muito do conteúdo do livro como também meu estado mental na hora da escrita, portanto é caótico. A melhor coisa é ler o livro por conta própria. Eu provavelmente ainda tenho esses livros, então se alguém quiser algum volume emprestado, me encontre ;).

O Capital: Crítica da Economia Política, Karl Marx (incompleto)

Não sou muito aprofundado no O Capital, por falta de tempo e densidade da leitura. Também não me sinto capaz de comentar muito sobre o livro. Portanto, fica o link para o meu fichamento dos capítulos que eu ler. Recomendo que todos fichem O Capital, mas com calma e tempo que essa leitura demanda.

Afterword to the Second German Edition (1873)

Class struggle between capital and labour is forced into the background, politically by the discord between governments and the feudal aristocracy [...]

The peculiar historical development of German society therefore forbids, in that country, all original work in bourgeois economy, but not the criticism of that economy. It can only represent the class whose vocation in history is the overthrow of the capitalist mode of production.

Marx treats the social movements as a process of natural history, governed by laws not only independent of human will, consciousness and intelligence, but rather, on the contrary, determining that will, consciousness and intelligence.

[The European Messenger of St. Petersburg; May Number, 1872; pp. 427-436]


The dialetic method according to Marx:

  1. Method of representation must differ in form from that of inquiry
    • appropriate the material in detail;
    • analyse its different forms of development;
    • trace their inner connection.

      after done:

  2. Actual movement can be adequately described
  3. If done successfully (that is, the life of the subject-matter is ideally reflected as in a mirror), then it may appear as if we had before us a mere a priori construction.
  4. The ideal is nothing else than the material world reflected by the human mind, and translated into forms of thought.
  5. Because it regards every historically developed social form as in fluid movement, it takes into account its transient nature not less than its momentary existence; it lets nothing impose upon it; it is, in its essence, critical & revolutionary.

Livro 1: O Processo de Produção do Capital

Educação Como Prática de Liberdade, Paulo Freire

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Leitura: Dezembro 2022

Seguem minhas anotações

  • a educação é a afirmação da liberdade
    • somente por meio da conscientização das massas populares enquanto sujeitos políticos e construtores culturais que se pode atingir a verdadeira democracia.
  • visão paternalista das elites
    • "a-luno" --> sem luz ⇒ elaboração de uma educação não libertadora
  • "a democracia como a liberdade é um dos temas históricos em debate e sua efetivação vai depender das opções concretas que os homens realizem"

    • esta visão é alheia à ideia de uma mudança de estruturas que transcorre de modo inapelável --> derivação mecanicista do marxismo
  • populismo: a ascensão popular não apenas se realiza por sua via institucional como é frequentemente estimulada através do Estado, a ambiguidade do regime populista entre mobilização democrática e manipulação aparece como característica central
  • homens igualmente livres e críticos
    • aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da situação que vivem
  • a educação se antecipa a uma verdadeira política popular e lhe sugere novos horizontes.
  • o homem temporaliza-se --> existe no e com o mundo
    • transcendência humana:
      • transitividade de sua consciência
      • reconhecimento de sua condição de ser inacabado
      • descoberta de sua temporalidade
  • desumanização: acomodação ou ajustamento
    • a visão de si mesmo e do mundo não podem absolutizar-se
    • --[contrapõe-se]-> integração resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida de transformá-la ⇒ nota fundamental: criticidade
  • minimizado e cerceado, acomodado a ajustamentos que lhe sejam impostos, sem o direito de discuti-los, o homem sacrifica imediatamente sua capacidade criadora
  • a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo --> vai dominando a realidade --> vai HUMANIZANDO-A
    • o homem é o fazedor da realidade
    • salienta-se a necessidade de uma permanente atitude crítica

[F]: Autoria Minha

(portanto é mais brisa que qualquer coisa útil)

  • "revolução permanente"
    • dada uma época de transição, qual é o papel da vanguarda da esquerda?
  • visões paternalistas de direção supérflua são contrárias ao próprio marxismo
  • uma esquerda que se propõe desenvolver um novo modelo de sociedade não pode ser contrária à conscientização e, portanto, à participação democrática absoluta das massas nos processos revolucionários
  • nas épocas de transição, o regime antigo alonga-se, buscando permanecer enquanto o novo consubstancia-se
    • visões mecanicistas deste processo não são condizentes com a realidade material da mudança
      • o homem em busca de sua liberdade tem que ser sujeito político, não objeto de manobra
  • cabe à vanguarda guiar a política da mudança. No entanto, não pode-se perder em nenhum absolutismo
    • aposta na natureza política inerente do indivíduo e das massas --> mediados pelo mundo
    • desenvolvimento dialético para com o proletariado. Agregado ao método, precisa estar presente o constante diálogo com o povo e suas experiências. Somente assim presenteia-se à esquerda a oportunidade de síntese materialista e metodológica
  • o erro neste processo, seja pela cautela excessiva para não perder o protagonismo da direção, tanto quanto pela cegueira dogmática provinda de um desvio ideológico, ou seja, que tem ideais abstratos como princípio, só acaba em derrota, seja no populismo, oportunismo ou autoritarismo.
    • portanto, afirmo que os valores da vanguarda devem estar pautados nas virtudes de humildade de seu conhecimento e confiança em seu método

o socialismo é

  • construção sintética e coletiva COM AS MASSAS
  • libertador não somente no que promete, mas em suas responsabilidades!

(fim da minha intervenção pessoal)

  • a radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na sua opção que fez, é positiva porque preponderantemente crítica
    • amorosa, humilde e comunicativa
  • o homem radical na sua opção, não nega o direito do outro de optar
  • não pretende impor sua opção
    • dialoga sobre ela
    • está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo
    • tenta convencer e converter, e não esmagar seu oponente
  • quando o oprimido legitimamente se levanta contra o opressor, é a ele que se chama de violento, de bárbaro, de desumano, de frio
  • a sectarização é uma matriz preponderantemente emocional e acrítica
    • é arrogante, antidialogal --> reacionária
    • o sectário se põe diante da história como seu único fazedor --> como seu proprietário (dogma e a propriedade da verdade)
      • para a esquerda: antecipar a história

[F]: é um dever com a dialética se perceber!

  • a verdadeira esquerda deve, como sujeito, com outros sujeitos, ajudar e acelerar as transformações, na medida que conhece para poder interferir
  • em sociedades alienadas --> incapazes de projetos autônomos de vida buscam nos transplantes inadequados a solução para os problemas do seu contexto
  • utopicamente idealistas <---> pessimistas & desesperançosos
  • a sociedade que se conhece --> sujeito
    • projetos, planos, resultantes de estudos sérios e profundos da realidade
  • otimismo crítico ⇒ esperança
  • a atitude subversiva à libertação do povo é essencialmente comandada por apetites, comandada por apetites, conscientes ou não, de privilégios (ver burocratização do PC)
  • o grande perigo do assistencialismo está na violência de seu antidiálogo
    • impõe ao homem mutismo e passividade

[Simone Weil]: a satisfação desta necessidade (responsabilidade) exige que o homem tenha de tomar a miudo decisões em problemas, grandes ou pequenos, que afetam interesses alheios aos seus próprios, com os quais, porém, se sentem comprometidos.

Anti-economicismo Freireano: "É preciso, na verdade, não confundirmos certas posições, certas atitudes, certos gestos que se processam, em virtude da promoção econômica – posições, gestos, atitudes que se chamam tomada de consciência – com uma posição crítica. A criticidade para nós implica na apropriação crescente pelo homem de sua posição no contexto. Implica na sua inserção, na sua integração, na representação objetiva da realidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência. Não será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações econômicas, por grandes e importantes que sejam. {F: as modificações econômicas não são somente 'grandes' ou 'importantes, como diz Freire, mas necessárias. A forma da produção determina as superestruturas possíveis, é a realidade que abrange as possibilidades do homem em sua criação, auto-descobrimento e relação para-com o mundo. Mesmo assim, ainda é válida a critica, pois a estrutura não é a ciência da mudança} A criticidade, como a entendemos, há de resultar de trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históricas propícias."

Formações Econômicas Pré-Capitalistas, Karl Marx

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Introdução de Eric Hobsbawnm

Editora Paz e Terra S/A, 1977

Título original: Pre-Capitalist Economic Formations (1964)

Leitura: Janeiro 2023

Doido doido doido doido

Sociologia da Ciência, múltiplos autores

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Editora da Fundação Getulio Vargas, 1975

Título original: Sociology of Science (1970)

Leitura: Janeiro 2023

Esse compilado de artigos vem de diversos autores e foi promovido pela UNESCO. Todos os artigos seguem uma visão positivista da sociologia da ciência, o que me pareceu como cientistas sociais considerando as dinâmicas internas da ciência, sem parar para olhar de forma crítica o contexto que as determinava e a implicação desses, salvo um. Ladislav Tondl salva este livro ao nos introduzir ao seu artigo: Situações de Conflito em Comunidades Científicas. Será nesta obra, 24 páginas das 190 que eu vou focar a minha reflexão. Não é como se os outros artigos (listados abaixo) não fossem bons, ou úteis, mas somente Tondl nos interessa por sua análise e síntese do processus científico, seu flerte com a cibernética e sua visão totalizadora de um cientista completo, ou seja, inserido e ator na sociedade democratica. Veja:

"Para conseguir resultados satisfatórios, os próprios cientistas precisam estar envolvidos amplamente nas condições políticas e sociais. Isto não significa, esencialmente, aceitar 'empregos', 'honrarias', ou 'altos encargos do Estado', mas representar parte ativa e direta na investigação de todos os problemas sociais importantes, como membro da intelectualidade científica e, naturalmente, o direito (grifo meu) de tomar iniciativas, mobilizar a opinião pública, etc."

O que torna a parte de Tondl essencial, no entanto, é como ele coloca a ciência diretamente contra o dogma e o monopólio do poder. Ladislav, conforme constrói sua visão científica, vai contrapondo esta com os vícios de ideologias que se afirmam na manutenção de seu controle e poder. O autor nos mostra que essa prática humana, cada vez mais complexificada, carrega dentro de si a resposta para os desvios do caminho revolucionário genuíno. Lembrai-mos que o marxismo é científico, que ele parte do materialismo para criticar a e atuar sobre a realidade, no entanto, ao ser feito por homens, como qualquer ciência, ele é falível. Da mesma forma, os mecanismos que garantem o progresso científico podem ser o que salvam esse rumo, ou seja, a pluralidade de opiniões, o embate aberto de ideias (não no sentido liberal, mas ideias de homens livres de opressão e que não implicam, jamais, em exploração) e a comprovação empírica de hipóteses. O marxismo morre conforme verdades eternas nascem, não deixemos falecer!

La formación de los cuadros, Vladimir Lenin

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Reconpilación de articulos y discursos

Editorial Progreso, 1975

Leitura: Janeiro/Fevereiro 2023

Este livro é uma coletânea de discursos, cartas e escritas feitas por Lenin de 1914 até o fim de sua vida, conforme o estado operário se consolidava. Desta forma, temos em nossas mãos uma verdadeira fotografia documental, que permite a análise própria dos posicionamentos dessa figura central ao desenvolvimento teórico marxista, da ciência e arte revolucionária e tão amplamente apropriado pelos diversos donos da verdade. O tópico específico desta obra, carregado de variantes formas por cada texto, é sobre a formação de quadros, ou seja, das pessoas que tem a capacidade e formação de direção das massas, que constroem o partido enquanto também disputam a consciência da base. Lenin sabia da importância dessas pessoas e, portanto, sua formação, por serem a ponte entre a teoria marxista e a prática revolucionária. Hoje em dia estamos rodeados por partidos comunistas cuja distância das pessoas comuns, presas em suas rotinas trabalhais, não poderia ser mais gritante. A práxis é o critério da verdade, e o nosso dever é manter ela assim.

Gosto muito da definição do centralismo democrático trazida na introdução do livro. Ela é muito bem sintetizada, sem carregar os vieses clandestinos ou exagerados necessários pela conjuntura de sua aplicação na época, mas que hoje formam a base de muitas práticas desmedidas de comunistas estéticos. Enfim, define-se

El centralismo democrático presupone la preparación y adopción colectivas de decisiones, con libertad de crítica y de discusión de las medidas que traza el partido. Todas las cuestiones relacionadas con la dirección del partido son resueltas por mayoria de votos. Además, el cumplimiento de los acuerdos adoptados por los congressos del partido es obligatorio para los comunistas. De esta forma se aseguran la unidad de acción, la unidad de voluntad y la educación de los militantes en espíritu de rigurosa disciplina de partido. La importancia de la democracia consiste en que ofrece a cada comunista la possibilidad de participar activamente en todos los asuntos del partido y formarse como un guía auténtico de las massas.

É importante ressaltar que Lenin acreditava que o partido deveria ter estrutura democrática de baixo para cima, que fica claro ao consideramos o dever deste partido: guiar a classe à sua missão histórica. Somente uma visão paternalista removeria as massas, representadas pelos quadros atuantes em suas respectivas esferas, dessa sua missão ou sua capacidade de (re)conhecê-la. Para mim, a verdadeira relação dialética entre o partido e as massas é que, enquanto o partido traça o caminho revolucionário pautado em sua estratégia e teoria, ele é determinado democraticamente pelos quadros das massas, organizados pela direção do partido. Isto é, as massas se dirigem (obviamente de forma secundária, para não cairmos nos vícios anarquistas) por meio da interpretação e análise conjuntural, centralizada no partido. Desvios dessa relação tem implicações materiais nas revoluções, que tomam direção contrária, uma doença dos comunismos (portanto a necessidade da leitura de Freire por quadros e direções!).

Dialética Sem Dogma, Robert Havemann

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Zahar Editores, 1967

Título original: Naturwissenschaftliche Aspekte philosophischer Probleme (palestra); Dialetik Ohne Dogma? – Naturwissenschaft und Weltschauung

Leitura: Fevereiro/Março 2023

Robert Havemann não é muito conhecido nos círculos que seu conhecimento brilha. Químico de formação, ele escreveu esse livro sendo abertamente comunista, para tratar da filosofia da ciência e a dialética ali encontrada, da sua visão de 'moral socialista', e comentar sobre a situação com o socialismo de sua época, anos 60. Alemão, comunista, quase preso por nazistas, liberado pelo Exercito Vermelho, comunista de novo, dessa vez no governo, e, depois sofre tortura psicológica e perseguição política pela produção desse texto (num governo socialista). Importante dizer que esse livro é inicialmente publicado como uma coleção de palestras, chamadas Aspectos Científicos de Problemas Filosóficos. Talvez ele tenha falado sobre a dialética de forma contra-revolucionária...

Metade desse livro trata de problemas científicos, a outra, de problemas socialistas. Obviamente essa é uma divisão burra e simplista minha, pois as coisas se conversam: no método. Havemann tem um talento imenso em sua redução de problemas em Unidades Dialéticas Contraditórias, que eu, carinhosamente, chamo de UDCs. Por esse meio, ele toca seus alunos como um maestro, que, além de assistir, aparecem no final na transcrição de seus seminários. Havemann é verdadeiramente muito bom em trazer as diversas contradições relevantes para a decomposição dialética de diversos problemas e questões que ele apresenta. Ele argumenta que a dialética tem um potencial grande em seu uso nas ciências da natureza (Naturwissenschaft) além de caracterizar um pouco essa visão. O livro menciona diversas vezes o livro de Engels, "Dialetics of Nature", que eu ainda não li, mas que eu já vi sendo criticado em alguns textos e espaços. Mesmo assim, este serve somente como uma inspiração primordial, que ele supera, trazendo a tona diversos fenômenos, tanto científicos quanto sociais contemporâneos a ele.

A física quântica é o material central de seu desenvolvimento científico, sobre a qual ele busca encontrar uma solução filosófica para a teoria que foge tanto de sua significação, até hoje. Dentro do universo de Marx, onde a filosofia e a ciência se conversam e o materialismo reina, não há nada mais temível que uma ciência sem filosofia, que redefine em incerteza nossa capacidade de determinar nossos conceitos teóricos para com a realidade. Como descreve o físico Elio Conte (que só fala brisa, mas aborda este conceito de forma interessante):

"There are stages of our reality in which we no more can separate the logic (and thus cognition and thus conceptual entity) from the features of “matter per se”. In quantum mechanics the logic, and thus the cognition and thus the conceptual entity-cognitive performance, assume the same importance as the features of what is being described. We are at levels of reality in which the truths of logical statements about dynamic variables become dynamic variables themselves so that a profound link is established from its starting in this theory between physics and conceptual entities."

Mas não precisamos temer, ele também nos dá esperança no processo, ou melhor, transformação dialética:

"Finally, in this approach there is not an absolute definition of logical truths. Transformations , and thus … “redefinitions”…. of truth values are permitted in such scheme as well as the well established invariance principles, clearly indicate"

De forma parecida, Havemann nos dá esperança da superação das limitações conceituais e da exaustão de algumas teorias por meio da dialética, sem dogma, óbvio! Já no começo ele posta a seguinte questão: A Filosofia Tem Ajudado as Ciências Naturais Modernas na Solução de Seus Problemas?

Análise Crítica Da Teoria Marxista, Louis Althusser

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Zahar Editores, 1967

Título original: Pour Marx (1965)

Leitura: Março/Junho 2023

Nota: Mesmo durante a leitura, como também depois dela, senti uma certa tendência no Althusser que não me agradava. O autor claramente demonstra conhecimentos avançados e profundos sobre o marxismo, mas sua síntese teórica, política e lógica deixa a desejar muito (lembrando que esta é uma obra de sua juventude acadêmica). Com o tempo fui acumulando críticas de outros autores marxistas sobre ele e consigo formular melhor meu entendimento contraditório de Althusser. Enfim, isso é dito para contextualizar os comentários abaixo, que variam entre concordância e discordância mas sem algum fio lógico rigoroso de fato. Por isso, desculpem a confusão e os erros que seguem :)

De acordo com o meu dirigente, eu deveria ler alguns livros do Marx e do Lenin antes de ler esse. Por mais que eu tenha acordo, e provavelmente volte para esse livro depois dessas leituras mencionadas, o autor me prendeu fortemente com sua forma de pensar o marxismo, e por isso escolhi continuar. Althusser foi um dos primeiros pensadores que eu vi abertamente tentando esclarecer o entendimento do marxismo em si, tanto para Marx, que ele separa em Jovem e Maduro, quanto para os alunos do mestre, como ele foi e como nós possivelmente somos. A compreensão de Marx requer esforço crítico, pautado na história e no contexto ideológico no qual os pensadores estão inseridos. Isto informa a problemática deles, a dinâmica do que e como o pensamento 'problematiza', quais questões ele levanta e como seus objetos internos estão organizados, colocados opostos um ao outro e desenvolvem a razão do autor – para o marxismo, percebemos rapidamente que os objetos se contradizem e que a razão, portanto, é dialética. Althusser escreve esse livro no século 60, um momento de muito abalo para os marxistas, seguindo o 'culto de personalidade' e a morte de Stalin, o dirigente que, ao meu ver, contribuiu para a prisão do desenvolvimento teórico marxista numa dialética mecanicista estatal, aparelhada para a manutenção do poder burocrata e contra-revolucionário. Em contra-partida, a interpretação humanista sobre Marx, apoiada sobre seus textos antigos (ou seja, jovens) que começaram a aparecer também são parte da crítica do autor, como vestígios Feuerbachianos que o marxismo supera somente quando ele se torna algo independente da Ideologia Alemã – ele está buscando algo mais embasado em seu desenvolvimento marxista. Ainda há esperança, em 30 anos cai o muro de Berlin (olhe o código e quem policia a polícia).

Althusser supera esse dilema ao afirmar que o marxismo tem que ser estudado de forma marxista, ou seja, apliquemos a teoria marxista para desenvolver nossa compreensão dela. A cibernética desse processo não está perdida na concepção do autor, muito pelo contrário. Ele cria esta tese entendendo muito bem como esse é um processo praxiomático que exponencialmente ganha potência. Para dar algum ponto de partida e permitir uma análise filosófica de Marx, ele utiliza dos conceitos de problemática para "designar a unidade específica de uma formação teórica" e cesura epistemológica, para "pensar a mutação da problemática teórica da fundação de uma disciplina científica". Nos é muito útil que o autor decide tão explicitamente e cedo no livro falar sobre as ferramentas centrais à sua análise, além de seu objeto: o desenvolvimento do marxismo marxiano e suas implicações no desenvolvimento do marxismo marxista. É um tópico muito importante, pois dá ao teórico marxista uma base firme ao olhar de maneira critica a própria história do pensamento. Com o método explicitado, podemos também questionar algumas suposições do autor, que, na minha opinião, por mais que faça contribuições inquestionáveis, inéditas e essenciais para a compreensão da Teoria, ainda caí em suposições ideológicas e carece em dialética em algumas de suas conclusões. Nota-se que Althusser retoma criticamente muitas de suas posições em seu livro 'Crítica e Auto-Crítica, além de ser muito comentado por outros teóricos marxistas como Ruy Fausto (Marx: Lógica e Política - Tomo I) e Adolfo Sánchez Vázquez (Ciência e Revolução).

Resumindo os conteúdos do livro, podemos chegar à seguinte lista:

  • Um método marxista para aprender o marxismo, com ênfase nos conceitos de problemática e cesura epistemológica
  • A divisão dos trabalhos de Marx de acordo com sua problemática filosófica e a implicação disto na leitura moderna marxista
  • Contraposição da dialética hegeliana com a dialética marxista e o conceito autoral de sobredeterminação
  • A dialética materialista e as contradições na estrutura com dominante
  • Apresentação de um humanismo socialista

Prefácio

No prefácio, está posto tudo mencionado acima, além de um contexto histórico e de necessidade prática dos desenvolvimentos que o autor traz. Esta prática de situar-se num dado contexto social e econômico é essencial para qualquer autor que queira lidar com as contradições inerentes ao seu posicionamento. Mesmo assim, Althusser muitas vezes é ideológico sobre sua crítica à ideologia (principalmente àquelas que precedem Marx e o formam como pensador enquanto ele as supera, por mais que o autor discordasse do uso desse termo (Aufhebung)). O que o autor faz muito bem, contudo, é descrever como Marx pensa sua filosofia enquanto desenvolve sua ciência sobre a história. Considerando o conhecimento como pré-condição da formulação científica das idéias, isto é, de forma que elas se apropriem da objetividade da realidade, nota-se que este pré-condicionamento é uma função do tempo conforme descobrimos e desvendamos mais (da história da humanidade, por exemplo) e também uma função da própria ciência sendo formulada, já que novos métodos de análise e pesquisa surgem e com eles verdades mais profundas. Assim, ao reconhecer isto no desenvolvimento metodológico e filosófico de Marx, Althusser identifica uma cesura na vida de Marx, contextualizando toda sua obra em torno desta:

"Foi ao fundar a teoria da história (materialismo histórico) que Marx, com um só e único movimento, rompeu com a sua consciência filosófica ideológica anterior e fundou uma nova filosofia (materialismo dialético)"

Ele ainda adverte que essa cesura dupla e única implica numa possível confusão entre a ciência e a filosofia, que causam muitos "materialistas" a declararem a morte da última em glorificação da segunda, um problema que Althusser reconhece e critica. Disto e com algum detalhamento das obras de Marx e sua posição na história do pensamento marxiano, Althusser busca trazer seu ponto final:

"que a leitura de Marx tenha, portanto, por condição prévia uma teoria marxista da natureza diferencial das formações teóricas e de sua história, isto é uma teoria da história epistemológico, que é a própria filosofia marxista".

Isto é um círculo dialético onde o próprio marxismo é o objeto do marxismo, uma teoria que ineditamente se define dialeticamente – não apenas como ciência da história, mas também como filosofia, capaz de dar conta de si! É por isso que a dialética serve de lógica para o método marxista, não é algo explicativo como muitos marxistas pensam, mas o próprio desenvolvimento do pensamento. Portanto, não basta utilizar dela para entender o marxismo, mas para desenvolver o entendimento e a própria teoria. É tudo dinâmico no pensamento dialético, pois a compreensão está em movimento.

I - O "Manifestos Filosóficos" De Feuerbach

O primeiro capítulo do livro busca divorciar Marx da problemática humanística inconsciente de Feuerbach. Não me aprofundarei muito, mas é importante dizer que Althusser considera A Ideologia Alemã como a ruptura consciente e definitiva de Marx com a filosofia e a influência de Feuerbach e, por extensão, de Hegel. O autor consegue contextualizar muito bem Marx como um pensador de seu tempo, isto é, atravessado pelas ideologias então presentes e dominantes, que ele tão bem combate depois para conscientemente superá-las. Althusser também expõe os limites ontológicos de Marx antes de sua ruptura, como ele apenas aplicava um método de problemática limitada e inconsciente sobre si (ética à inteligência da história humana). Mesmo assim, e aqui começa minha crítica, ao dizer que Marx "não fazia mais que aplicar a teoria de alienação [...] antes de estendê-la" e depois que, ao aderir à uma nova problemática, que "pode muito bem integrar certo número de conceitos da antiga, mas em um todo confere uma significação radicalmente nova.", Althusser divide a história num antes e depois conceitual e, portanto, inexistente. Não acho que ele faz errado, pois as conclusões teóricas tiradas disso são essenciais para a interpretação da vasta obra acumulada de Marx, porém o cerne dialético da questão está na ruptura e o que essa cisão implica no novo. Ou seja, a problemática de Marx é criada no contexto de insuficiência ideológica das ferramentas presentes ao Jovem Marx teórico. Com elas, ele pôde analisar o mundo e desenvolver-se tanto como hegeliano quanto feuerbachiano, por si só, contraditoriamente. Ao contrapor-se com essa contradição, a necessidade de uma problemática que se conheça torna-se aparente, e assim começa a morte da ideologia. Este processo no entanto, não é desconexo, muito pelo contrário. Ao vermos formas que transformam-se incompreensivelmente, procuremos supra-dimensões que as revelam não místicas, mas científicas! No campo teórico, foi o que Marx fez, superando (por mais que Althusser questione isto) a ideologia de seu tempo para, partindo de princípios científicos para criar a teoria que permite a inteligência de sua própria gênese.

O que Althusser carece, ao meu parecer, é verdadeiramente conseguir enxergar o pensamento marxiano e o desenvolvimento deste enquanto movimento dialético. Isto é, a discretização de Marx requer reunificação dialética com a continuidade histórica dos materialismos. O marxismo é deduzido de forma marxista por Marx também, não neguemos seus desenvolvimentos abstratamente.

II - Sobre o Jovem Marx

Neste capítulo, Althusser busca expor certos problemas (políticos, teóricos e históricos) de certas linhas marxistas do seu tempo, que ele considera humanistas e revisionistas. Por mais que ele faça críticas certeiras àqueles que buscam conferir validade teórica absoluta aos manuscritos que precedem a própria cisão de Marx com a filosofia ideológica nas quais ele foi formado, o autor parece não conseguir aplicar uma análise verdadeiramente processual do desenvolvimento do materialismo histórico e do materialismo dialético. No seu foco de ruptura, Althusser esquece que há continuidade. Ele faz muito bem em dizer que o futuro não valida o passado, ou seja, que não pode-se olhar para Marx validando suas posições passadas por causa da validade de suas posições futuras - a integridade de Marx é um ideal hegeliano. Ainda sim, o passado é validado em seu processo de tornar-se futuro: as ideias que permitiram o surgimento do Marx maduro eram dele Jovem.

Althusser traz uma frase de Hoeppner que vale a contemplação:

"Não se deve olhar a história da frente para trás, e procurar do alto do saber marxista germes ideais no passado. É necessário seguir a evolução do pensamento filosófico a partir da evolução real da sociedade"

O que eu acredito, é que só podemos olhar a história de frente para trás e que qualquer tentativa de inversão disso há de ser dialética. Desta forma, temos a capacidade de enxergar o processo dos objetos que estamos analisando, seja esta a história ou o pensamento filosófico de Marx. Para mim, Althusser somente nega o Jovem Marx abstratamente para salvar o marxismo do humanismo, mas neste ato, nega o próprio processo de entendimento dialético do marxismo. Ruy Fausto faz essa critica melhor, trazendo a ideia da interversão do anti-humanismo em humanismo e também do homem, até hoje, estar somente suposto.

Algumas anotações minhas no livro

➻ Althusser está certo que o futuro não valida o passado (∴ integridade teórica de Marx é um ideal hegeliano), MAS o passado é validado em seu processo de tornar-se futuro! Não há futuro sem passado, e só existe o presente!

➻ Não é possível achar Marx no Jovem Marx, mas é possível encontrar o Jovem Marx no Marx. Esta determinação não é aproveitada dialeticamente por Althusser.

➻ A transformação parte do jovem!

➻ Althusser critica a leitura com elementos discriminados como entidades significantes por si mesmas como uma leitura orientada, e, ainda sim, faz isso ao dividir Marx em seus elementos históricos. O cerne da questão é a autoconsciência analítica e a dialética presente na relação autor-história & leitor-conceitos.

➻ O Marx "acabado" se determina

➻ O materialismo de Feuerbach para Marx não existe mais, somente como sombra do processo que levou a Marx transcendê-lo.

➻ Como evoluiu a consciência de Marx sobre sua obra? ➝ rupturas contínuas? ("consciência à tendência")

➻ "Princípios marxistas de uma teoria da evolução ideológica" ➝ a dinâmica e o fluxo de ideias!

i) Cada ideologia considerada como um todo real, unificado interiormente por sua própria problemática
É bom pensar o pensamento como interação entre ideologias (sustentadas por relações sociais e vice-versa) com as quais o pensador interage. Um todo composto de partes, um processo em fluxo!
ii) O sentido não depende de sua relação com uma verdade diferente dela, mas de sua relação com o campo ideológico existente e com os problemas e estrutura social que a sustentam e se refletem nela.
iii) O princípio motor do desenvolvimento de uma ideologia reside no aquém da ideologia singular.

➻ Teoria que permite a inteligência de sua própria gênese ⥀

➻ Fechar o circulo dialético da contradição suprema

➻ materialismo na análise do pensamento → contexto superestrutural → pré-condicão do novo

➻ tal qual a história, as ideias seguem o MDH

➻ Relação da unidade interna de um pensamento singular

➻ a 'unidade' é um dos lados da relação dialética entre as partes e o todo → uma ideologia é inteira porém composta de subunidades
➻ essas são subunidades conceituais, temporais, locais, pessoais, intepretacionais, ...
➻ só pode ser compreendida em sua integridade, só pode ser analisada em suas partes
problemática: unifica "sistema e referência interna objetivo de seus próprios temas

➻ "Todas as suas questões surgiram no terreno de um sistema filosófico determinado, o hegelianismo. Não apenas nas sias respostas, mas já nas suas questões, havia uma mistificação" (Ideologia Alemã)

➻ as questões são determinadas ideológicamente → reflexão sobre o objeto é mistificada
➻ UDC: particularidade e totalidade
➻ existem conceitos que só são compreendidos por sua totalidade, porém são observados particularmente
➻ a totalidade é a particularidade de um sistema específico!

➻ "Pode-se considerar que uma ideologia (no sentido marxista estrito do termo – no sentido que o marxismo não é uma ideologia) se caracteriza precisamente pelo fato que a sua própria problemática não é consciente de si.

➻ no pensamento de Marx, a problemática se conhece, se reflete, tem consciência de si! → confere à análise mais justeza!

➻ O verdadeiro materialismo tem problemática materialista

➻ isto é, o pensamento conhece-se enquanto pensamento enraizado nesta realidade
➻ "pensamentos esclarecidos" → a dinâmica de um pensamento autoconsciente!

➻ Ideias se desenvolvem para com/contra outras ideias → reflexão sobre si por meio do outro

➻ <o homem concreto e a história real que os produziu> → tal qual somos e objeto desta nossa análise

➻ inversão formal vs. inversão dialética

➻ princípios (pressupostos) se negam ao afirmar o novo

➻ As ideias que Marx herda não contém verdades veladas que são descobertas, mas são o cerne de uma rotação conceitual dialética que concretiza o desenvolvimento do novo e inédito: uma problemática autoconsciente e um método eterno de análise autosuperativa!

➻ Marx transende seus antepassados não só no que pensa, mas na recursão infinita que abre ao pensar o pensamento conscientemente

➻ Alemanha como espectador da história real → essa impotência obrigou os pensadores alemães a "pensar o que os outros tinham feito"

➻ AVP: pensar sobre si e para si
➻ como ter independência praxiomática?

"O subdesenvolvimento histórico da Alemanha teve por contrapartida um superdesenvolvimento ideológico e teórico → conceber o que podia e o que devia ser a condição fundamental da libertação

➻ contradições como précondição do desenvolvimento do pensamento crítico

➻ "uma superação da ilusão (aparência) para a realidade (objetiva)" → é uma dissipação da ilusão e uma volta para trás, da ilusão dissipada para a realidade

➻ a superação da ilusão só pode ser sua dissipação → isto fica claro a partir de Marx, mas não torna seu processo menos dialético
➻ grande crítica a Althusser por abandonar o Aufhebung

➻ A descoberta direta de Marx da realidade só foi possível pelas contradições da aparência fenomenal expostas pela análise crítica da ideologia e sua superação/supressão

➻ Marx parte da análise dos mesmos elementos de Hegel, porém consciente das limitações ideais hegelianas

➻ Há uma "deformação dos problemas históricos reais em problemas filosóficos" ← problemática Alemã do século XIX

➻ os limites da problemática alemã esclarecem sua superação

➻ Althusser nega o uso de superação como descrição da ruptura de Marx com a ideologia alemã. No entanto, o esclarecimento de Marx sobre a estrutura do pensamento e sua vulgarização em ideologias, nas quais as problemáticas não são conscientes de si, são possíveis somente devido ao contexto ideológico no qual ele está inserido. Ao 'voltar para trás' (termo que Althusser usa para repor o Aufhebung), não se tem um Marx virgem de ideias, nem um Marx ideologicamente enviezado ideologicamente, mas um Marx que busca a superação de seus antigos tutores na própria história. Ele volta para trás munido da determinação de encontrar um método de revelação que faltou aos ideólogos alemães (ex. materialismo). Desta forma há Aufhebung conforme está superação é concebida em sua totalidade, a ruptura problemática. Este processo jamais estaria livre de superações pois a gênese parte de algo – pensar no devir.

➻ encontramos a UDC: superação e invenção ⇐ como surge o inédito?

➻ "Se o 'caminho de Marx' é exemplar, não o é por suas origens nem pelo seu detalhe, mas por sua vontade selvagem de se libertar dos mitos que se apresentavam como a verdade, e pelo papel da experiência da história real, que pesou e varreu esses mitos.

➻ determinação da superação!

➻ Virtude de Marx: ter adquirido o senso e a prática da abstração, indispensável à constituição de tôda teoria científica, o senso e a prática da síntese teórica e da lógica de um processo do qual a dialética hegeliana lhe oferecia um modelo abstrato e puro.

➻ Marx conseguiu simultaneamente criticar toda a sua ideologia para atingir a citerioridade dos seus mitos, e pelo treinamento, que lhe deu em manejar as estruturas abstratas dos seus sistemas.

Ciência e Existência, Álvaro Vieira Pinto

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problemas filosóficos da pesquisa científica

Editora Paz e Terra S/A, 1985

Leitura: Junho 2023/Setembro 2023

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Meditações deste livro: a exigência de formação da consciência do pesquisador, o conhecimento como fator histórico, as ideias como bens de produção e bens de consumo, a dialética na natureza e no espírito, a importância do conceito de totalidade, a finalidade social da linguagem, a contradição fundamental do processo de hominização, a historicidade intrínseca da ciência, a ingenuidade das concepções metafísicas, a função da sociedade na teoria do conhecimento, a cultura como produto do processo-produtivo, o problema histórico da evolução da cultura, determinismo e finalidade, os grupos sociais que detêm o poder de ditar as finalidades da pesquisa científica, a finalidade como propriedade das elites, condições que impõe a exigência do raciocínio formal ao dialético, a lógica formal como lógica da ciência clássica, caráter existencial do pensamento dialético e a necessidade de comunicação, a superação da contradição entre lógica formal e dialética pelo critério da política existencial, o papel social da prática que se torna critério de verdade científica, a importância das relações de trabalho, a alienação do trabalho, caráter existencial da relação entre homem e máquina, a fase atual da automatização, o caso especial da realidade subdesenvolvida, a natureza dos instrumentos culturais, pesquisa e liberdade, o aspecto ético da criação científica, o cientista como trabalhador assalariado, caráter ideológico do conhecimento científico, o conceito de totalidade e a relação da consciência do país atrasado com a das áreas metropolitanas, a necessidade de rejeitar o pensamento econômico ou político alienado, relações entre a consciência e o método, definição da consciência crítica, o trabalho alienado como obstáculo à realização da liberdade do homem, relação entre o particular e o universal, o homem como ser submetido ao desafio do mundo, o desenvolvimento das ideias como reflexo da situação existencial, o significado humano da situação, a finalidade última do homem, etc., etc.

O meu texto estará organizado da seguinte forma:

palavras chave que servirão de nódulos conceituais serão apresentados como seções seguidos de

--> comentários do autor, indicados por setas

  • anotações minhas em cima do que é trazido por Vieira

É importante notar que no livro, por ser altamente dialético em sua análise e síntese, esses conceitos não só se conversam, mas estão em determinação recíproca contraditória, um entendimento central!

Conhecimento enquanto Processo

➥ O conceito de totalidade [...] é a expressão do processo na integridade do seu desenvolvimento [...]. Embora uma pesquisa realizada neste instante faça avançar o processo e [...] sob este ângulo apareça como relativamente a criadora do processo [...] é o todo que domina logicamente as partes componentes. O processo [...] é o do conhecimento.

  • processo: conhecimento
    • estrutura e ordem? (sim, também) ⇒ conceito Bohmiano.

➥ [...] em face do problema gnosiológico somos levados a tomar um atitude lógica [...] de caráter dialético.

➥ Uma coisa é o conhecimento como ato vivo de apreensão de um conteúdo da realidade, outra é a sua formulação mental depois verbal.

  • lógicas dialética e formal ⇒ perspectivas diferentes da realidade: limiar e interna!

➥ O conhecimento existe desde que a organização da matéria começa a tomar o caráter que a difenciará, enquanto sistema vivo, do restante da natureza, que permanecerá inerte. [...] parte dela (da matéria) se diferencia num processo particular.

  • Essa diferenciação é a vida, um sistema reprodutivo de si, que se altera com o tempo e se adapta ao desafio do mundo.
  • O conhecimento como propriedade emergente da matéria biológica

➥ O cogito autentico, se quisermos conservar esta tradicional formulação, depurando-a dos seus elementos metafísicos ilusórios, nos é dado pelo cogitamus, porque esta expressão inclui tanto o aspecto cogito, eu penso, como o aspecto cogitor, eu sou pensado

➥ Como filósofo, posso ignorar o processo histórico [...] mas o processo histórico não me ignora

  • Problemática determinada de totalidade: a forma com a qual eu lido com o mundo para análizá-lo me coloca também dentro do problema. O ser humano está inserido no fluxo da realidade e do pensamento, e sujeito e objeto, é a lente reflexiva do universo, contraditório e particular totalizante!
  • materialismo: a reprodução que acaba no indivíduo que contempla (busca conhecer) implica na pré-condição principal: história
    • Esta pode ser lida como realidade em transformação contínua e unificada.

➥ [...] conhecimento se revela uma propriedade geral da matéria viva: a de ser capaz de sensibilizar-se pelas condições do ambiente e reagir a ele com respostas que tendem a ser mais apropriadas, s mais eficazes para contornar a ação possivelmente prejudicial de algum elemento do meio.

  • a adaptabilidade poder ser vista pela perspectiva da informação do ser sobre si no mundo. Essa capacidade permite ação proposital e informada, isto é, um investimento energético inteligente, muitas vezes coletivo, para garantir a reprodução. Não é uma necessidade, nem direcionado à "perfeição", como diz Álvaro, mas, se não encontra nenhuma barreira anuladora, pode obter muito sucesso por ser conhecimento desenvolvente; a eficiência da eficiência; termodinâmica para si.

➥ A repetição da experiência de superar um dado obstáculo leva à formação de hábitos de resposta a tais situações, os quais com o correr do tempo, se incorporam por via de transmissão hereditária ao patrimônio de comportamentos de uma espécie, e irão definir o grau de conhecimento a que chegou.

  • conhecimento cultural ↺ conhecimento genético

➥ [...] o conhecimento é o reflexo da realidade adquirido pela capacidade perceptiva que o ser vivo, segundo sua possibilidade de organização vital, está habilitado a fazer dessa realidade.

➥ [...] abrange a totalidade da escala dos seres vivos, que precisamente se definem como tais por possuírem esta capacidade de reagir cognoscitivamente ao meio.

  • reflexo da realidade e nossa capacidade de alterá-la de forma 'possível'

➥ [...] o conhecimento é sempre social, no sentido em que se encontra no mesmo grau médio de desenvolvimento nos indivíduos

➥ [...] quer [...] se torne patente a necessidade do concurso do conjunto social para a consecução da operação cognoscitiva.

  • caráter social do conhecimento:
    • 1º - mesmo grau entre indivíduos que não necessariamente interagem.
    • 2º - concurso do conjunto social que permite estruturação mais complexa do conhecimento.

➥ Sendo uma propriedade geral da matéria viva, o conhecimento acompanha o processo evolutivo desta.

  • evolução da complexidade
  • o materialismo coloca as propriedades da matéria com o fluxo da matéria, ou seja, conferem o caráter processual desta àquelas.

➥ A teoria crítica do conhecimento deve portanto admitir estas duas premissas fundamentais:

i) o conhecimento é uma propriedade geral da matéria organizada nas condições de matéria viva;

  • reprodução implícita em sua estrutura ⊕ homeostase para aproveitamento energético
    • ⟹ a complexidade 'se justifica'

ii) se trata sempre de uma reação da matéria viva em face do mundo circunstantes

➥ Isto supõe que num primeiro momento há percepção da situação objetiva, e em seguida a reação a essa situação.

  • praxis materialista!

➥ A matéria viva organiza-se por um movimento "contra a corrente", num sentido que aparentemente contradiz o segundo princípio da termodinâmica, embora na verdade obedeça a ele, mas, de toda maneira, aparece em forma de um movimento que parte de um estado de menor complexidade para outro mais complexo [...]. Se o conhecimento está sempre representado pela capacidade de refletir o mundo, portanto consiste em reflexos, a gama de complexidade destes é imensurável.

  • termodinâmica em si ➯ termodinâmica para si

➥ O conhecimento, ao surgir, inaugura um novo campo de leis da realidade, que se superpõe às de ordem mecânica, física e química, e destas se vale sem as derrogar, mas incorporando-as para os fins específicos dessa atividade superior.

  • Novo campo de leis da realidade: sistemas cibernéticos vivos!
    • homeostasis; reprodução; evolução.
  • Fenômenos emergentes ainda tem suas leis pautadas naqueles dos quais emergem, porém funcionam de forma especifica, de qualidade diferente daquilo de onde emergem. Tem que se pensar na estrutura e como ela afeta o comportamento do sistema.

➥ A matéria viva, ao apreender o mundo [...] apossa-se dele [...].

  • O ser vivo se apropria do mundo ⇒ matéria + informação

➥ A matéria viva, ao contrário (da matéria inerte), continuando a pertencer ao mundo pela sua realidade fundamental (materialismo), torna-se capaz, sob certo aspecto – e nisto consiste precisamente o conhecimento – de fazer o mundo ser dela.

➥ [...] o que sempre caracteriza (a matéria viva) é de alguma maneira dominar o mundo, inverter, mediando o conhecimento, a relação de pertencimento, tomar o mundo por objeto da sua ação, isto é, estabelecer a diferenciação ontológica, posteriormente transferida para o terreno lógico, entre a condição de objeto e de sujeito.

  • "A vida estabelece a diferenciação ontológica entre condição de sujeito e objeto" ⟹ materialismo ontológico do ser e não-ser
    • Ciência da existência
  • O ser humano pertence ao que lhe pertence!

➥ A diferenciação entre a condição de objeto e a de sujeito tem, pois, fundamento biológico (isto é, material) e se irá manifestar quando os organismos recém-aparecidos começarem a ser capazes de produzir em si o reflexo da realidade (cada vez mais detalhado e complexificado), tornando-se habilitados de conhecer o mundo.

  • O conhecimento do homem está, assim, fundamentalmente vinculado à sua existência física, química, biológica, porém, conforme ditam as dialéticas, não de forma limitante e sim superando-as (Aufhebung).

➥ Na origem [...] encontramos o grau absolutamente elementar do conhecimento, representação totalmente inconsciente da realidade, reduzida apenas a reações que se revelam úteis ao ser vivo, em resposta a estímulos primários. É a fase dos tropismos [...].

  • Tropismos simples são a base da complexidade posterior ⟹ Bohm

➥ As reações que a matéria viva apresenta (no tropismo) indicam já ser capaz de perceber influências do meio ou as modificações que nela ocorrem, e de responder a elas, mas ainda por respostas totalmente incondicionadas.

➥ Há claramente (nos animais) certa acumulação da experiência vivida na existência individual, o que se revela pelo aparecimento das formas mais simples de reflexos condicionados.

  • Possivelmente os reflexos anteriores se tornam estas pre-condições
  • A vida se complexifica sobre si.
  • Este processo acumulativo vai seguindo até que haja uma mudança de qualidade no reflexo da vida sobre o mundo externo, é disto que surge a consciência.

➥ Instala-se agora (conforme o reflexo sobre o mundo externo se complexifica) definitivamente a consciência, porém com caráter não reflexivo. A complexidade do sistema nervoso cerebral permite a formação de representações a que se deve conceder a nota de subjetivas, mas estas não alcançam a idealidade, a abstratividade que as torne independentes das coisas a que se referem e capazes de subsistir por si, na condição de ideia.

  • Representações subjetivas ainda altamente atreladas ao objeto material ⟹ não são ideias stricto sensu.

➥ Não há ainda a possibilidade da representação destacar-se da coisa individual, presente aqui e agoa, e adquirir o estado de ideia abstrata, universal, válida como expressão da totalidade de seres semelhantes, de uma classe de objetos.

  • Superação do conhecimento para se tornar ideia ⟹ desvincula-se da imediatez da realidade para se tornar mediada pela consciência

➥ Apenas existe a possibilidade de um reflexo subjetivo ligado inseparavelmente ao objeto que no momento o produz, e que portanto forma com ele uma só unidade gnosiológica.

  • Unidade gnosiológica do objeto e seu reflexo subjetivo ⟹ contraditório ∴ superável!

O mecanismo de ideação: isto significa que em presença de uma situação concreta, o homem primitivo está dotado de suficiente capacidade abstrativa para produzir ideias gerais, que transcendem a situação, não estando mais ligadas materialmente ao objeto particular que as desperta.

  • Antes: a abstração era contida no objeto
  • Com a complexificação & generalização, o objeto está contido na abstração ⟹ o mundo é composto de ideias (em sua concepção)
  • Grande força motriz do pensamento materialista: tensão entre o objeto e seu reflexo no pensamento
    • ontológica (inalcançável) ⇔↻⇔ epistemológica (insuficiente)

➥ A representação torna-se mais complexa, não apenas porque se abstratiza, se destaca da conexão direta com o objeto singular existente no momento no campo perceptivo, mas porque surge a possibilidade da vinculação das ideias umas às outras, de modo a criar um "universo do juízo"; totalmente subjetivo onde as ideias estabelecem relações definidas entre si, que serão depois, quando aparecer a consciência de fato, os elos lógicos que o pensamento discursivo irá utilizar.

  • Propriedade emergente da estrutura
    • Ideias transcendem os objetos que inicialmente as continham
  • Assume uma certa ordem do desenvolvimento que não é argumentado; consciência é um objeto de análise complicado, nada claro; mesmo assim não perde generalidade.

➥ [...] o que dá à ideia um caráter distinto do que tinha até então, deixando de ser simples sinal subjetivo da coisa atualmente presente para se tornar estímulo interior capaz de engendrar, ou fazer lembrar, outra ideia.

  • cibernética

➥ A partir desta fase, a ideia passa a um degrau mais alto no seu processo [...]. Este trânsito estabelece um tipo qualitativamente novo de capacidade representativa da realidade. [...] Ao mesmo tempo operam-se as modificações orgânicas concomitantes a este desenvolvimento hominídeo [...].

  • Na análise das particularidades não podemos perder de vista o sistema universal
    • O desenvolvimento é combinado

➥ Todo esse conjunto de transformações orgânicas e psíquicas mostra o animal humano está se preparando para passar ao estado reflexivo, por efeito da complexidade crescente da organização do córtex cerebral.

  • Mostram, na verdade, que os passos ínfimos em direção da reflexão são adaptações favoráveis.


A (Auto)Consciência

➥ A consciência aparece [...] quando o animal humano começa a trabalhar sobre a natureza, em um ato de conjugação social de esforços. [...] permanecerá longo tempo vinculada ao mundo (não destacada!), no grau de circuito fechado, de caráter mecânico, de estímulo-resposta, no estado de simples reflexos incondicionados que [...] se vão complicando e transformando em reflexos condicionados, os quais [...] iniciarão um processo próprio de diferenciação por complexidade crescente.

  • É importante notar a dialética implícita na descrição do surgimento da consciência.
    • Partimos do destaque, que é o trabalho (racional), a capacidade do animal humano se diferenciar do que lhe produz (a natureza), e começar, em passos ínfimos, a se produzir, tornar-se sujeito à frente do que antes era si, mas agora é o outro: o objeto (natureza). A característica de sujeito confere ao ser humano a consciência, mas de que forma?
    • Notamos que esse destaque permite um acúmulo quantitativo de reflexos sobre a realidade, o conhecimento como propriedade do sujeito destacado, que vai alterando em qualidade ao acumular complexidade até o ponto de uma mudança qualitativa. Esta é a consciência! Não um reflexo específico, ou conjunto de reflexos, nem a complexidade crescente destes conhecimentos, mas o salto qualitativo que emerge da matéria conforme ela se especializa como sujeito, conforme ela se diferencia.
    • Não há nada de transcendental, a matéria está somente seguindo o caminho que faz sentido para seu "propósito" (aqui entendido como determinação estrutural da matéria e as implicações disto - leia-se pré-condições determinísticas). No caso do ser humano, este é um animal que busca sobreviver e tem as ferramentas de adaptabilidade ao seu alcance, tanto genéticas, como evoluiu até o ponto de humano, como, cada vez mais, as reflexões subjetivas sobre o mundo objetivo (por ter se destacado racionalmente).

➥ O que importa é compreender que a consciência humana, que irá ser fonte e o agente da criação científica, inclui-se na continuidade de um processo natural, participa dos traços essenciais que o definem, apenas se distinguindo pela complexidade que atingiu, sem necessitar reconhecer nenhuma origem transcendental, estranha às forças que impulsionam a série das transformações dos seres vivos.

  • As leis do surgimento do sujeito racional consciente não são transcendentais, mas seguem o processo do surgimento do ser, chegando a uma ruptura qualitativa, mas jamais negando abstratamente a qualidade que é sua gênese!

➥ [...] concomitante com o processo de domínio cada vez maior da natureza, o homem vai criando a si próprio, acelera o seu desenvolvimento como espécie biológica, cuja característica é o poder de produzir os bens que necessita. O homem se hominiza ao humanizar, pelo domínio, a natureza.

  • Auto-reflexo: perceptivo + criativo

➥ [...] pode ser chamada (outra fase do conhecimento) de saber, e se caracteriza pelo conhecimento reflexivo. [...]. Defini-se pelo surgimento da autoconsciência. O homem toma consciência de sua racionalidade, reconhece nela um traço distintivo, que o institui na qualidade de um ser [...] cultiva-a intencionalmente em si, na sua formação individual, e na espécie, ao estabelecer os modos de transmissão voluntária, socialmente organizada, educacional do conhecimento.

  • Auto-reflexo do auto-reflexo ⇋ Consciência da consciência
  • O auto-conhecimento permite que o homem empreenda-se em desenvolver e expandir suas competências gnosiológicas.

➥ O saber do homem se transmite pela educação e por isso é uma transmissão de caráter social.

  • Nota-se que a determinação mútua entre cultura & biologia tem grandes implicações
    • Um sistema nervoso plástico e adaptativo + tecnologia de transmissão e acúmulo!

➥ [...] apesar de existir já a autoconsciência do saber, é a fase em que o homem apenas sabe que sabe, mas não sabe ainda como chegou a saber. [...] o que supõe o caráter coletivo, social do conhecimento, agora constituído por progressiva acumulação histórica.

  • Saber a partir do que sabem

➥ Em toda sociedade, o momento do saber precede logicamente o do conhecimento científico, mas se entrelaça também com ele, de modo que mesmo nas condições sociais cultas atuais os dois se interpenetram [...].

  • Salienta-se o fenômeno do ser humano em sociedade se apropriae do conhecimento acumulado, isto é, "saber" sem saber
    • Meio de alienação capitalista
    • Não necessariamente negativo (pois a sociedade sabe por ele), porém necessário

➥ [...] organização metódica. [...] cria as primeiras explicações racionais do mundo.

  • Crença como forma da razão ⟹ conjunto de ferramenta lógico-conceituais ritualísticas e interpretativas da realidade ⟹ não necessariamente atreladas à realidade
  • A razão tem que ser pensada em função do tempo e auto-determinada

O Trabalho

➥ [...] a condição indispensável para realizar o domínio da natureza, que todo ser vivo tem de exercer sob a pena de deixar de existir, seja individualmente, seja como espécie, é que o ser vivo conheça o mundo, [...] no sentido latíssimo [...].

  • Existe uma tensão contínua na existência do ser vivo, isto é, a matéria destacada em sistema metabólico e reprodutivo. Para se manter funcionando e poder se replicar, o sistema tem que ir 'contra a corrente' entrópica, utilizando da termodinâmica para si, diferenciando-se do mundo, complexificando seu funcionamento conforme ganha maior controle de sua existência. Esta tensão proporciona a força motriz do desenvolvimento do conhecimento e trabalho sobre o mundo.

➥ De agora em diante será possível dizer que o ser humano adquire a sobrevivência pela ação deliberada sobre o mundo, em função da representação cada vez mais clara que dele vai adquirindo, ou seja, que se mostra competente para trabalhar. Interfere no processo e estabelece modos de atuação sobre o mundo que importam em produzir, embora em estágio inicial, os meios de subsistência de que necessita.

➥ Em vez de simplesmente utilizar os recursos que acha à mão, começa a tomar medidas para fazê-los intencionalmente aparecer [...]. Assistimos ao nascimento da economia. A capacidade de reagir ao mundo avança mais e manifesta-se na produção intencional de instrumentos, que se desenvolvem num processo próprio, [...], na direção hominizadora. [...] o homem começa a operar instrumentalmente sobre o mundo. [...] com o processo de domínio cada vez maior da natureza, o homem vai criando a si próprio [...].

  • Uma ação deliberada sobre o mundo pressupõe a compreensão avançada deste, como também da causalidade
    • Apropriar-se disso é tornar-se sujeito.

➥ Assistimos ao nascimento da economia. A capacidade de reagir ao mundo avança e manifesta-se na produção intencional de instrumentos [...]. [...] o homem começa a operar instrumentalmente sobre o mundo.

  • Tecnologia

➥ [...] constituirão o mundo material da cultura.

  • o acúmulo cultural requer tempo ⟹ ponto crítico: o ser humano pode superar-se ☞ nova fase!

A Ciência

Pesquisa Ciêntífica e suas Implicações

➥ A pesquisa tem de ser interpretada [...] com o emprego do conceito de totalidade, pois somente a partir da compreensão lógica oferecida por esta categoria se chegará a criar a teoria que explica com todos os aspectos a atividade investigadora do mundo.

  • O conceito de totalidade se refere ao uso da dialética para esclarecer o processo da realidade, em específico o conhecimento humano. A pesquisa só pode ser entendida utilizando da totalidade de como o conhecer aparece no universo, como ele funda um universo subjetivo de representações (ideias), e como se relaciona com o mundo objetivo que existe para além de si, porém o incluindo (materialismo).

Dialética e Lógica Dialética

➥ Vista por este segundo ângulo (o do investigador individual), é a parte que determina o todo.

  • Exemplo de determinismo contraditório, pois o todo determina a parte também.

➥ O pensamento dialético explica-nos que [...] não tem sentido perguntar pelo que logicamente vem primeiro, se o todo ou a parte, mas apenas indagar qual dessas categorias, na análise epistemológica, e sob que ângulo particular, tem primazia.

  • Desenvolvimento sobre a dialética ⇒ UDC: totalidade & unidade (universal & particular)
  • A análise epistemológica nos dá a noção de qual ângulo partir para a melhor análise, mas jamais pode ser enviezado ou dar preferência entre os conceitos de parte e todo, eles são abstrações da realidade total, um todo formado de partes e partes formando um todo, recíprocos e contraditórios.

➥ [...] ela (a lógica formal) se reconhece uma modalidade de conhecimento, ou seja o conhecimento das operações intelectuais que produzem conhecimento.

  • A lógica formal é necessária e produtora, porém limitada e determinada pela dialética, isto é, a dialética é generalizadora, por isso o uso da lógica dialética.
  • dialética: ferramenta de desfazer "nós lógicos"
    • cibernética e auto-determinação

"nos pensamos": a entrada no caminho da dialética , e o abandono das especulações metafísicas.

  • Entender o pensar como processo biológico, psicológico e social.

Marx: Lógica e Política. Tomo I, II e III, Ruy Fausto

Investigações para uma reconstituição do sentido da dialética

Editora brasiliense, 1983 (Tomo I); 1987 (Tomo II)

Editora 34, 2002 (Tomo III)

Leitura: Julho 2023/Setembro 2023 (pausada)

Introdução

A) Dialética marxista, humanismo, anti-humanismo, historicismo, antihistoricismo

B) A apresentação marxista da história

O Que É Dialética, Leandro Konder

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Editora brasiliense, 1981

Leitura: Agosto 2023

Este pequeno volume é um resumo muito valioso, não somente das ideias que compõe a dialética como também na elucidação de uma visão marxista sobre a realidade material. Recomendo-o imensamente para qualquer um que queira começar este tipo de leitura, tanto teórica quanto prática.

Os conceitos expostos neste livro serão organizados na seção Mas O Que É Essa Tal de Dialética acima!

Materialismo e Empirocriticismo, Vladimir Ilitch Ulianov

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Editorial Estampa, 1971

Título original: Materialisme et Empiriocriticisme (1908)

Leitura: Setembro – Outubro 2023

Este é um livro-polêmica no qual Lenine ataca certas ideias filosóficas de sua época, especificamente as de Mach e seus discipulos. Trata-se, em última instância, numa defesa do materialismo, e vou focar aqui em fazer um fichamento que colecione os posicionamentos sobre este último. É importante entendermos o que significa ser materialista e as implicações deste posicionamento filosófico quando tratamos do marxismo.

Existem diversas críticas a Lenine sobre este texto, como, por exemplo, que ele não é justo com os autores que ele critica. Além disso, é um texto bem debochado. Mesmo assim, podemos abstrair os problemas e colher os frutos úteis.

«» : significa citações diretas dos autores mencionados no texto

O Materialismo

➟ Constitui o materialismo filosófico: as sensações são «símbolos» das coisas (seria mais exacto dizer: imagens ou reflexos

➟ o materialista Friedrich Engels fala constantemente das coisas e das suas reproduções ou reflexos no pensamento:

«Mas donde é que o pensamento pode deduzir estes princípios? De si mesmo? Não... às formas do ser... estas formas de si mesmo, mas, precisamente e apenas do mundo exterior... Os princípios não são o ponto de partida da investigação mas o seu resultado final; não são aplicados à natureza e à história dos homens, mas abstracções destes; não é a natureza ou a humanidade que se condicionam aos princípios, pois os princípios só são verdadeiros na medida em que concordam com a natureza e com a História.»

➟O materialismo, de pleno acordo com as ciências naturais, considera a matéria como o dado primeiro, e a consciência, o pensamento, a sensação, como o dado segundo, porque a sensação não está ligada, na sua forma mais acabada senão às formas superiores da matéria (à matéria orgânica), e só pode supor, nas fundações do próprio edifício da matéria, a existência de uma propriedade análoga à sensação

Ernest Haeckel, Lloyd Morgan (biólogo), Diderot são mencionados

➟ O materialismo põe claramente esta questão ainda sem solução (sobre a existência de elementos que constituem os fenômenos), incitando, por isso mesmo à sua solução e novas investigações experimentais

Nota: é possível esse posicionamento sem reducionismo!

➟ Pensar a transformação da energia da excitação exterior num facto da consciência

Nota: dinâmica da existência

➟ A realidade existe fora do homem e independentemente dele. É esta a concepção materialista: a matéria suscita a sensação, agindo sobre os nossos órgãos dos sentidos. A matéria é o primordial. A sensibilidade, o pensamento, a consciência são os produtos mais elevados da matéria organizada de certa maneira.

➟ A tendência materialista consiste em atingir as sensações pelo universo exterior

Nota: acredito que uma posição emergentista é mais fértil nessa tarefa intelectual

➟ Realismo como termo empregado em oposição ao termo idealismo. O termo «realismo» foi adoptado pelos positivistas e também por outros confusionistas oscilantes entre o materialismo e idealismo.

Forma de explicar a reviravolta de certos filósofos contemporâneos de Lenine

➟ O que o materialismo afirma: que a natureza, o mundo exterior são independentes da consciência e das sensações do homem

➟ A matéria é primordial: o pensamento, a consciência, a sensibilidade são os produtos de uma evolução muito avançada. Tal é a teoria materialista do conhecimento.

➟ Reconhecer que o mundo exterior, refletido na nossa consciência, existe independentemente dela. Só esta solução materialista coincide efectivamente com os dados das ciências naturais e afasta a solução idealista da questão da causalidade.

➟ Materialismo de Feuerbach: «A natureza, que não é o objeto do homem ou da consciência é, bem entendido, para a filosofia especulativa, ou pelo menos, para o idealismo, uma coisa em sim no sentido que este termo tem em Kant, uma abstração desprovida de toda a realidade; mas é justamente a natureza que leva ao fracasso do idealismo. As ciências naturais, pelo menos no seu estado actual, conduzem-nos necessariamente a um ponto em que as condições para a natureza humana ainda não existam, em que a natureza, isto é, a Terra, ainda não era objeto de observação dos olhos e da inteligência humanos; sendo a natureza, por conseguinte, um ser absoluto estranho ao humano. A isto, o idealismo pode replicar: Mas esta natureza é uma natureza concebida por ti! Certamente, mas isso não significa que ela não tenha existido no tempo, como não significa que Sócrates e Platão, porque não existem para mim e só porque posso pensar neles não tenham tido uma existência real no seu tempo, sem mim».

➟ Materialismo de Engels + Feuerbach: «O pensamento e a consciência, diz Engels no Anti-Dühring, são produtos do cérebro humano». Encontramos no Ludwig Feuerbach a seguinte exposição das opiniões de Feuerbach e Engels: «O mundo material perceptível pelos sentidos e ao qual nós próprios pertencemos, é a única realidade», «a nossa consciência e o nosso pensamento, por muito transcendentes que pareçam, não são mais do que produtos de um órgão material, corporal, o cérebro. A matéria não é um produto do espírito, pois o próprio espírito não é senão o produto superior da matéria. Isto é, sem sombra de dúvida, puro materialismo».

➟ A eliminação do «dualismo do espírito e do corpo» pelo materialismo (ou seja, o monismo materialista) consiste em que o espírito, não tendo existência independente do corpo, é um fator secundário, uma função do cérebro, a imagem do mundo exterior.

➟ Engels declara, no seu Ludwig Feuerbach, que o materialismo e o idealismo são as correntes filosóficas fundamentais. O materialismo tem a natureza pelo fator primeiro e o espírito pelo fator segundo; o ser está no primeiro plano e o pensamento no segundo. O idealismo faz o contrário. «A questão fundamental de toda a filosofia», «a grande questão fundamental de toda a filosofia e, especialmente, da filosofia moderna» diz Engels, é a «relação do pensamento com o ser, do espírito com a natureza». Engels indica que esta questão filosófica fundamental «tem ainda um outro aspecto»: «que relação existirá entre nossas ideias acerca do mundo e o próprio mundo? O nosso pensamento estará em estado de conhecer o mundo real? Poderemos, nas nossas representações e concepções do mundo real, reproduzir uma imagem fiel da realidade?»

➟ Engels diz, clara e distintamente, que refuta a coisa em si inacessível de Kant. Engels diz, clara e distintamente, que se contrapõe ao mesmo tempo a Hume e Kant. Que há, pois, de comum entre esses dois filósofos? É que eles separam em princípio os «fenômenos» e as coisas representadas pelos fenômenos, a sensação e a coisa sentida, a coisa para nós e a «coisa em si».

Hume, aliás, não quer saber para nada da «coisa em si», considerando, de resto, a própria ideia como inadmissível em filosofia, pertencente à «metafísica».
Kant, ao contrário, admite a existência da «coisa em si», mas declara-a «incognoscível», diferente, em princípio, do fenômeno, respeitante a outro domínio, ao domínio do «além», inacessível ao saber, mas revelado pela fé.

➟ Impõe-se desde logo três importantes conclusões gnoseológicas:

1. As coisas existem independentemente da nossa consciência, independentemente das nossas sensações, fora de nós
2. Não há, nem pode haver diferença de princípio entre o fenômeno e a coisa em si. Não há diferença senão entre o que é conhecido e aquilo que não é ainda.
3. Na teoria do conhecimento, como em todos os outros domínios da ciência, é importante argumentar dialeticamente, isto é, não supor a nossa consciência imutável e completa, mas analisar como o conhecimento nasce da ignorância, como o conhecimento incompleto, impreciso se torna mais completo e mais preciso.
Nota: processo do conhecimento de AVP

➟ A única conclusão que daí tiram, inevitavelmente, todos os homens, na vida prática, e que o materialismo põe conscientemente na base de sua gnoseologia, é que existem fora de nós e independentemente de nós objetos, coisas, corpos e que as nossas sensações são imagens do mundo exterior.

➟ Segunda tese de Marx sobre Feuerbach:

«A questão de saber se o pensamento humano pode ter como resultado uma verdade objetiva, não é uma questão teórica, mas sim uma questão prática. É na prática, de resto, que o homem tem necessidade de provar a verdade, isto é, a realidade, o poder, o citerior do seu pensamento. A discussão travada sobre a realidade ou irrealidade do pensamento, isolada da prática, é puramente escolástica.»

➟ Todos os materialistas admitem a possibilidade de conhecer as coisas em si.

➟ Tese fundamental do materialismo: admissão dos objetos reais que existem fora de nós, aos quais «correspondem» as nossas representações. Assim, o materialista afirma a existência das coisas em si e a possibilidade de as conhecer.

➟ Desde o momento que utilizamos para nosso uso os objetos segundo as qualidades que percebemos neles, submetemos a uma prova infalível a exactidão ou a inexactidão das nossas percepções sensoriais. Se estas percepções são falsas, o uso do objeto que elas nos sugerem é falso, por conseguinte a nossa tentativa tem de fracassar. Mas se conseguimos atingir o nosso fim, e verificamos que o objeto corresponde à ideia que temos dele, adquirimos a prova positiva de que nossas percepções do objeto e das suas qualidades correspondem à realidade existente fora de nós.

➟ A teoria materialista, a teoria da reflexão dos objetos no pensamento, está aqui exposta com toda sua clareza: as coisas existem independentemente de nós. As nossas percepções e as nossas representações são as imagens. A verificação destas imagens, a distinção entre as imagens exatas e as imagens errôneas, é-nos fornecida pela prática. Seguindo Engels:

«... Quando fracassamos não estamos longe, regra geral, de descobrir a causa do nosso fracasso: verificamos que a percepção que servia de base à nossa tentativa era incompleta ou superficial ou estava ligada aos resultados de outras percepções de um modo que o estado de coisas não justifica. Assim como, frequentemente, temos o cuidado de educar e utilizar corretamente os nossos sentidos e restringir a nossa ação aos limites prescritos pelas nossas percepções corretamente obtidas e corretamente utilizadas, assim, frequentemente, concluiremos que o resultado da nossa ação mostra a conformidade das nossas percepções com a natureza objetiva dos objetos percebidos. Até o presente, não há um só exemplo, de que as nossas percepções sensoriais, cientificamente verificadas, engendrem no nosso espírito ideias acerca do mundo exterior que pela sua própria natureza em contradição com a realidade, ou que haja incompatibilidade imanente entre o mundo exterior e as percepções sensoriais que nos venham dele»

➟ A sensação é uma imagem subjetiva do mundo objetivo, do mundo an und für sich.

➟ A existência do que é refletido independentemente de quem reflete (a existência do mundo exterior da consciência) é o princípio fundamental do materialismo

➟ Certamente que a oposição entre a matéria e a consciência só tem significado absoluto em limites muito restritos: na conjuntura, unicamente nos da questão gnoseológica fundamental: Qual é aqui o primeiro e qual o segundo? Para além destes limites, a relatividade desta oposição não oferece qualquer dúvida.

➟ O materialismo é o reconhecimento das leis objetivas da natureza e do reflexo aproximadamente exato destas leis no cérebro do homem.

➟ A questão, verdadeiramente importante, da teoria do conhecimento, que divide as correntes filosóficas está em saber se a fonte do nosso conhecimento destas relações está nas leis objetivas da natureza ou nas propriedades do nosso espírito, na sua faculdade de conhecer determinadas verdades a priori, etc.

➟ Admitir a necessidade da natureza e concluir daí a necessidade do pensamento, é professar o materialismo.

➟ É o materialismo, é o reconhecimento da realidade objetiva do mundo exterior e das leis da natureza exterior, sendo este mundo e estas leis perfeitamente acessíveis ao conhecimento humano, mas sem poderem nunca ser conhecidos definitivamente.

➟ O materialismo diz que «a experiência socialmente organizada dos seres vivos» é um derivado da natureza física, o resultado dum longo desenvolvimento da natureza, desenvolvimento que começou numa época em que não havia e nem podia haver sociedade, nem organização, nem experiência, nem seres vivos.

➟ a única «propriedade» da matéria, que o materialismo filosófico admite, é a de ser uma realidade objetiva a de existir fora da nossa consciência.

➟ O que o materialismo afirma como imutável: na consciência humana (quando ela existe) reflete-se o mundo exterior existente e se desenvolve fora dela. Nenhuma outra «imutabilidade», nenhuma outra «essência», nenhuma «substância absoluta» existem para Marx e Engels. A «essência» das coisas oi a «substância» são também relativas; exprimem apenas o conhecimento humano cada vez mais profundos dos objetos, e, se ontem ainda este conhecimento não ia além do átomo e não ultrapassa, hoje, o eletrão ou o éter, o materialismo dialético insiste no caráter transitório, relativo, aproximativo, de todos estas balizas do conhecimento da natureza pela ciência humana que progride cada vez mais.

➟ O aspecto fundamental do materialismo é que toma por ponto de partida a objetividade da ciência, o reconhecimento da verdade objetiva refletida pela ciência.

«»

O Conhecimento, A Verdade, A Realidade

➟ Para Feuerbach, a «coisa em si» é uma «abstração provida de realidade»; quer dizer, é o mundo que existe fora de nós, perfeitamente conhecível e não diferindo, de maneira nenhuma, em princípio, do «fenômeno».

«Certamente que os produtos da imaginação são também produtos da natureza, porque o poder da imaginação, semelhante às outras forças humanas, é, em última análise, pela sua própria essência e origens, uma força da natureza;».«As representações que o homem faz de tudo que é da natureza são, portanto, também produtos da natureza, mas outros produtos que diferem dos objetos que representam».
Os objetos das nossas representações diferem destas representações, a coisa em si difere da coisa para nós, não sendo esta mais que uma parte ou um aspecto da primeira, como o ser humano não é mais que uma parcela refletida nas representações

➟ «O homem é o único objeto em que se realiza, «a identidade do sujeito e do objeto»; porque o homem é o objeto cuja igualdade e unidade com o meu ser não suscitam qualquer duvida»

➟ A transformação da «coisa em si» em fenômeno, em «coisa para nós» é justamente o conhecimento

➟ Duas questões (que Bogdanov confunde, de acordo com Lenine): 1. Existirá uma verdade objetiva, quer dizer: as representações humanas poderão ter um conteúdo independente do homem e da humanidade? 2. Se sim, as representações humanas que exprimem verdade objetiva poderão logo exprimi-la integralmente, sem restrições, absolutamente, ou apenas de maneira aproximada, relativa. Esta segunda questão é a da correlação entre a verdade absoluta e a verdade relativa.

➟ O ponto de vista do materialismo reconhece essencialmente a verdade objetiva

➟ Para o materialismo a matéria é, como tal, a realidade verdadeiramente objetiva

➟ Nós, materialistas, admitimos a realidade objetiva que nos é dada pela experiência, porque admitimos que as nossas sensações têm uma fonte objetiva independente do homem.

➟ Para o materialista, o mundo é mais rico, mais vivo e mais variado do que parece, sempre em progresso através da ciência que lhe vai descobrindo novos aspectos. Para o materialista, as nossas sensações são as imagens da única e última realidade objetiva.

➟ A matéria é uma categoria filosófica que serve para designar a realidade objetiva dada ao homem nas suas sensações, que a copiam, a fotografam, a refletem, e que existe independentemente das sensações.

➟ O materialismo toma por ponto de partida o mundo sensível, que ele considera como a última (ausgemachte) verdade objetiva

➟ Aplicar a dialética às relações entre a verdade absoluta e a verdade relativa

«A soberania do pensamento concretiza-se numa série de homens cujo pensamento é extremamente pouco soberano; o conhecimento que exerce um direito absoluto sobre a verdade, numa série de erros relativos; nem um nem outro» (nem o conhecimento absolutamente verdadeiro, nem o pensamento soberano) «podem ser realizados completamente senão através de um lapso de tempo infinito da vida da humanidade»
«Encontramos aqui, como já tínhamos encontrado atrás, a mesma contradição entre o caráter representado necessariamente como absoluto do pensamento humano e a sua actualização apenas nos indivíduos cujo pensamento é limitado, contradição que só se pode resolver pelo progresso infinito, pela sucessão praticamente ilimitada, das gerações humanas. Neste sentido, o pensamento humano tanto é soberano como não soberano e sua faculdade de conhecimento tanto é ilimitada quanto limitada. Soberano e ilimitado pela sua natureza (ou pela sua estrutura, Anlage), pela sua vocação, pelas suas possibilidades e pelo seu fim histórico final; não soberano e limitado pela sua execução individual e sua realidade singular»
«A verdade e o erro, como todas as determinações do pensamento que se movimentam em contradições polares, só tem valor absoluto para um campo extremamente limitado»

➟ Deste modo, o pensamento humano é, por sua natureza, capaz de nos dar e dá-nos efetivamente a verdade absoluta, que é afinal uma soma das verdades relativas. Cada fase do desenvolvimento das ciências integra novas parcelas desta soma de verdade absoluta, mas os limites da verdade de qualquer proposição científica são relativos, ora ampliados, ora restringidos, à medida que as ciências progridem.

➟ Não há, para o materialismo dialético, uma linha de demarcação insuperável entre a verdade relativa e a verdade absoluta. Do ponto de vista do materialismo moderno, os limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação à verdade objetiva, absoluta, são historicamente relativos, mas a própria existência desta verdade é certa como é certo que nos aproximamos dela. O que é certo é que qualquer descoberta é um progresso do «conhecimento objetivo absoluto».

➟ Não é uma questão da natureza imutável das coisas nem de uma consciência imutável, mas da correspondência entre a consciência que reflete a natureza e a natureza refletida pela consciência.

➟ Vimos Marx, em 1845, e Engels, em 1888 e 1892, fundar a teoria materialista do conhecimento no critério da prática.

«O resultado da nossa ação demonstra a correspondência (Übereinstimmung) das nossas percepções com a natureza objetiva dos objetos percebidos.»

➟ O ponto de vista da vida, da prática, deve ser o ponto de vista primeiro, fundamental, da teoria do conhecimento.

É evidente que não se deve esquecer que o critério da prática nunca pode, no fundo, confirmar ou refutar completamente uma representação humana, qualquer que seja. Este critério é, de igual modo, bastante «vago» para não permitir que os conhecimentos do homem se tornem um «absoluto»; é, por outro lado, bastante determinado para permitir uma luta implacável contra todas as variedades do idealismo e do agnosticismo.

➟ O universo é um movimento da matéria, regido por leis, e o nosso conhecimento, como produto superior da natureza, pode tão somente refletir estas leis.

➟ O pensamento do homem é «econômico» quando reflete exatamente a verdade objetiva: a prática, a experiência, a indústria fornecem então o critério da sua exatidão.

➟ «A unidade real do mundo consiste na sua materialidade, e isto prova-se não com alguns passes de prestigiador, mas por um longo e laborioso desenvolvimento da filosofia e da ciência da natureza» (Engels)

➟ Reconhecendo a existência da realidade objetiva, isto é, da matéria em movimento, independentemente da nossa consciência, o materialismo é inevitavelmente levado a reconhecer também a realidade objetiva do espaço e do tempo.

«O espaço e o tempo, diz Feuerbach, não são simples formas dos fenômenos, mas condições essenciais... da existência»
O espaço e o tempo são formas objetivas e reais da existência, e não simples formas dos fenômenos. O universo não é senão matéria em movimento, e esta matéria em movimento não pode movimentar-se senão no espaço e no tempo. As ideias humanas acerca do espaço e do tempo são relativas, mas a soma destas ideias relativas dão a verdade absoluta: estas ideias relativas tendem, no seu desenvolvimento, para a verdade absoluta e aproximam-se dela.

➟ Não se trata de fazer negar a Engels a necessidade e o alcance científico das pesquisas sobre as modificações e a evolução dos nossos conceitos de tempo e de espaço; trata-se de resolver, com espírito consequente, o problema gnoseológico, isto é, o das fontes e do valor de todo conhecimento humano em geral.

as nossas concepções de tempo e de espaço refletem, no curso do seu desenvolvimento, o tempo e o espaço objetivamente reais, aproximando-se aqui, como em geral, da verdade objetiva.

➟ Se as sensações de tempo e de espaço podem dar ao homem uma orientação biologicamente útil, é exclusivamente na condição de refletirem a realidade objetiva exterior ao homem: o homem não se poderia adaptar biologicamente ao meio, se suas sensações não lhe dessem uma representação objetivamente exata.

➟ Porque os materialistas, vendo no mundo real, na matéria que percebemos, uma realidade objetiva, têm o direito de concluir que, quaisquer que sejam as fantasias humanas e os fins que procuram são irreais se saem dos limites do espaço e do tempo.

➟ Dissociar a doutrina de Engels sobre a realidade objetiva do tempo e do espaço da sua teoria da transformação das «coisas em si» em «coisas para nós», do seu reconhecimento da verdade objetiva e absoluta, ou, mais precisamente, na realidade objetiva que nos é dada na sensação – dissociá-la do seu reconhecimento das leis naturais, da causalidade e da necessidade objetivas, é fazer um picado de uma filosofia que é uma só peça.

➟ Isto não quer dizer que as nossas representações de tempo e de espaço não se modifiquem em cem anos, que uma quantidade enorme de fatos novos não sejam recolhidos sobre o desenvolvimento destas representações.

A nossa «experiência» e o nosso conhecimento adaptam-se cada vez mais ao espaço e ao tempo objetivos, refletindo-os cada vez com mais exatidão e profundidade.

➟ Embora não conheçamos esta necessidade sabemos que ela existe. Donde nos vem, pois, este conhecimento? Vem precisamente donde nos vem o conhecimento das coisas que existem fora da nossa consciência e independentemente desta, quer dizer: da evolução dos nossos conhecimentos, que mostrou milhões de vezes ao homem que a ignorância dá lugar ao saber quando o objeto age sobre os órgãos dos sentidos, ao contrário, a ciência torna-se ignorância quando a possibilidade desta ação é afastada.

➟ Em Engels, a vida prática do homem irrompe na própria teoria do conhecimento, fornecendo um critério objetivo da verdade: enquanto ignoramos uma lei da natureza, esta lei, que existe e age sem se saber, fora do nosso conhecimento, faz de nós escravos da «necessidade cega». Mas, desde que a conheçamos, esta lei, que age independentemente da nossa vontade e da nossa consciência, torna-nos senhores da natureza. O domínio da natureza, realizado na prática humana, é o resultado de uma representação objetivamente fiel, no espírito humano, dos fenômenos e dos processos naturais; e é esta a melhor prova que tal representação (nos limites que nos ensina a prática) é uma verdade eterna, objetiva e absoluta.

➟ «A teoria materialista do conhecimento, diz J. Dietzgen, leva a verificar que o órgão humano do conhecimento não emite nenhuma luz metafísica, mas é uma parcela da natureza que reflete outras parcelas da natureza». «A faculdade de conhecer não é uma fonte sobrenatural da verdade, mas um instrumento-espelho que reflete os objetos do mundo ou a natureza».

➟ o materialismo dialético insiste sobre o caráter aproximativo, relativo, de qualquer proposição científica concernente à estrutura da matéria e às suas propriedades; sobre a ausência, na natureza, de linhas de demarcação absolutas.

➟ Que a verdade absoluta resulta da soma das verdades relativas em vias de desenvolvimento; que as verdades relativas sejam reflexos de um objeto independente da humanidade; que estes reflexos se tornem cada vez mais exatos; que cada verdade científica contenha, apesar da sua relatividade, um elemento de verdade absoluta.

«»

Dialética e UDCs

| causalidade & necessidade

➟ A dialética integra como um dos seus momentos, o relativismo, a negação, o cepticismo, mas não se adapta ao relativismo. A dialética materialista de Marx e de Engels inclui, sem dúvida, o relativismo, mas só até certo ponto; isto é, admite a relatividade de todos os nossos conhecimentos, não absolutamente no sentido da negação da verdade objetiva, mas no sentido da relatividade histórica dos limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação a esta verdade.

➟ A teoria materialista do conhecimento acerca a questão da causalidade

Feuerbach admite, na natureza, as leis objetivas, a causalidade objetiva, que não se reflete nas ideias humanas sobre a ordem, as leis, etc., senão com uma exatidão aproximada. O reconhecimento das leis objetivas da natureza está, para Feuerbach, indissoluvelmente ligada ao reconhecimento da realidade objetiva do mundo exterior, dos objetos, dos corpos, das coisas refletidas pela nossa consciência. --> Materialismo consequente.
«A ordem, o objetivo, a lei são apenas palavras com o auxílio das quais o homem traduz, na sua linguagem, para compreender, as coisas da natureza; estas palavras não são destituídas nem de sentido nem de conteúdo objetivo; devemos inclusivamente distinguir entre o original e a tradução. A ordem, o objetivo, a lei são, no sentido humano, expressões de qualquer coisa de arbitrário.
«O teísmo conclui diretamente do caráter fortuito da ordem, do objetivo e das leis da natureza a sua origem arbitrária, a existência de um ser diferente da natureza, que traz ordem, o objetivo e a lei à natureza caótica em si mesma, estranha a qualquer determinação. O espírito dos teístas divide a natureza em dois seres, um material e outro formal ou espiritual.»
Engels não admitia qualquer dúvida sobre a existência das leis da causalidade e da necessidade objetivas da natureza
«Para conhecer estes pormenores» (ou as particularidades do quadro de conjunto dos fenômenos universais),«somos obrigados a desligá-los do seu encadeamento natural ou histórico e estudá-los separadamente, nas suas qualidades, suas causas e seus efeitos particulares»
Engels sublinha particularmente a concepção dialética da causa e do efeito:
«Causa e efeito são representações que não valem, como tais, senão aplicadas a um caso particular, mas, desde que consideramos este caso particular na sua conexão geral com o conjunto do mundo, estas representações baseiam-se e resolvem-se e vista da interdependência universal, onde causas e efeitos variam continuamente, onde o que era efeito agora ou aqui se torna causa noutro lado ou depois, e vice-versa»
Assim, o conceito humano da causa e do efeito simplifica sempre um pouco as relações objetivas dos fenômenos da natureza, que reflete tão-somente por aproximação, isolando artificialmente tal ou tal aspecto de um processo universal único.
Lemos também no seu Ludwig Feuerbach:
As «leis gerais do movimento, tanto do mundo exterior como do pensamento humano», são «idênticas no fundo, mas diferentes na sua expressão no sentido em que o cérebro humano pode aplicá-las conscientemente, enquanto que, na natureza, e até agora, frequentemente, na história humana, abrem inconscientemente o seu caminho. sob a forma de necessidades exteriores no seio de uma série infinita de acasos aparentes»
O reconhecimento das leis da causalidade e da necessidade objetivas na natureza é muito claramente expressa por Engels, que, aliás, sublinha o caráter relativo dos nossos reflexos humanos, aproximados, destas leis em tais ou tais noções.
A concepção materialista do mundo, exposta por J. Dietzgen, afirma que as «relações de causalidade» estão contidas «nas próprias coisas».
«As ciências naturais investigam as causas, não fora dos fenômenos, nem além dos fenômenos, mas neles ou por eles».
«As causas são produtos de uma faculdade de pensar. Mas não são produtos puros: nascem da união desta faculdade com os materiais fornecidos pela sensibilidade que dão à causa assim engendrada uma existência objetiva. Do mesmo modo que exigimos que a verdade corresponda a um fenomeno objetivo, também exigimos que a causa seja real, que seja a causa do efeito objetivamente dado».
«A causa de uma coisa é a sua relação».

| liberdade & necessidade

➟ O alcance gnoseológico da argumentação de Engels sobre a liberdade e a necessidade

Engels diz: «Hegel foi o primeiro a representar exatamente a relação da liberdade e da necessidade. Para ele a liberdade é a intelecção da necessidade. «A necessidade só é cega na medida em que não é compreendida». A liberdade não está numa independência ilusória em relação às leis da natureza, mas no conhecimento destas leis e na possibilidade dada por aquela em pô-las a funcionar metodicamente para fins determinados. Isto não é tão verdade para as leis da natureza exterior como para as que regem a existência física e psíquica do próprio homem, – duas classes de leis que podemos separar quando muito na representação, mas não na realidade. A liberdade da vontade não significa, portanto, outra coisa senão a faculdade de decidir com o conhecimento de causa. Deste modo, quanto mais o julgamento de um homem é livre acerca duma questão determinada, maior é a necessidade que determina o conteúdo desse julgamento... A liberdade consiste, por exterior, fundado no conhecimento das necessidades naturais...»
Engels reconhece, desde o início as leis da natureza, as leis do mundo exterior, a necessidade da natureza.
Engels considera o conhecimento e a vontade do homem, por um lado, as leis necessárias da natureza, pelo outro, e, abstendo-se de qualquer definição, verifica simplesmente que as leis necessárias da natureza constituem o elemento primordial, a vontade e o conhecimento humanos o elemento secundário.
Engels não duvida da existência da «necessidade cega». Admite a existência da necessidade não conhecida pelo homem. A identidade completa da argumentação de Engels sobre o conhecimento da natureza objetiva das coisas e sobre a transformação da «coisa em si» em «coisa para nós», por um lado, e da sua argumentação sobre a necessidade cega, não ainda conhecida, pelo outro. O desenvolvimento da consciência e o dos conhecimentos coletivos da humanidade mostram-nos, a cada passo, a «coisa em si», desconhecida, que se transforma depois em «coisa para nós», conhecida, e a necessidade cega, desconhecida, a «necessidade em si», transformando-se em «necessidade para nós», conhecida.

➟ Marx e Engels dedicaram, portanto, muito naturalmente, uma atenção lata, não à repetição do que já tinha sido dito, mas ao desenvolvimento teórico sério do materialismo à sua aplicação à História, isto é, ao acabamento até à cumieira do edifício da filosofia materialista. Limitaram-se, muito naturalmente, no domínio da gnoseologia, a corrigir os erros de Feuerbach, a ridicularizar as banalidades do materialista Dühring, a criticar os erros de Büchner, a sublinhar que o que faltava, sobretudo, aos escritores mais populares e mais escutados pelos meios operários, era a dialética. «»

A Estrutura das Revoluções Científicas, Thomas S. Kuhn

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Editora Perspectiva, 1989

Título original: The Structure of Scientific Revolutions

Leitura: Setembro/Outubro 2023

Neste livro, o autor apresentará uma outra forma de enxergar a história da ciência, que quebra com a tradição que o precedia. O autor busca criar uma visão filosófica da ciência que leva em conta certos paradigmas e revoluções científicas. Ele busca uma história que é mais que uma cronologia, ou seja, uma ordenação de descobertas e avanços acumulativos, buscando entende cada momento da ciência em sua totalidade racional contextualizada pela cultura científica então presente. Seu argumento sobre esse novo entendimento é que os sistemas de crença passados surgem dos mesmos processos cognitivos e intelectuais que aparecem na ciência contemporânea: uma tentativa de dar uma imagem racional ao mundo e seus fenômenos.

Isto requer uma nova perspectiva historiográfica e filosófica nos estudos das ciências, algo empreendido de diversas formas por diversos autores: Kuhn, Popper, Labatos, Lauden, Feyerabend, Chang, Toulunin. Este empenho passa por diversos níveis da produção científica como a estrutura de teorias, dinâmica de teorias, explicação científica, concepções do progresso científico, concepções de racionalidade científica, mecanismos de justificação epistêmica e relações interteóricas, por exemplo.


Introdução: Um Papel Para a História

Kuhn nos diz que "historiadores estão encontrando mais e mais dificuldades para preencher as funções que lhes são prescritas pelo conceito de desenvolvimento por acumulação", reconhecendo que um processo quantitativo não serve para explicar os processos qualitativos, ou de mudança qualitativa, dentro da ciência. Há uma necessidade de mudança de problemática: "Cada vez mais alguns deles suspeitam que esses simplesmente não são os tipos de questões a serem levantadas".

Dando continuidade para a prática científica, chegamos a diferenças similares e similaridades diferentes entre as ciências de épocas distintas, no entanto "Se essas crenças obsoletas devem ser chamadas de mitos, então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de método e mantidos pelas mesmas razões que hoje conduzem ao conhecimento científico.

Esse estudo propõe contribuir à uma revolução historiográfica em andamento, a que "Em vez de procurar as contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para nossa perspectiva privilegiada (ver anacronismo), eles procuram apresentar a integridade histórica daquela ciência, a partir de sua própria época.


1. A ROTA PARA A CIÊNCIA NORMAL

Ciência normal é "a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas". Isto é, a ciência em sua história, já posta e com seus fundamentos estabelecidos, pelo menos temporariamente. O autor não utiliza dos conceitos dialéticos que auxiliariam com esta exposição. De qualquer forma, Kuhn mostra diversos exemplos de trabalhos que foram capazes de "definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores de praticantes de ciência". A forma com a qual isto ocorre é porque "Suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários afastando-os de outras formas de atividade científica dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência".

Essas duas características acima são o que definem os paradigmas. Estes tem a capacidade dupla de serem núcleos de concentração do esforço científico em volta de uma interpretação específica dos fenômenos, enquanto ainda proporcionam a capacidade de avanços e descobertas científicas. Os paradigmas estão intimamente relacionados com as ditas 'ciências normais'. O aluno que busca entrar no e atribuir ao estudo de uma dessas ciências, inicialmente estuda o paradigma, o que lhe prepara para ser membro de uma comunidade acadêmica específica. Uma vez que este se torna atuante nessa área de pesquisa, raramente existem desacordos nos pontos fundamentais, pois trata-se de pessoas que "aprenderam as bases de deu campo de estudos a partir dos mesmos modelos concretos".


2. A NATUREZA DA CIÊNCIA NORMAL

Neste capítulo, Kuhn irá elucidar seus conceitos de ciência normal, o que necessita também da caracterização do que a particulariza: o paradigma. Primeiro, faz-se a distinção entre o que poderia se entender como um paradigma absoluto quando, na verdade, ele é sempre limitado na sua aplicação, ou seja, ele requer e permite avanço da ciência normal que 'paragmetiza'. Mesmo assim, ele é útil aos cientistas, com os quais adquire status, porque é de outra qualidade que as outras ideias competidoras. O paradigma é mais bem sucedido na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como grave. Sob análise faustiana com seu reflexo de sujeito, pode-se dizer que o sucesso é... paradigma. Neste caso, o paradigma aparece como pressuposto refletido no sujeito. No entanto, como dito por Kuhn, ele ainda resolve problemas, ou seja, seu sucesso é posto e ele põe-se como ciência normal. Em prática, entender a realidade da forma que o paradigma dita, a sua problemática ou forma de problematizar o mundo, se mostra fértil cientificamente. O paradigma apresenta-se relevante, e demonstra ter verdade em sua essência. A verdade em si é uma função epistêmica, relativa aos cientistas que se deparam com a ciência de sua época. De qualquer maneira, aceita e desenvolvida por estes. A ciência normal, fruto do paradigma que permite o sucesso cientifico, é estabelecida.

Nota-se que o paradigma, em si limitado pela seu surgimento histórico e permissivo de avanços, também oferece limites por sua vez. Os cientistas engajados numa ciencia normal ocupa-se com operações de limpeza, de forçar a natureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente inflexíveis. Conforme o conceito de Vieira de intencionalidade, a ciência está inerte, sem o objetivo de descobrir novos fenômenos da matéria mas dirigida ao estudo dos fenômenos previstos pelo paradigma e suas teorias fornecidas. Seguindo Vieira ainda, a ciência se torna contraditória ao negar a essência de sua própria gênese. O paradigma, que inicialmente aparece como novo e bem sucedido, impõe limites ao descobrimento do novo e à análise de fenômenos inéditos. Kuhn define isto como um possível defeito, quando na verdade, é somente o movimento de gênese e estabelecimento de uma nova ciência normal. Ele nos lembra, essencialmente, que o paradigma permite a concentração de esforços sob uma parcela de natureza com profundidade e detalhe imprescindível para o progresso científico. Ao mesmo tempo, passando pela pré-história e história da ciência normal rapidamente, ele chega no começo de sua pós-história: a ciência normal possuí um relaxamento interno das restrições que limitam a pesquisa. Seu sucesso é posto e depois negado, durante o intervalo no qual foi bem sucedido, ele proporcionou soluções aos problemas relevantes e, ao se tornar negável, pelo menos partes dessas realizações sempre demonstra-se permanente. A ciência é negada porém permanece afirmada. A ciencia inerte pode entrar em crise, contextualizada pelo suposto sucesso medido na métrica de sua época. Há Aufhebung.

Servindo de pivot conceitual, o paradigma exerce sua influência sobre os problemas da ciência normal, isto é, com o que a ciência se ocupa. Kuhn prevê três focos centrais. Existem as atividades de coleta de fatos da ciência normal, composta do aprofundamento nas classes relevantes ao paradigma, da confirmação dos fenômenos previstos pelo paradigma, e do trabalho empírico para articular a teoria do paradigma. Outra parte do trabalho teórico normal usa a teoria existente para prever informações fatuais de trabalho intrínseco na produção baseada na ciência. Tal qual os outros focos, são manipulações da teoria que podem ser verificadas diretamente na prática ao serem encontradas nos pontos de contato entre a teoria e a natureza. Eles se tornam, assim, a possibilidade de confirmação epistêmica e teste da teoria para com a realidade. Para Kuhl, também existem problemas teóricos relacionados com a articulação do paradigma, nos quais a forma do paradigma pode ser rearticulada para servir melhor sua função. É necessário entender o mecanismo pelo qual isso ocorre: as cientistas que concebem as experiencias para distinguir as teorias são as mesmas que elaboram as versões a serem comparadas. A teoria se testa por meio da cientista. O paradigma se revela também como objeto da ciência normal que define.


3. A CIÊNCIA NORMAL COMO RESOLUÇÃO DE QUEBRA-CABEÇAS

Kuhn nos diz que há um reduzido interesse em produzir grandes novidades, tanto em conceitos quanto em fenômenos. Existe uma margem estreita de resultados esperados que, quando não obtidos, são considerados um fracasso do cientista e não um fenômeno inédito da natureza a ser integrado ao paradigma. Dentro da lógica posta pelo paradigma, aquilo que foge do esperado são simples fatos, sem relação e conexão com o progresso contínuo da pesquisa – eles fazem parte do progresso descontínuo da ciência. Até mesmo o projeto cujo objetivo é a articulação de um paradigma não visa produzir uma novidade inesperada. Na realidade, a pesquisa normal produz resultados que são úteis pois contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado. Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o antecipado de uma nova maneira. Dentro de um paradigma, a maneira de alcançar resultados antecipados permanece problemática e a atividade da ciência normal é elucidar essas particularidades incongruentes paradigmáticas. Isso requer a solução de todo tipo de complexos quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos.

Quebra-cabeça indica aquela categoria particular de problemas que servem para testar nossa engenhosidade ou habilidade de resolução de problemas. O desafio apresentado pelo quebra-cabeça constitui uma parte importante da motivação do cientista para o trabalho. O critério para um quebra-cabeça é a certeza que este possuí solução. Para Kuhn, a ciência normal se ocupa com problemas solucionáveis, cujos resultados não precisam ser intrinsicamente importantes ou interessantes. Conforme uma comunidade científica adquire um paradigma, esta adquire também um critério de escolha de problemas dorados de uma solução possível enquanto este paradigma reinar sobre a pesquisa. Esses serão os problemas sobre os quais haverão esforços de resolução enquanto os problemas não problematizados pelo paradigma serão rejeitados como metafísicos ou como sendo parte de outra disciplina. Os praticantes da ciência normal, de acordo com o autor, se concentram sobre problemas que somente a sua falta de engenho pode impedir de resolver, o que explica o progresso tão rápido – o foco. Ao buscar o que atraí a pessoa à ciência, Kuhn chega às razões de desejar ser útil, da excitação advinda da exploração de um novo território, da esperança de encontrar ordem e do impulso para testar o conhecimento estabelecido. São essas motivações que auxiliam a determinação de problemas particulares.

Quebra-cabeças, além de terem uma solução, devem também obedecer regras que limitam as soluções aceitáveis e os passos para obtê-las, um paralelismo importante para Kuhn entre eles e os problemas da ciência normal. Aqui, "regra" tem que ser entendida amplamente como um "ponto de vista estabelecido" ou "concepção prévia", desta forma os problemas acessíveis a uma determinada tradição de pesquisa apresentam características similares às dos quebra-cabeças, seguindo regras que governam a solução. Nota-se como isso se dá na observação: aquilo observado tem que ter uma significação – a teoria precede o experimento. Antes de se tornarem medida de alguma coisa, é necessário relacionar o dado a uma teoria que prediga o comportamento do sistema. Depois que essa relação é estabelecida, o equipamento é reorganizado para que os resultados experimentais possam ser correlacionados sem equívocos com a teoria. Restrições semelhantes ligam as soluções admissíveis aos problemas teóricos.

O estudo das tradições da ciência normal revela outras regras adicionais que proporcionam informações a respeito dos compromissos que os cientistas derivam de seus paradigmas, por exemplo os enunciados explícitos das leis, conceitos e teorias científicos. Esses formam o limite da problemática de um certo paradigma: auxiliam na formulação de quebra cabeças e suas soluções aceitáveis. Num nível inferior, o compromisso com certos tipos de instrumentos e como usá-los constitui compromissos relativos que também proporcionam regras do jogo para o cientista. Existem também compromissos de nível mais elevados (quase metafísico), como a ontologia e seu efeito na explicação, isto é, que espécies de entidades o Universo contém e não contém, indicando, no plano metodológico, como devem ser as leis definitivas e as explicações fundamentais. Também existem os compromissos que caracterizam o cientista enquanto tal. Aqui, Kuhn idealiza o espírito cientista.

A existência dessa rede de compromissos é o que relaciona a ciência normal à resolução de quebra cabeças: os problemas propostos e as soluções pensáveis – a problemática do paradigma. Esses compromissos proporcionam regras que lhe revelam a natureza do mundo e de sua ciência. A metaciência da ciência normal, para Kuhn está nos quebra-cabeças e regras que esclarecem a prática científica paradigmatizada. É bom lembrar que os paradigmas podem dirigir a pesquisa mesmo na ausência de regras – visão científica do mundo.


4. A PRIORIDADE DOS PARADIGMAS

Este capítulo se ocupa com a relação existente entre regras, paradigmas e a ciência normal, especificamente no trabalho do historiador que isola pontos específicos de compromissos descritos no capítulo anterior. A investigação histórica de uma determinada especialidade num determinado momento revela um conjunto de ilustrações recorrentes de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação – essas são os paradigmas da comunidade.

Conceptos y teorías en la ciencia, Jesus Mosterín (Cap 8 e 10)

Capítulo 8: História Y Teoria Abstracta

O autor começa distinguindo entre história e teoria. Para ele, toda teoria é matemática e a história toma um sentido mais amplo, que não precisa ser humana ou temporal. Esses conceitos estão presentes na ciência: toda ciência tem um componente histórico e outro teórico. Cada um desses conceitos distintos estão ocupados de partes distintas caracterizadoras da ciência, A história lida com sistemas, ou um conjunto bem delimitado de objetos junto com suas propriedades, posições e interrelações bem definidas entre si. Já a teoria lida com estruturas, aqui referindo-se à certas características comuns a diversos sistemas - padrões entre diferentes sistemas. Uma estrutura é assim mais abstrato que um sistema, podendo se dizer que a estrutura é a forma dos sistemas, com um mesmo sistema podendo ter várias estruturas, a depender de quais características são relevantes à divisão.

A história é aquilo que se ocupa com o particular. Esta ampla noção é empregada para dizer que qualquer dado ou informação de um sistema contribuí à sua história. A história total de um sistema seria uma descrição total do sistema. Em toda ciência há o estudo de particulares, assim, se estabelece que toda ciência lida com sua história. O autor adiciona que a maior parte do trabalho do cientista pode ser resumido a estabelecer a história de um sistema, de recolher dados históricos e enunciar hipóteses históricas enquanto este trata de descrever a realidade. Já a teoria trata daquilo que é geral, a descrição de uma estrutura abstrata. São com estas abstrações que pode se definir algo com independência de qualquer realidade.

A realidade, total por natureza, tem que ser delimitada por nós para ser compreensível. É assim que obtemos os sistemas específicos com os quais a ciência lida. Para se definir um sistema, indica-se o conjunto de coisas das quais se vai falar (que constituem o universo do sistema) assim como também as relações entre essas coisas. Ao fazer essa delimitação, o autor está permitindo a descrição de uma parcela da realidade, pois somente assim ela pode ser estudada, articulando ela de alguma maneira e decidindo quais aspectos do total são relevantes e serão considerados. Nota-se que é possível definir sobre um mesmo universo (um mesmo conjunto das mesmas coisas) diferentes sistemas ao se considerar diferentes relações entre os elementos como relevante. É por isso que se pode ter uma descrição biológica, física e química de um mesmo corpo, por exemplo. O sistema pode ser homogêneo ou heterogêneo, caso seja composto por um ou mais universos, respectivamente. Falando na linguagem de conjuntos, um sistema homogêneo tem somente uma classe de objetos e suas relações, enquanto um sistema heterogêneo tem diversas classes e interações entre si. No entanto, nota-se que com a operação de união, pode-se tornar um sistema heterogêneo num sistema homogêneo, afinal, fazer com que uma parcela da realidade constitua um sistema homogêneo ou heterogêneo não depende da realidade, mas de nosso modo convencional de descrevê-la.

Mosterín aciona seu conceito de história ao propor que a totalidade de ideias verdadeiras sobre um sistema constitui a verdadeira e completa história desse sistema, isto é, tudo que poderíamos descrever dos objetos e relações relevantes de uma certa parcela da realidade. Contudo, nosso acesso a essa história é sempre limitada, e temos, na verdade, uma historia parcial. Além disso e com frequência, não temos certeza da veracidade de todas nossas ideias sobre um sistema, e portanto a história se torna hipotética e parcial. Uma vez delimitado o sistema, o pedaço de realidade considerado a partir de uma perspectiva específica, a veracidade da história depende deste, pois é ciência com vocação de verdade objetiva. A história pode utilizar de ideias complexas, fazer generalizações desde que se trate de ideias construídas a partir de conceitos correspondentes aos universos e entidades distinguidas do sistema em questão – a história não pode fugir de si mesma.

Tratar de teoria e estruturas significa um salto qualitativo de análise, que leva em conta teoremas e conceptores (neologismo) ao invés de ideias e conceitos, respectivamente. Para caracterizar uma estrutura realizada em sistemas distintos, o autor argumenta que é necessário um procedimento que descreva a estrutura independentemente dos sistemas que supostamente a realizam. Isso requer a abstração de sistemas diferentes numa estrutura com o uso de conceptores, ou núcleos que de algum modo permitem pensar diversos conceitos que unificam sistemas em algo comum: sua estrutura. A combinação destes conceptores criam teoremas. Quando substituímos os conceptores por conceitos concretos de algum sistema e os teoremas se tornam ideias, a teoria se transforma em história. Neste caso, a confirmação é histórica, ela pode ser verdadeiramente representada pela teoria, pela forma que foi abstraída, e podemos dizer que o sistema tem uma certa estrutura.

O autor propõe que, se um sistema é um modelo de uma teoria, isto é, se realiza a estrutura correspondente, podemos obter ideias verdadeiras sobre o sistema a partir de sua estrutura. Desta forma, é possível definir uma estrutura em abstrato, sem precisar especificar todos os sistemas que a realizam, mas ainda voltar ao material e descrever a realidade histórica. Esta afirmação, que um certo sistema empírico possuí una certa estrutura é sempre uma hipótese histórica, susceptível à refutação, ao contrário da teoria, cuja validez é completamente definida pela relação lógica de seus axiomas que constituem a definição da estrutura.

Toda teoria é matemática. Mosterín diz que definir uma estrutura é o mesmo que formular sua teoria. Isto é independentemente da realidade empírica do mundo, depende somente dos conceptores e teoremas, é matemático pois a matemática pode ser definida como a ciência das estruturas e neste sentido toda teoria é matemática. A ciência empírica se ocupa com sistemas reais do mundo que nos rodeiam, estudados pela história. Podemos crer que esses sistemas são modelos de alguma teoria, mas se descobre-se que não são, precisamos mudar de estrutura para descrever aquela parcela da realidade. A teoria se demonstra como somente um instrumento para iluminar a história. O que nos interessa em primeiro lugar é o mundo perceptivo que nos rodeia e, em segundo lugar, nossa descrição simbólica deste, sua história parcial e hipotética. Nunca poderemos estar completamente certos que um certo sistema tem uma estrutura específica, porém só podemos fazer teorias de estruturas e só podemos estar certos das estruturas. Esta interrelação define muito bem a relação do ser humano com a ciência e seu objeto, a realidade. Precisamos criar estruturas para interpretar teóricamente o outro lado do trabalho científico, a produção da história dos sistemas sendo estudados. No entanto, essa história é sempre parcial e hipotética e sua correspondência com uma estrutura pode se demonstrar falsa. As estruturas são somente esquemas projetivos nas nossas cabeças, somente a história lida com a realidade e portanto é tão insegura.

Mosterín finaliza dizendo que graças às teorias conseguimos introduzir ordem conceitual no caos do mundo confuso e sem forma. Fornecemos à história instrumentos de extrapolação e explicação, entendemos e dominamos o mundo, mesmo que com um entendimento e um domínio sempre inseguro e problemático.

Capítulo 10: Sobre el Concepto de Modelo

Neste capítulo, o autor clarifica a ideia de modelo. Podemos considerar a analogia feita por Ferrater e expandida por Mosterín entre pinturas e modelos: o pintor x pinta a pintura y que representa o modelo z, isto é, existe uma diferença entre a pintura e o modelo que neste caso se assemelha mais ao objeto que está sendo pintado. As teorias podem ser entendidas nesses termos como uma pintura sem similaridade pictórica, mas ainda representativa. O cientista, ainda na analogia, é o pintor que constrói a teoria que descreve uma determinada parcela da realidade. Assim, podemos partir para a análise do conceito de modelo de uma teoria.

O objeto de investigação científica não é um indivíduo, mas sim um sistema. Aqui sistema leva o significado proposto por Mosterín acima, um conjunto de coisas e suas relações entre si, elucidadas pela história deste sistema. O sistema é uma entidade completa formada por diversos elementos e as funções entre esses elementos. O estudo científico de um modelo busca elaborar uma teoria do sistema, esquemas que permitam a descrição o funcionamento desse sistema assim como sua evolução no tempo. Quando o sistema funciona conforme sua descrição teórica, diz-se que esse sistema é um modelo ou realização da teoria. O autor ainda desenvolve que teorias variam em alcance, e pode-se ter até uma teoria que lida com classes de sistemas. De qualquer forma, procuramos as aplicações desses sistemas. É importante notar que Mosterín não descreve em detalhes a ideia de aplicabilidade, que vem sempre acompanhada de um nível de precisão aceitável.

O autor nota que uma teoria elaborada para um sistema específico, pode ter também outros modelos. Isto é, a teoria é aplicável a diferentes modelos, existe o descobrimento de outros sistemas em que ela se cumpre. Trazendo o conceito de ciência normal de Kuhn, podemos observar que uma das tarefas da comunidade científica formada em torno de uma teoria que serve como paradigma é a busca de aplicações em outros sistemas, para além de seus modelos paradigmáticos. Entre si, esses modelos tem uma estrutura em comum que é caracterizada pela teoria. A estrutura, também definida acima pelo autor, pode ser considerada intencionalmente como aquilo em comum entre os modelos de uma teoria, como também extencionalmente como a classe e todos os modelos da teoria.

Passando para a teoria de modelos, podemos usar as ideias de similaridade e isomorfismo. Dois sistemas são similares se tiverem o mesmo número de relações e se cada relação em um sistema é correspondente à outra relação no outro sistema com a mesma paridade. Dois sistemas similares são isomorfos se seus universos tem a mesma quantidade de indivíduos com as mesmas relações entre si. Dada uma teoria com certos predicados, podemos relacioná-los às relações de um sistema. Especificamente, um teorema pode ser interpretado sobre um sistema supondo-se que as variáveis se referem aos elementos deste sistema e que os predicados do teorema se referem às relações do sistema. Se todos os teoremas da teoria se aplicam a um sistema, dizemos que este sistema é um modelo dessa teoria, enquanto se algum teorema se demonstra falso, o sistema não é um modelo. Percebe-se que sistemas isomorfos são modelos das mesmas teorias – o isomorfismo serve para estabelecer a diferença entre teorias categóricas (cujos modelos são isomorfos entre si) e teorias polimorfas (que tem modelos que não são isomorfos). Desta forma, e aqui aparece a dialética, uma teoria determina a classe de seus modelos e um sistema determina a classe de todas as teorias de qual é um modelo.

Mosterín adverte na necessidade de especificar o que significa modelo. De acordo com ele, a palavra toma significados opostos na linguagem comum. Quando opomos modelos às teorias, isto é, modelo enquanto um sistema em que se cumpre o que é posto pela teoria, obtemos uma significação melhor determinada e aquela estudada pela teoria de modelos. O que se entende como um 'modelo de um sistema', quer dizer, na verdade, a teoria que tem como um modelo aquele sistema, no sentido explicado acima.

Por fim, lidamos com a situação de querer construir uma teoria para um sistema complicado e pouco conhecido. Podemos tomar um caminho indireto de descrição teórica e focar num sistema mais simples e melhor conhecido que tenha características similares e que intuitivamente nos pareçam relevantes. Assim, podemos construir uma teoria que seja efetiva na descrição do sistema simples para depois aplicá-la ao sistema complexo. Se obtivermos sucesso, dizemos que o sistema simples serve como modelo do sistema complexo. Neste caso, ambos sistemas são modelos da mesma teoria e possuem propriedades estruturais em comum. Nota-se que servir de modelo de é diferente de ser modelo de.

Um Discurso Sobre As Ciências, Boaventura de Sousa Santos

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Edições Afrontamento, 1987

Leitura: Outubro 2023

A tese principal do autor é que o paradigma dominante, ou modelo de racionalidade, das ciências passa por um período de transição no fim do século XX em direção de um novo paradigma. Pessoalmente, eu discordo do que ele traz como paradigma emergente ou novo, mas sua caracterização do paradigma hegemônico e da crise deste são de enorme uso para um cientista. Quarenta anos após sua escrita, percebemos que o desenvolvimento da ciência não segue os caminhos de negação abstrata pós-moderna, conforme Santos pensava, mas sim os moldes neoliberais de produção progressista rasa. Desta forma, a crise pontuada neste livro segue vigente, estendida nas contradições de uma ciência sem autoconsciência que não se supera (aufhebung) de fato, mas coexiste com os problemas que supostamente deveria ser utilizada para resolver. Assim, este livro é muito útil para termos uma visão crítica da ciência contemporânea, porém pouco útil na resolução de suas crises que são, em última instância, sociais, isto é, estruturais.

Começamos, então, pela forma com a qual Santos trata o fim do século XX. Diversas contradições são trazidas: os avanços inéditos recentes (últimos 30 anos) são contrapostos com suas origens científicas num passado distante (século XVIII - primeiras décadas do século XX); o século XXI, por causa de avanços tecnológicos, começa antes de começar, mas ao mesmo tempo, catástrofes também põe o perigo que termine antes de começar. É nesse contexto que podemos falar de um período de transição, "síncrone com muita coisa que está além ou aquém dele, mas descompassado em relação a tudo que o habita". O autor então traz uma reflexão rousseauniana, feita também no início desta fase (aqui parafraseadas): qual a contribuição das ciências? Qual a relação do saber científico e o fosso entre teoria e prática? Essas perguntas eram centrais num período de transição do esoterismo da prática científica (suposto) e sua centralização como nódulo de transformação técnica e social. Em um novo período de transição, de um paradigma a outro, surgem essas perguntas novamente.

Podemos agora falar de um paradigma científico dominante, que começa a se estabelecer com a revolução científica do século XVI. É importante notar que este modelo é totalitário, isto é, policia o caráter racional de todas as formas de conhecimento, partindo de seus pressupostos epistemológicos e regras metodológicas. Santos traça a consciência filosófica deste modelo global de racionalidade científica a Bacon e Descartes. As suas principais características são a luta contra todas as formas de dogmatismo e autoridade, a desconfiança sistemática da experiência imediata, a total separação entre a natureza e o ser humano e o objetivo de conhecer a natureza para dominá-la. Desta forma, o conhecimento científico avança pela observação sistemática e rigorosa dos fenômenos naturais. Dentro do contexto desses pressupostos, as ideias que presidem à observação são claras e simples e, a partir delas, pode-se ascender um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza.

A matemática também um lugar central nas ciências modernas, nas quais conhecer significa quantificar. Desta forma, critica o autor, as qualidades intrínsecas do objeto são desqualificadas. O método científico também se assenta na redução da complexidade. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que foi separado. A divisão primordial é aquela entre 'condições iniciais' e 'leis da natureza', sobre a qual se assenta toda a ciência moderna. Assim, obtemos um conhecimento causal que aspira à formulação de leis com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos. A invariância destas leis é outro aspecto central, isto é, posição absoluta e tempo absoluto nunca são condições relevantes. Santos nota que o conceito de causalidade é uma forma privilegiada da causa formal aristotélica que foca em como as coisas funcionam em detrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas, havendo uma expulsão da intenção.

O pressuposto metateórico da ciência moderna é, portanto, a ordem e a estabilidade do mundo. O mundo é visto como uma máquina cujas operações são inteligíveis por meio das leis e condições iniciais. Chegamos então na hipótese universal do mecanicismo. O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido pela sua capacidade de dominar e transformar o mundo. Lembre-mos que essas ideias, que constituem o conceito de progresso, surgem a partir do século XVIII e que é o grande sinal da ascensão da burguesia. A ordem e estabilidade do mundo são a pré-condição da transformação tecnológica do real. Esse horizonte cognitivo também se vira ao plano social, pautando o estudo da sociedade.

Falemos agora dos sinais de crise que aparecem sobre o paradigma. O próprio aprofundamento alcançado pelas ciências modernas ditam seu fim, pois demonstram a fragilidade dos pilares nos quais ela se funda.

Crítica

Enquanto Santos caracteriza bem o conteúdo das ciências modernas, desenvolvendo uma caricatura válida do paradigma regente, este é o fim da profundidade do texto. Contrapondo à imagem do paradigma emergente que o autor propõe, podemos trazer AVP e a dialética. Os caminhos da ciência moderna a levam a sua própria superação (Aufhebung) ao proporcionarem as teorias e coleção histórica que demonstram cientificamente a aparência da realidade. Desta forma, o paradigma dominante, que é mecanicista, quantitativo, e sistematizador, chega em sua negação dialética. Procurando o novo paradigma que se ergue, precisamos entender a realidade em seu movimento, o que requer a dialética. AVP demonstra que o conhecimento percorre o movimento dialético de desenvolvimento e podemos estender estas noções à epistemologia.

Entendamos a autoconsciência proporcionada pela análise científica da ciência. A ciência progride de forma metodológica, criticamente lidando com os limites de seus próprios métodos e procurando maior aprofundamento na realidade. Ao mesmo tempo seu objeto é alterado com sua própria análise – o inquérito científico sobre algo proporciona novos dados e informações que podem transfigurar o objeto estudado radicalmente. Isto fica claro conforme refletimos sobre o progresso das noções ontológicas e funcionais do universo. The proof is in the pudding. Disso, se torna importante notar que é por meio da prática que as questões científicas são comprovadas. Seja em experimentos ou, mais generalizadamente, na praxis do ser humano sobre o mundo, percebe-se maior controle e previsões aproximadas dos fenômenos. Lembremos que a praxis está embutida na ciência, a pesquisa metodológica sobre a realidade que usa da realidade como régua verídica. Assim, por meio de praxis para com a realidade, a ciência se transforma continuamente, chegando ao fim a utilidade dos paradigmas formais e rígidos herdados da revolução científica. Podemos também dizer que nesse momento de crise de paradigma, surge a autoconsciência científica.

Refletindo sobre si, sobre o conhecimento ou estatuto gnoseológico do pensamento, a ciência supera seus limites mais uma vez, desta vez epistemologicamente. O observador absoluto é colocado em xeque, o determinismo é questionado, as partes não parecem compor um todo. Relativiza-se estes conceitos chaves de forma que a ciência precisa se entender como investigadora do mundo e as contradições presentes nesta posição. É necessário superar a imagem comum e enxergar a realidade como ela é: contraditória. Daqui, podemos pautar um paradigma verdadeiramente emergente. Todo conhecimento é um conhecimento humano. Mesmo nas ciências naturais, que tem como seu objeto a natureza, seu determinante é o conhecimento que o ser humano tem, sempre partindo do conhecido para avançar sobre o conhecível, eternamente reduzindo o não-conhecido. Esse é o movimento de humanização da natureza e da produção do ser humano de si mesmo dentro de um universo dado a priori. Trazendo a discussão para Marx (via Vázquez), podemos enxergar a unificação das ciências naturais e das ciências humanas, no sentido dialético. Há unidade entre o ser humano e a natureza, este sendo um ser natural que faz parte da natureza e esta é ser humano em seu conhecimento. Sem cair em antropologização absoluta, lembremos do materialismo que põe o universo como ente existente aquém e além do ser humano, além de cognoscível pela praxis. O novo paradigma que surge é aquele que põe o ser humano em relação prática com a natureza, posição que é contraditória e elucidada pelas leis dialéticas. A natureza tem estatuto ontológico antes do ser humano, mas, ao se tornar conhecida, se torna humanizada. Neste contexto, o desenvolvimento da produção da praxis produtiva (aqui entendida no seu contexto de produção científica), não passa de uma crescente humanização da natureza e, por conseguinte, humanização do ser humano.

Desta forma, chegando ao final da critica, podemos colocar uma ciência autoconsciente, que se percebe enquanto investigadora contraditória da realidade. Ao buscar objetos na realidade independentes do homem (nas ciências naturais), produz um conhecimento altamente humano e humanizador quando colocado em prática. O conhecimento sempre tem caráter antropológico. O avanço gnoseológico em busca da ontologia 'real' do universo é sempre a própria produção do ser humano enquanto ser que conhece, dentro da realidade preexistente que ele objetiva. É somente na relação alienada entre o ser humano e a natureza que existe a divisão entre as ciências naturais e humanas. Em sua totalidade, o homem e, portanto, seu conhecimento, existem em unidade. Para além disso, conforme dito acima, existe a unidade do próprio ser humano e a natureza. Essa unidade não se dá formalmente, conforme coloca Souza, mas, na verdade, dialeticamente, em negação e superação eterna. O ser humano e sua ciência existem na margem do conhecido, sempre utilizando daquilo que foi apropriado da realidade por meio da humanização ou conhecimento humanizado para avançar no movimento da realidade. Este é o paradigma que ascende conforme a razão formal posta pela revolução cientifica chega em sua autosuperação. A autoconsciência da ciência determina esse novo paradigma, que aceita sua própria superação eterna no movimento dialético do existir e que põe o ser humano e a natureza, existentes em unidade contraditória, centralmente. A ciência se reconhece enquanto ferramenta de transformação do mundo por meio da compreensão da realidade, somente assim progride.

A Ciência como Atividade Humana, George F. Kneller (leitura atual)

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Zahar Editores, 1980

Título original: Science as a Human Endeavor (1978)

Leitura: Outubro 2023 – atual

Esse é um livro meio perdido, que busca dar totalidade para a ciência sem considerar criticamente a ideia de totalidade e particularidade, ou seja, sem a lógica dialética. Mesmo assim, serve como exposição de certas considerações importantes para elucidar a consciência crítica-transitiva do cientista sobre a ciência.

O autor traz as reflexões de diversos filósofos da ciência (quasi-)contemporâneos para examinar suas posições, como Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, Maxwell e Gutting.

Para mim, a frase mais importante do livro (emprestada de outro autor) é:

A Ciência, diz Maxwell, é guiada pela pressuposição metafísica que o universo é inteligível

Discursaremos um pouco sobre o significado, implicações e contrapontos a esta proposição.

Ciencia Y Revolución, Adolfo Sánchez Vázquez (leitura atual)

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El marxismo de Althusser

Alianza Editorial, 1978

Leitura: Outubro 2023 – atual

Filosofia da Praxis, Adolfo Sánchez Vázquez

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Paz e Terra, 1977

Título original: Filosofia de la praxis (1967)

Leitura: Outubro/Novembro 2023

Este livro faz uma análise minuciosa tanto da origem da praxis na filosofia marxista, traçando sua gênese dialética no idealismo de Hegel e no materialismo vulgar de Feuerbach, como nas especificidades filosóficas de diversas formas de praxis. O autor põe muita ênfase na praxis revolucionária, propondo categorias para a compreensão desta enquanto ação transformadora da sociedade.

Introdução

Praxis, em grego antigo, significa uma ação para levar a cabo algo, mas uma ação que tem seu fim em si mesma e que não cria um objeto alheio ao agente ou a sua atividade. Poiésis, por sua vez, se refere à ação que cria um objeto exterior ao sujeito e a seus atos. O autor, no entanto, por causa da relação entre poiésis e poético, prefere utilizar (ressignificar) o termo praxis para designar a atividade humana que produz objetos, sem se relacionar com o caráter estritamente utilitário que o termo prático tem na linguagem comum.

O marxismo é a filosofia que se concebe não só como interpretação do mundo, mas como guia de transformação do mundo. A concepção marxista de da praxis é uma superação dialética tanto do materialismo tradicional (vulgar ou metafísico) quanto do idealismo, o que implica que ambos contribuem com o surgimento do marxismo. Existe, portanto, uma contribuição fundamental do idealismo com respeito à praxis, porquanto este é uma filosofia da praxis, embora ela apareça mistificada e de modo abstrato. A superação da praxis idealista (de Hegel) é obtida ao revelar-se teoricamente o que a praxis é pelo materialismo, tornando possível a passagem da teoria à prática com unidade entre as duas. Enquanto a consciência filosófica idealista mostra a essência da praxis mistificada, esta já é uma superação do ponto-de-vista imediato. Não basta o retorno à consciência comum, mas sim uma ascensão da perspectiva mistificada a um ponto-de-vista objetivo, científico, a respeito da atividade prática do ser humano. Isto remete a Lenin, quando este diz "sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário", demonstrando que a visão espontânea ou instintiva da consciência comum (ou ingênua) do proletariado precisa ser superada (suplantada teoricamente), para que haja mudança estrutural na sociedade.

A praxis, na consciência ingênua, existe à margem de toda teoria, mesmo enquanto imbricada à perspectiva ideológica determinada social e historicamente. Portanto, a praxis sempre carrega uma bagagem teórica, mesmo se esta não é reconhecida. Isto revela uma carência de sentido da ação transformadora do ser humano que, enquanto ser cognoscente, é capaz de refletir e aprimorar a sua própria ação no mundo. A consciência comum de praxis tem que ser superada para que o ser humano possa transformar criadoramente a realidade – somente uma cosnciência filosófica (crítica-transitiva) da praxis permite que ela alcance esse nível criador. Para o ser humano prático, a significação prática das coisas, isto é, como elas podem ser usadas por ele para satisfazerem suas necessidades, é apresentada como imanente – independentes dos atos humanos. Trata-se de um mundo de coisas e significações em si. O objeto prático fica, assim, separado do sujeito, não deixando evidente seu lado subjetivo (humano). Desta forma, reduz-se o prático ao prático-utilitário e o mundo do prático é posto em oposição ao ser humano. Esta visão utilitária tem diversas implicações políticas, por exemplo, mantendo o ser humano comum, de consciência ingênua no mundo do apoliticismo, algo útil para as classes dominante e exploradoras. Para este, a prática se demonstra auto-suficiente, não exige atividade teórica e não oferece caráter problemático. É uma visão irreflexiva da ação do ser humano sobre a realidade. Há neste ser humano uma consciência de praxis espontânea e irreflexiva, inseparável de uma determinada estrutura social que fixa os limites do cotidiano. Isto não significa um ser humano com atividade instintiva ou mecânica, já que a intervenção de sua consciência é necessária, mas, ao que se refere à concepção de praxis, esta é limitada pela sua caracterização de utilitária, individual e ateórica.

Não é possível perceber, com esta consciência ingênua de praxis, sua dimensão antropológica, gnoseológica e social, nem como os atos práticos do ser humano ditam seu processo de auto-produção – como contribuem para escrever a história deste. A verdadeira significação humana dos objetos (sua produção e utilidade para este) só pode ser apreendida por uma consciência que capte o conteúdo da praxis em sua totalidade: como praxis histórica e social, a auto-criação do ser humano por si, mediado pelo mundo de objetos que este significa e dos quais se apropria. Essa consciência (crítica-transitiva) se aperfeiçoa ao longo da história do pensamento humano, condicionado pela história do ser humano como ser ativo e prático, culminando na consiência filosófica que capta sua verdade (nunca absoluta) – com o marxismo (a filosofia da praxis). Ela só é alcançada históricamente, numa fase histórica determinada, quando a própria atividade prática material do ser humano requer uma verdadeira consciência filosófica da praxis. Só pode ser obtida quando ja amadureceram, também e em conjunto com a atividade material, as premissas teóricas necessárias.

Entremos então, num esboço histórico da consciência filosófica da praxis. Na Antiguidade grega, a filosofia repelia o mundo prático, já que não enxergava-se nada além de seu caráter prático-utilitário. A atividade prática material era considerada indigna dos homens livres enquanto exaltava-se a atividade contemplativa, intelectual. Os gregos separavam a teoria da prática, era necessária toda isenção de qualquer atividade prática material. A ideia que o homem se faz a si mesmo e se eleva enquanto ser humano através da atividade prática era alheia ao pensamento grego. Vejamos Platão e Aristóteles. Com Platão, a vida contemplativa adquire primariza e um estatuto metafísico. Viver é contemplar. A vida plena é alcançada mediante a libertação em relação ao mundo empírico que obstaculiza essa contemplação de ideias perfeitas, imutáveis e eternas. Platão isola assim a teoria da atividade prática. Aristóteles compartilha estas ideias ao dizer que a vida teórica como vida na qual o homem age tendo por objetivo o que é ótimo por si mesmo é mais humana, mais verdadeira e mais virtuosa. Desta forma, a teoria basta a si mesma, sem precisar se aplicar ou subordinar à prática. O trabalho físico, na Grécia Antiga, era deixado a cargo de escravos e por isso, era desprezada.

Na política, contudo, se via a legitimidade da prática, isto é, da praxis política. Platão entende que, nesse contexto, a teoria se torna prática enquanto a primeira se ajusta plenamente à segunda, cumprindo sua função social, política. Mesmo assim, a teoria recebe primariza, ela se impõe sobre a prática não dependendo da praxis em retorno – é uma relação unilateral. Desta forma, existe praxis política, mas esta é sempre uma aplicação dos princípios absolutos traçados pela teoria – a unidade entre prática e teoria se torna a diluição daquela nesta. Aristóteles também admite a legitimidade da praxis política, porém pensa que a unidade da prática e da teoria é impraticável. Ele entende que é necessário levar em conta as exigências da vida real, sem se guiar por princípios absolutos teóricos. Elas existem em planos diferentes, sendo que a praxis política tem sua própria razão, a razão prática, encontrada num nível inferior.

Já a atividade material produtiva fica separada da teoria, não fazendo parte da essência humana. O ser humano é visto como um ser racional e teórico por natureza. Esta concepção faz parte da ideologia dominante, correspondendo às condições sociais da cidade antiga, nas quais o modo de produção escravista e a suficiência de mão-de-obra servil que satisfazia as necessidades práticas, fazem com que se ignore o valor do trabalho humano. Se leva em conta somente o produto, que conta não pela atividade subjetiva que materializa, mas por seu valor de uso, especialmente. Isso significa que o objeto produzido é avaliado na medida que é útil para o outro, não seu produtor, separado do sujeito que o produz. As relações entre a atividade teórica e prática obtém, assim, caráter antagônico uma com a outra, com uma superioridade do espiritual sobre o material. A divisão social do trabalho divorcia a contemplação e a ação, levando à exaltação do ser humano como ser teórico. A consciência filosófica da praxis na sociedade escravista antiga corresponde aos interesses da classe dominante: era uma concepção negativa entre a teoria e a atividade prática produtiva – ignorava e repelia a praxis material produtiva. Existiram aqueles que discordavam dessa separação e inferiorização da prática, porém, as condições de vida material da Grécia Antiga, determinaram uma ruptura entre a ciência e a prática que truncou o próprio progresso técnico, bloqueando social e ideologicamente ele assim como qualquer atitude positiva sobre o trabalho.

No Renascimento, a consciência filosófica da praxis sofre uma mudança, na qual o ser humano, para além de ser teórico, é também construtor e criador do mundo. O ser humano é ente de razão e também de vontade: a razão permite que ele entenda a natureza e sua vontade, iluminada pela razão, permite-o dominá-la. O conhecimento científico agora coloca-se a serviço da produção capitalista e, por sua vez, é impulsionado por esta.

Fontes Filosóficas Fundamentais para o Estudo da Praxis

Alguns Problemas Filosóficos em Relação à Praxis

Consciência e Realidade Nacional; Álvaro Vieira Pinto (leitura atual)

Ministério da Educação e Cultura, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1960

Leitura: Novembro 2023 – atual

Esta é uma obra de extrema importância para a produção filosófica brasileira. Por mais que cometa erros nacionalistas, dando ênfase desnecessária para o conceito de nação, esses dois livros de AVP proporcionam uma verdadeira reflexão sobre o estado do Brasil em meados do século XX apontando para a saída emancipatória filosófica da consciência, uma consciência crítica que se entende enquanto transformadora do mundo e cuja totalidade reflete o estado do Estado.

Introdução

A consciência tem o potencial de ser o instrumento eficaz da aceleração das transformações em curso do processo da realidade brasileira.

A Consciência Ingênua

A Consciência Crítica

Logica Dialectica; Pável Vassílyevitch Kopnin (leitura atual)

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Editorial Grijalbo, S. A., 1966

Título Original: Dialektika Kak Logika

Leitura: Novembro 2023 – atual

"El libro ha sido escrito pensando en científicos, catedráticos, estudiantes y propagandistas que se ocupan de problemas de la filosofía marxista-leninista relacionados con la teoría del conocimiento, la lógica, la dialéctica y la lógica dialéctica."

Introdução

O livro aparece numa época em que se discutia e prestava-se atenção nos problemas da lógica dialética. Kopnin pontua que problemas concretos apareceram dessas discussões. Além disso o desenvolvimento científico, em particular nas ciências naturais, exige um estudo mais profundo dos problemas da lógica dialética. O autor critica autores estrangeiros que dependem da lógica formal (mesmo na forma de um novo aparato) em suas tentativas de resolver os problemas das ciências modernas, até aqueles postos ante a filosofia. Não se nega que o aparelho de lógica formal se aperfeiçoou e que esse desenvolvimento contribuí ao progresso da ciência, porém isso é apenas um aspecto da questão. Na verdade, na visão de Kopnin, o desenvolvimento das ciências modernas é um problema da dialética, já que esta é a teoria do conhecimento e a lógica daquela. Saber como, através de que formas chega o pensamento aos resultados que proporcionam a verdade objetiva (o que é verdade objetiva? Ver MEc!) é o problema que a ciência põe à lógica, e este é um problema dialético! Estamos falando de um método científico para a generalização filosófica dos resultados das ciências naturais! A elaboração da lógica dialética passa por problemas concretos o sistema dela em seu conjunto, com complicações agudas pois é difícil entender o lugar da lógica dialética no sistema geral ao mesmo tempo que é impossível elucidar a significação dos problemas e seu lugar na ciência sem haver posto de maneira clara o conteúdo dela (problemática do autor). Esta obra propõe estar orientada de acordo com a resolução dos problemas da lógica dialética e se diferencia por como põe os problemas e os resolve. O objetivo é contribuirá para o esclarecimento e discussão dos problemas da lógica dialética (meta-problemática!).

Dialética Materialista como Método de Conhecimento

1 - ⟪La Dialectica Materialista Como Ciencia⟫

1.1 La dialéctica materialista es la ciencia de las leyes más generales del desarrollo de la naturaleza, la sociedad y el pensamiento humano

Como qualquer ciência, a filosofia deve refletir as leis de desenvolvimento do mundo objetivo, não em imagens sensoriais e concretas, mas em um sistema de abstrações que reproduzam o concreto na razão. Reproduzir o concreto na razão por meio de abstrações. No período em que as ciências se fragmentam e que a cada uma é designado um objeto específico de estudo, muitos consideram que elas abarcam em seu conjunto todos nossos conhecimentos do mundo. Por isso, uma ciência especial sobre o mundo em conjunto se torna, aparentemente, supérflua. Daí que surgem as diversas concepções positivistas considerando a filosofia superada – supostamente, não havia a necessidade da filosofia como a ciência das ciências. Qual é, então, o verdadeiro objeto da filosofia?. As diversas ciências naturais e sociais liberaram a filosofia da necessidade de estudar as leis particulares que presidem a evolução dos fenômenos da natureza e da sociedade. O marxismo emancipa a filosofia de suas estruturas especulativas. Seu objeto passa a ser, então, o estudo das leis mais gerais do movimento – os clássicos do marxismo-leninismo definem sua filosofia como a ciência que estuda as leis mais gerais do movimento da natureza, da sociedade e do pensamento humano. A missão da filosofia se reduz, em última instância, a descobrir as leis gerais do movimento que predominam tanto na natureza quanto na história da sociedade humana e no pensamento.

"La dialéctica no es más que la ciencia de las leyes generales del movimiento y la evolución de la naturaleza, la sociedad humana y el pensamiento" – F. Engels

1.2 Coincidencia de la dialéctica, la lógica y la teoria del conocimiento

A identidade da dialética, da lógica e da teoria do conhecimento e seu desenvolvimento ocupam um lugar central na herança filosófica leninista.

O defeito orgânico do kantismo não é a identificação a filosofia com a teoria do conhecimento, mas que reduz a teoria do conhecimento ao estudo das formas de atividade subjetiva. Kant, com sua teoria do conhecimento, não pretendia generalizar os resultados deste processo a fim de esclarecer o conteúdo objetivo do saber e por manifestas as leis objetivas que presidem o desenvolvimento dos fenômenos da realidade. Para Hegel, as leis do mundo objetivo são iguais às leis da lógica, mas no reino da outra existência do pensamento, na natureza. O problema das relações entre as leis do pensamento e do mundo objetivo pode ser resolvida corretamente pelo princípio do reflexo, se se põe explicitamente a dialética das relações entre o pensar e o ser.

A filosofia marxista supera o divórcio existente entre a ontologia e a gnoseologia sobre uma base materialista: a teoria do reflexo. A filosofia marxista parte de que o conhecimento é um reflexo dos fenômenos do mundo exterior e das leis de seu movimento na consciência do ser humano. Se é assim, a dialética subjetiva (o desenvolvimento do nosso pensamento) não é mais que um reflexo da dialética objetiva (o desenvolvimento do mundo objetivo) e as leis do pensamento são o reflexo das leis da natureza. [Definições importantes!]

"En la teoria del conocimiento, como todos los otros dominios de las ciencias, hay que razonar dialécticamente, o sea, no suponer jamás a nuestro conocimiento acabado e invariable, sino analizar el processo gracias al cual el conocimiento nace de la ignorancia o gracias al cual el conocimiento incompleto e inexacto llega a ser conocimiento más completo y más exacto." "El conocimiento es una aproximación eterna, infinita, del pensamiento al objeto. El reflejo de la naturaleza en la mente humana no debe considerarse como algo «muerto», «abstracto», sin movimiento, sin contradicciones. sino como un proceso dinámico permanente, de aparición de contradicciones y de su resolución." – V. I. Lenin

Assim, o reflexo da natureza na consciência do ser humano não é algo estático, uma cópia sem vida da realidade, mas sim um processo de aprofundamento na essência das coisas(-em-si). A dialética, compreendida como processo de reflexo(!) permite conhecer mais profundamente a unidade entre as leis do pensamento e do ser. É necessário esclarecer o papel da prática no reflexo da realidade. O marxismo demonstra que a base mais essencial e imediata do pensamento humano é a modificação da natureza pelo ser humano: a prática (praxis). A coincidência entre as leis do pensar e do ser constituí a base da coincidência entre o conteúdo da dialética, da lógica e da teoria do conhecimento. O objeto da dialética tem que ser considerado partindo de um ponto de vista histórico, investigando e generalizando as origens e desenvolvimento do conhecimento o trânsito do não-conhecimento ao conhecimento. Lembre-mos que a dialética é real:

"Nosotros retornamos a las posiciones materialistas y volvimos a ver en los conceptos de nuestro cerebro las imágenes de objetos reales, en vez de considerar a éstos como imágenes de tal o cual fase del concepto absoluto. Con esto la dialéctica quedaba reducida a la ciencia de las leyes generales del movimiento tanto del mundo exterior, como del pensamiento humano: dos series de leyes idénticas en cuanto a la cosa, pero distintas en cuanto a la expresión, en el sentido de que el cerebro humano puede aplicarlas conscientemente, mientras que en la naturaleza, y hasta hoy también, en grande parte, en la historia humana, estas leyes se abren paso de un modo inconsciente bajo la forma de una necesidad exterior, en medio de una serie infinita de aparentes casualidades. Pero, con esto, la propia dialéctica de concepto se convertía simplemente en el reflejo consciente del movimiento dialéctico del mundo real." – F. Engels

A tese da coincidência da dialética, a teoria do conhecimento e da lógica é um ponto importante do trabalho de Lenine-filósofo. No marxismo, a ontologia, a gnoseologia e e a lógica não existem separadamente, elas devem coincidir por seu conteúdo. Isso significa que a filosofia estuda o pensamento e suas leis com o fim de descobrir as leis objetivas que ele reflete. Temos, desta forma, uma filosofia como o estudo do ser, suas leis e sua transformação - as leis objetivas conhecidas se tornam método de conhecimento ulterior e de mudança da realidade. Uma vez conhecidas, as leis do mundo objetivo se convertem em leis do pensamento e todas as leis do pensamento são leis refletidas do mundo objetivo. Ao olharmos para as leis de desenvolvimento do próprio objeto, podemos conhecer as leis do desenvolvimento do conhecimento e vice-versa, a partir do estudo do conhecimento e suas leis, se descobre as leis do mundo objetivo. A filosofia marxista se revela, assim, como um método de pensamento que conduz à conquista de novos resultados científicos porque se descobrem as leis objetivas que determinam o movimento do próprio objeto. O método científico do pensamento deve dirigir nosso pensamento de acordo com a natureza do próprio objeto. O conhecimento tem como missão apreender as propriedades e leis objetivas e inerentes ao objeto.

Os adversários da dialética separam as leis do pensamento das leis do mundo objetivo, que consideram que o método do pensamento é um conjunto de procedimentos científicos, determinados por fins subjetivos da investigação, são incapazes de compreender como é possível um método de conhecimento que é universal e imprescindível (que objetivamente acontece). A peculiaridade da filosofia marxista, neste caso, consiste em que não se divide ontologia e gnoseologia; suas leis englobam tanto a esfera do mundo objetivo como do pensamento. Ao estudar o ser, ao por manifestadamente as leis do mundo objetivo, o materialismo dialético (a dialética materialista) permite conhecer sua importância metodológica (metodologia --> AVP), seu papel no conhecimento e na atividade prática e, por sua vez. a estudar o processo do pensamento, das leis de sua dinâmica, revela o conteúdo objetivo das leis e das formas de pensamento (que refletem do mundo objetivo e como o refletem). A leis da dialética, por refletir o mundo objetivo, são centrais na determinação da nossa relação com os fenômenos da realidade, no processo de conhecimento e na prática (cujo um particular é a obtenção de conhecimento!😲)

A tese central deste livro é que cabe estabelecer uma certa unidade entre as ciências, incluso se estão separadas e isoladas umas das outras. A novidade do enfoque leninista consiste que existem somente uma ciência filosófica: a dialética materialista, que cumpre simultaneamente as funções de ontologia, gnoseologia e de lógica, sem ser, segundo o significado anterior, nenhum dos três. Não existem três partes autônomas na filosofia com leis distintas, existe somente uma única ciência que pode se qualificar como quiser: dialética, lógica ou teoria do conhecimento (o nome de um objeto não afeta sua essência) com as mesmas leis que são também as leis do mundo objetivo e as leis do conhecimento.

A ideia que a dialética materialista é uma ciência única que elimina a divisão da filosofia em partes autônomas (ontologia, gnoseologia e lógica) não deve ser interpretada como se não existissem, na dialética materialista, diferenças entre os diversos problemas, de que é impossível fracioná-la. A dialética se ocupa de generalizar o processo do conhecimento e os resultados disso podem ser analisados de diversos pontos de vista. Primeiro, pode-se estudar a história do pensamento a fim de esclarecer-se as leis objetivas refletidas nos conceitos científicos, e, segundo, pode-se analizar o processo do conhecimento com o fim de estudar o movimento das próprias formas do reflexo das leis objetivas na consciência humana. Tanto num caso como noutro, o objeto de investigação é a história do processo do conhecimento, as leis e categorias das diversas esferas da ciência, isto é, do pensamento em sua relação para com a realidade objetiva, mesmo que os aspectos da investigação sejam distintos. Porém, é impossível apresentar algo como pura ontologia e a outra como gnoseologia ou lógica. Tanto um aspecto como o outro são ontológicos, gnoseológicos e lógicos, uma vez que as leis objetivas se tornam manifestas analisando as formas em que se refletem os fenômenos na consciência humana e a dialética do desenvolvimento das próprias formas é examinada em conexão e sobre a base das leis do desenvolvimento do objeto nelas refletido; por isso Kopnin diz que a dialética é simultaneamente lógica dialética.

Kopnin diz que a ideia de Lenine consiste, e por isso que é excelente, em que a dialética materialista, que é uma teoria, um sistema novo desde o ponto de vista de seus princípios, constituí a única ciência que põe e resolve de um modo distinto o problema das relações recíprocas entre as leis do pensamento e as leis do mundo objetivo.

1.3 La dialéctica como generalización de la historia del conocimiento. Lugar de la dialéctica en el sistema de la filosofia marxista

O objetivo da dialética materialista é explicar cientificamente a realidade objetiva, revelar as leis de seu desenvolvimento. A dialética materialista é teoria do conhecimento, no sentido mais amplo, como balanço de toda a história do conhecimento do mundo e da atividade prática do ser humano. Ao generalizar e estudar toda a história do conhecimento do mundo, a dialética formula a doutrina mais profunda e completa do movimento. Ao generalizar a experiência do conhecimento, a dialética descobre as leis do mundo objetivo, visto que as leis do pensamento são um reflexo delas.

"La continuación de la obra de Hegel y Marx ha de consistir en la elaboración dialéctica de la historia del pensamento, la ciencia y la técnica humanas" – V. Lenine

Um dialético não somente deve prestar atenção às mudanças radicais que se produzem na evolução de uma ou outra ciência, mas também analisá-las, sacar destas mudanças deduções filosóficas, necessárias para tanto o desenvolvimento da própria dialética, como para o ramo do saber científico que se estuda. Sobre esta base descansa a união entre a dialética materialista e as ciências naturais modernas. A dialética está relacionada com as ciências naturais precisamente como lógica e como teoria do conhecimento.

A missão da filosofia é elaborar e aperfeiçoar a concepção científica do mundo; com este fim, generaliza-se as experiências do desenvolvimento de todas as ciências e da prática social. As leis do método filosófico se manifestam e se revelam em todos os métodos particulares e procedimentos científicos que o ser humano da ciência utiliza ao investigar seu objeto; estão praticamente presentes neles, mas o cientista nem sempre tem (cons)ciência disso. [todo cientista tem sua filosofia]. A união entre as ciências naturais e a filosofia, cujo fortalecimento e desenvolvimento constituí o legado filosófico de Lenine, reside no fato que a filosofia elabora uma concepção científica do mundo que se aplica nas ciências como método universal de conhecimento e transformação prática do mundo; porém a generalização das conquistas das ciências naturais é necessária para que esta concepção se desenvolva e aperfeiçoe. O autor traz atenção a uma elaboração da dialética como forma do pensamento teórico-científico. Não poremos plenamente manifestas as relações existentes entre história da filosofia e a dialética materialista se centrarmos nossa atenção somente no fato que a historia da filosofia deve resolver, em geral, os mesmos problemas do materialismo dialético. Há também outro aspecto e não menos importante: toda investigação na esfera da dialética é uma investigação histórico-filosófica, visto que o materialismo dialético reflete em forma lógica os atrativos fundamentais da história do desenvolvimento do pensamento humano. A compreensão deste fato tem enorme importância!

A dialética materialista e o materialismo histórico constituem um todo orgânico O materialismo histórico se define, habitualmente, como a aplicação do materialismo dialético ao conhecimento dos fenômenos da vida social. Kopnin considera esta definição correta, porém carece de um esclarecimento das relações recíprocas entre a dialética materialista e o materialismo histórico. Isto abre espaço para a interpretação que o materialismo dialético pode viver às margens do histórico, que os princípios da interpretação materialista da história não influem sobre os princípios do materialismo dialético, o que é falso! O materialismo dialético é tão impossível sem o histórico como este sem o dialético (reciprocidade!). Para resolver propriamente os problemas da dialética materialista e, em particular, para descobrir a essência e as leis que regem o desenvolvimento do conhecimento humano, se é necessário compreender o lugar que o conhecimento ocupa na evolução da sociedade, considerar o conhecimento um processo histórico-social, por manifesto o papel da prática social na teoria do conhecimento. Tudo isso só é possível a partir dos princípios da interpretação materialista da história. Assim, o materialismo dialético e o materialismo histórico não são ciências filosóficas independentes (nem partes independentes da filosofia, das quais uma refletiria as leis gerais da natureza e a outra, as leis da sociedade. Existe uma ciência somente, o materialismo dialético e histórico que torna possível conhecer as leis objetivas do desenvolvimento da sociedade, da natureza e do pensamento humano (esta opinião contradiz Rutkévich).

A filosofia marxista constituí um método de conhecimento científico dos fenômenos da realidade, porquanto é uma concepção científica do mundo. Nesta filosofia não se pode opor a concepção de mundo ao método, não há contradições entre eles. A concepção de mundo determina também o método; o grau de exatidão e profundidade com os qual a concepção de mundo reflete as leis objetivas depende do grau de exatidão, profundidade e perfeição do método do conhecimento científico. Na mesma medida que as leis conhecidas são gerais, é geral o método de conhecimento que se baseia nelas (essencial!).

Conteúdo da Lógica Formal

2 - ⟪La dialéctica y la lógica formal⟫

2.1 Objeto de la lógica formal como ciencia

Ao estudar seu objeto, a lógica formal

  1. se abstraí do conteúdo dos juizos; estuda somente seu conteúdo formal
  2. toma os juizos ja formados, dispostos, sem analisar o processo de sua gênese, de seu avanço em direção à verdade
  3. parte da oposição absoluta entre a verdade e a mentira - todo juízo para ela é verdadeiro ou falso

A lógica formal, portanto, estuda as relações em um sistema de raciocínio. Ao estudar as leis que regem a dedução de um juízo de outros, a lógica formal estabelece o chamado critério lógico, ou formal, da veracidade dos juízos. Os critérios da lógica formal tem valor positivo no sentido que sua infração é inadmissível. Um raciocínio que não preste atenção às leis da lógica formal não conduz, supostamente, ao conhecimento objetivamente verdadeiro. Porém, esses critérios carecem de valor positivo no sentido que sua observância nos raciocínios não é suficiente para a veracidade objetivos dos juízos obtidos como resultados desses raciocínios. O conteúdo formal é objetivo, reflete apenas leis objetivas, as relações mais gerais e simples, mas não guarda nenhuma relação direta com as propriedades concretas de um objeto determinado, que se reflete em um ou outro juízo concreto. O conteúdo formal é de amplitude extraordinária, reflete as propriedades e as relações mais gerais, inerentes a todos os fenômenos do mundo material; por isso, não depende do conteúdo concreto dos juízos. Se as regras de dedução estão relacionadas com um conteúdo mais concreto, a esfera da aplicação das regras da lógica formal é mais restringida. Assim, um conteúdo objetivo, fixado nas formas de pensamento, se converte em formal se constituí a base das regras e formas que regulam a dedução de um juízo a partir de outos. Todas as formas de pensamento são objeto da investigação da lógica formal, mesmo que esta lógica as estude partindo de um ponto de vista especial.

A lógica matemática surge, como disciplina científica, a princípio como uma aplicação dos meios matemáticos às investigações lógicas. O objeto da matemática e o objeto da lógica formal tem diversos pontos em comum. Essa comunidade entre os objetos dessas duas ciências consiste em que ambas refletem relaciones extremamente gerais da realidade, que se expressam em abstrações cujo vínculo com o mundo objetivo oferece caráter completo. Mesmo assim, nota-se que os objetos dessas duas ciências são estritamente distintos. Uma segunda etapa de formação da lógica matemática corresponde ao emprego da lógica formal nas soluções de problemas matemáticos. Não podemos dizer unilateralmente que a lógica matemática é lógica formal ou matemática. A lógica matemática tem um conteúdo puramente matemático e investiga problemas puramente matemáticos. A lógica matemática é, ao mesmo tempo, um ramo da lógica formal, visto que seu conteúdo tem um valor puramente lógico, que não só serve para as demonstrações matemáticas, senão também para qualquer demonstração dedutiva.

A lógica formal estuda um aspecto especial do pensamento e, por isso, não pode pretender ser o método universal do conhecimento (posição de alguns adversários do materialismo dialético). A filosofia, no entanto, estuda o pensamento e suas leis para descobrir as leis mais gerais do desenvolvimento dos fenômenos do mundo exterior e também para por manifestadamente as leis da evolução do próprio conhecimento, para esclarecer suas relações com os fenômenos da vida real. A filosofia marxista pressupõe a existência de uma boa lógica formal, cujos resultados lhe interessam do mesmo modo que lhe interessam os resultados de todas as outras ciências especiais. Da mesma forma, a lógica formal necessita as categorias elaboradas pela filosofia e as utiliza, já que as outras ciências especiais precisam da solução científica dos problemas filosóficos. Enxerga-se um erro cometido por representantes da lógica formal que edificam suas teorias na base de categorias da filosofia idealista, desenvolvendo a doutrina da estrutura de demonstrações baseando-se na gnoseologia positivista. Com isso, a lógica formal sofre um golpe, tal como a influência do idealismo burguês corrompe as outras ciências especiais. O dever dos lógicos materialistas é criticar a base gnoseológica idealistas na lógica formal, que se torna um campo de luta entre o materialismo e o idealismo. Nossa atuação à frente dos cientistas burgueses é elucidada por Lenine (em MEc):

"La misión de los marxistas, tanto aquí como allá, es la de saber asimilar y reelaborar las adquisiciones de esos «recaderos» (no daréis – lo digo a título de ejemplo – ni un paso en el estudio de los nuevos fenómenos económicos sin tener que recurrir a los trabajos de estos recaderos), y saber rechazar su tendencia reaccionária, saber seguir una linea propia y luchar contra toda la línea de las fuerzas y clases que nos son enemigas" – V. Lenine

Diferentemente das outras ciencias especiais, a lógica formal está mais perto da filosofia, tanto por sua origem (se separou da filosofia há pouco tempo, comparativamente), como também por seu conteúdo (as leis da lógica formal tem caráter universal, no sentido que devem ser observadas sempre), ainda que as leis da lógica formal não garanta por si só a veracidade objetiva do conteúdo do nosso pensamento. Portanto, ainda que as leis da lógica formal tenham caráter universal, não podem servir de fundamento do método filosófico nem como teoria do conhecimento, visto que se abstraem do desenvolvimento dos fenômenos do mundo exterior e também do pensamento. Mesmo universal, ele não é totalizante. Quando o método de uma ciência especial se converte em método filosófico de conhecimento, esse mesmo método se torna unilateral, metafísico (tal qual é o fisicismo/fisicalismo). O positivismo moderno, por exemplo, ao declarar que a filosofia é lógica, reduz os problemas filosóficos à lógica formal e deste modo, na verdade, elimina a filosofia. Não resolve, de fato, o problema das relações recíprocas entre o pensar e o ser.

2.2 Ideas de la lógica dialéctica en la filosofia premarxista

Analisemos, agora, como o desenvolvimento da lógica culmina na dialética. Na lógica de Aristóteles, se coloca o problema do valor cognitivo relativo das diversas formas de conhecimento. Aristóteles põe a relação entre o singular e o geral nas formas de pensamento em sua lógica. Descartes compreendia por sua vez que a lógica formal, como método de investigação dos fenômenos, não bastava para criar uma filosofia prática. Ele colocava a questão de outro método de conhecimento, que superasse o marco da lógica formal. A lógica forma como arte de invenção. como método de obter novos conhecimentos, é limitada, porém necessária e insubstituível como ciência das regras de conexão de conhecimento ja acabados, obtidos anteriormente. Uma dedução rigorosa, segundo Descartes, é o elemento mais importante para conseguir conhecimentos de todas as ciências. Em Bacon, o problema principal de sua lógica é a doutrina da formação de conceitos científicos, que constituem a base do conhecimento. Para ele, o silogismo não é um meio de formação de conceitos científicos, senão a forma em que se deduzem as conclusões de conceitos já formados. A experiência e a indução constituem um método seguro de formação de conceitos. A teoria de Leibniz sobre as duas classes de verdade, a razão e o feito, constituem uma nova e peculiar tentativa de abandonar os limites da lógica formal. A primeira se baseia nos princípios da lógica formal, em particular sobre a lei da não contradição no pensamento. A necessidade dessa classe de verdades é puramente lógica: a contradição da verdade da razão é inconcebível. Se incluem nessas verdades imprescindíveis os princípios da matemática, da lógica e tudo que se deriva como resultado da dedução. Para Leibniz, a esfera da lógica formal se limita à análise lógica dos conceitos que se têm. Porém, Leibniz não limitava nossos conhecimentos às verdades da razão nem o método de observação de novos conhecimentos à dedução. Além das verdades da razão, existem as verdades dos feitos (ou empíricas, casuais), baseadas na lei da razão suficiente. Segundo Leibniz, as exigências da lei da razão suficiente não se reduz às premissas do raciocínio, constituem um argumento bastante sólido para a dedução, tem um argumento bastante sólido para a dedução, tem uma significação mais geral, pois se refere tanto à razão do ser (tudo existente deve ter uma razão suficiente) como a lei geral do conhecimento (todo conhecimento se origina na base de uma razão suficiente. A lei da razão suficiente é criada para explicar a síntese que se produz na indução - ela põe manifestada a legitimidade da indução como meio de formação dos conceitos. O desenvolvimento posterior da lógica dialética está relacionado com a divisão kantiana da lógica geral ou formal e transcendental. Kant observa com toda a razão que a ampliação dos domínios da lógica formal às custas de temas alheios se deve à incompreensão do caráter desta ciência e conduz à sua deformação. A lógica formal não deve nem pode investigar o processo de aparição e formação das representações e os conceitos - o processo do objeto. Explora suas relações recíprocas em um sistema determinado desde o ponto de vista da concordância de esse sistema com a forma lógica. A lógica geral, a lógica da razão não estuda o objeto, senão somente as formas do conceito sobre o objeto. Kant, após de ter limitado o objeto da lógica formal e a esfera de sua aplicação na conquista da verdade, cria as premissas para o progresso da própria lógica formal. A delimitação do objeto da lógica formal e a compreensão da esfera de sua aplicação, exerceu uma influência benéfica na formação de uma nova lógica. A lógica transcendental, por sua vez, estuda a origem e desenvolvimento dos conceitos que se relacionam a priori com os objetos. A lógica transcendental de Kant é um embrião da lógica dialética, deformado pelo apriorismo. As ideias de Kant, demonstram a necessidade de uma lógica destinada ao estudo da gênese do conhecimento humano, do processo de formação de conceitos. A lógica formal se ocupa da análise; a transcendental da síntese, da formação de novos conceitos científicos sobre o objeto - a conceituação.

A lógica formal, baseando-se na atividade intelectiva, estuda as formas de pensamento em seu estado estático. Já o estudo das formas de pensamento desde o ângulo da verdade nelas representada significa/demonstra que essas próprias formas tem conteúdo.

"... el pensamiento y su dinámica constituyen por sí mismos un contenido, y, además, un contenido tan interesante como, en general, puede existir" "... la ciencia del pensar es por si misma una verdadeira ciencia" - G. Hegel

As formas do pensamento proporcionam a verdade, porém não quando estão isoladas umas das outras e imóveis, senão quando constituem um sistema em movimento e desenvolvimento. Por isso, a lógica dialética estuda as formas de pensamento em sua união recíproca e seu desenvolvimento. Elas avançam e evoluem em direção da essência. O movimento (da dialética) passa do conceito, que não divide seus fatores (o geral, o particular, o singular), ao juízo, onde o conceito se desagrega em seus próprios fatores, e disso ao raciocínio, que vem a ser a síntese do conceito e do juízo. No raciocínio não somente se restabelece, mas se argumenta a unidade dos fatores do conceito. A análise das diversas formas do pensamento em desenvolvimento permite apreciar sua importância cognitiva, fato que constituí um fator da lógica dialética.

A lógica formal se desenvolve e progride graças à análise dos meios de demonstração, utilizados nas matemáticas, porém as demonstrações matemáticas não esgotam toda a multiplicidade de formas de demonstração. A demonstração matemática é pura e estritamente formal; existem ciências que não são formais que se demonstram de outras formas. Isto significa que a lógica formal não basta – é impossível edificar uma teoria do conhecimento que tome somente as exigências da lógica formal. O positivismo renúncia a lógica dialética e desenvolve ideias que não conduzem a nada mais que o agnosticismo. Existe uma certa perplexidade entre os neopositivistas na solução das questões radicais da teoria do conhecimento e a lógica, em conjunto com uma incapacidade de interpretar cientificamente o sentido e a significação das palavras que constituem uma proposição - problemas que foram resolvidos pela dialética há tempos.

2.3 Esencia y contenido de la lógica dialéctica marxista

Ao precisar-se o objeto da lógica formal e da lógica dialética, precisamos ter em conta que o objeto da lógica, como em qualquer outra ciência, se modifica. A lógica está em movimento! A história da lógica demonstra que, mediante uma análise do processo cognitivo, de suas diversas partes e aspectos, pode-se determinar o objeto da lógica formal e da dialética. Conforme o pensamento se desenvolve, que aparecem suas diversas partes, a lógica se divide em duas ciências.

A lógica formal estuda com detalhe e profundidade um único aspecto das formas de pensamento: as leis e formas de dedução de um juízo de outros já formados. Essa determinação do objeto o torna mais restringido e ao mesmo tempo mais amplo. A lógica formal, ao estudar somente esse aspecto do processo do pensamento, descobre nele novas propriedades e relações que antes não conhecia, o que causa a inclusão de conteúdo antes desconhecido em seu objeto. Epistemologia: A ciência concentra sua atenção em um aspecto com o fim de compreendê-lo com maior profundidade, descobrir novas propriedades e leis. Os clássicos do marxismo-leninismo consideram a lógica formal como uma etapa inferior em comparação com a dialética:

"Incluso la lógica formal es ante todo método para el hallazgo de nuevos resultados, para progresar de lo conocido a lo desconocido, y eso mismo es la dialéctica, aunque en un sentido más eminente, pues rompe el estrecho horizonte de la lógica formal y contiene el germem de una concepción de mundo más amplia" – F. Engels

A lógica dialética como teoria filosófica do pensamento é oposta à formal e vem a ser sua negação, visto que desenvolve a teoria materialista dialética do pensamento. A dialética materialista, como ciência, tem como objetivo, primeiro, descobrir as leis mais gerais do desenvolvimento do mundo objetivo e, segundo, por manifestadamente sua importância com as leis do pensamento, suas funções no avanço do pensamento. Neste último caso, a dialética cumpre função lógica e se converte em lógica dialética. A lógica dialética integra o conteúdo da concepção marxista do mundo! A dialética, como ciência, estuda tanto a dialética objetiva como a subjetiva, quando investiga as leis da dialética desde um ângulo subjetivo (como as leis do pensamento), atua como lógica dialética. A lógica dialética, aplicando as leis da dialética ao estudo do pensamento e suas formas nos mostra por quais vias e em que formas nosso intelecto capta a verdade objetiva. A doutrina da verdade e suas vias de conquista constituí o problema fundamental da lógica dialética. Como ciência da verdade, a lógica dialética revela, antes de tudo, o conteúdo do método filosófico do conhecimento da verdade - como o ser humano pode dar enfoque aos fenômenos da realidade para que os resultados do conhecimento sejam reflexos profundos e completos da essência do objeto no pensamento. Baseando-se no conhecimento das leis mais gerais do desenvolvimento dos fenômenos, a lógica dialética estrutura as teses metodológicas que constituem o ponto de partida do estudo de qualquer objeto, descobre o funcionamento das leis da dialética do conhecimento e da verdade.

As leis da dialética refletem o mundo objetivo, o devenir de seus fenômenos. A missão da lógica dialética consiste em mostrar o funcionamento das leis da dialética no processo de apreensão da verdade objetiva. Ver dialética de Lenine. A lógica dialética expõe o valor da dialética como meio de demonstração da verdade.

A ideia que o mesmo método filosófico não pode servir simultaneamente como meio de descoberta e meio de demonstração é característica de muitas correntes da filosofia burguesa. Esta ideia parte do (falso) reconhecimento que a lógica formal é a única ciência de demonstração. O nexo entre o modo de descobrimento da verdade e o modo de demonstração não é casual, se baseia na mesma ideia de coincidência entre o conteúdo das leis do pensamento e as leis do mundo objetivo. A demonstração da verdade está indissoluvelmente vinculada ao processo de sua obtenção e constituí um fator subordinado a ele. O processo de obtenção da verdade não pode ser arbitrariamente dividido em "descoberta" e "demonstração". O processo de descobrimento engloba sua demonstração e vice-versa; demonstrar uma teoria equivale em desenvolvê-la, equivale em completá-la e concretizá-la. Estes dois aspectos estão em íntima unidade. Em todo conhecimento científico existe essa unidade entre o descobrimento do novo e sua demonstração ou refutação de uma teoria. A filosofia marxista, seu arsenal lógico serve de meio para demonstrar a veracidade objetiva do conhecimento. Elaborou um método para descobrir a verdade e demonstrá-la; a correção formal é considerada por ela como um fator somente no movimento em direção da verdade e sua demonstração (importante, porém não determinante). O estudo do objeto em seu automovimento e no meio das suas conexões não somente conduz à verdade, senão também em sua demonstração. A prática tem importância particular na demonstração; à margem dela, não se pode resolver, em geral, o problema da veracidade ou falsidade de toda teoria. A unidade da teoria e da prática é a tese metodológica mais importante da filosofia marxista (!!!), tese que serve de fio condutor na investigação do objeto e no estabelecimento da verdade do conhecimento obtido. Como teoria do método de obtenção e demonstração da verdade, a lógica dialética foca a seu modo as formas de pensamento, cujo estudo há constituído sempre o objeto da lógica. No estudo das formas de pensamento parte-se da solução materialista do problema fundamental da filosofia. Podemos definir o conteúdo principal da lógica dialética como ciência da seguinte maneira:

"El conjunto de todas las facetas del fenómeno, de la realidad y sus relaciones (recíprocas) es lo que forma la verdad. Las relaciones de los cuerpos (transiciones=contradicciones) constituyen el contenido principal de la lógica, con la particularidad de que esos conceptos (y sus relaciones, transiciones, contradicciones) vienen a ser un reflejo del mundo objetivo. La dialética de las cosas, crea la dialécticas de las ideias, y no viceversa" – V. Lenine

O marxismo considera o lógico (o movimento do pensamento) como o reflexo do histórico (o movimento dos fenômenos da realidade objetiva). O problema da relação entre o lógico e o histórico é o mais importante na lógica dialética. Para poder refletir com plenitude e profundidade a dialética objetiva, as próprias formas do pensamento hão de ser dialéticas (!!!!!): móveis, flexíveis, interdependentes! A dialética estuda os vínculos entre as formas de pensamento, sua subordinação no avanço do pensamento em direção da verdade. A lógica dialética baseia sua solução deste problema no princípio de unidade do abstrato e o concreto no pensamento científico; mediante o passo do pensamento do abstrato ao concreto se consegue uma verdadeira objetividade do pensamento. A ascensão do abstrato ao concreto baseia todo o sistema estrutural da lógica dialética: o desenvolvimento dos juízos, dos conceitos, do raciocínio das teorias científicas, das hipóteses. Assim, pois, a lógica dialética é a ciência da verdade e das vías de sua conquista. A lógica dialética é oposta à formal no sentido de que as leis da lógica formal se baseiam em um reflexo de um aspecto dos fenômenos: sua estabilidade qualitativa, sua identidade recíproca segundo uma característica determinada. As leis da dialética, por sua vez, refletem os múltiplos aspectos dos fenômenos, seu movimento, no qual o repouso não constituí mais que um fator da estabilidade qualitativa. Ao estudar as formas do pensamento, a lógica formal se abstraí de seu conteúdo concreto; a lógica dialética, ao contrário, ao estudar o processo de desenvolvimento dos conceitos, dos juízos, etc., não se abstraí nem pode abstrair-se, de seu conteúdo, uma vez que à margem do conteúdo o próprio processo é inexplicável. A lógica formal estuda conceitos já dados e formados, enquanto a lógica dialética estuda e tem por objeto, oposta e especialmente, o processo de formação dos conceitos, dos juízos, das teorias, etcetera. A lógica dialética vem a ser, assim, a negação da lógica formal, que a antecedeu como método e teoria do conhecimento.

"Se equivocan quienes creen que hay formas de conceptos, juicios y razonamientos empleadas por el pensamiento habitual no dialéctico y que existen, al mismo tiempo, formas de conceptos, juicios y razonamientos com las que opera el pensamiento dialéctico. En la realidad, las formas de conceptos, juicios y razonamientos son comunes a todos los hombres. El pensamiento dialéctico no se diferencia del pensamiento no dialéctico por la forma de los conceptos, los juicios y los razonamientos, sino por el contenido, por el hecho de que en el contenido del pensamiento se reproduce la dialéctica del objeto estudiado."

A história da lógica demonstra que a divisão da lógica em dialética e formal se deve ao fato que as diversas facetas do processo de conhecimento completo passaram a ser objeto de análise dessas duas ciências. A dialética estuda todas as formas do pensamento, descobre seu conteúdo objetivo, mostra a passagem de formas do pensamento de inferiores a superiores no processo de conhecimento dos fenômenos da realidade.

Elementos Fundamentais da Dialética

3 - ⟪La dialéctica como sistema lógico⟫

3.1 ¿Es un sistema filosófico la dialéctica materialista?

Por sistema filosófico ou filosofia como sistema se entende um determinado sistema de conhecimentos científicos, um sistema de noções filosóficas (categorias), nas quais se reflete o objeto estudado pela filosofia.

Alguns filósofos marxistas partem da premisa que o materialismo dialético não é, em geral, um sistema filosófico. As razões apresentadas são:

  1. ) O materialismo dialético é, por sua estrutura, uma concepção do mundo e um método, e por isso não pode ser um sistema. Se a filosofia é um sistema, deixa à margem tanto a concepção materialista do mundo como o método dialético.
  2. ) Toda tentativa de construir-se um sistema leva ao esquematismo, a pretensão de possuir-se a verdade absoluta em última instância.

Vejamos:

"... un sistema filosófico universal de categorías no puede basarse en una subordinación general objetiva de los fenómenos ni en un processo unidirigido del mundo. Y por lo mismo, la teoria del sistema de categorías se desmorona al ser comparada con la realidad objetiva, con su verdadera dialéctica. La realidad objetiva se mofa en su dialéctica del esquematismo del sistema de las categorias." – R. Gropp

Kopnin argumenta que existe uma diferença para o materialismo dialético, que permite que este seja considerado como um sistema lógico. Por exemplo, a tese de partida do positivismo não permite entender a filosofia como um sistema de conhecimentos científicos, pois nega a filosofia como esfera independente do conhecimento científico. Para um marxista, no entanto, não existe problema no entendimento se a filosofia, o materialismo dialético, é uma ciência; para o marxista isto é algo que se compreende. E se isto é assim, toda ciência constituí um sistema de conceitos, mediante o qual se determinam as leis que estudam. A ciência não é uma acumulação caótica de tesis; um sistema de conhecimentos é um indício do pensamento científico. O vínculo dos conceitos na ciência refletem os vínculos essenciais dos fenômenos que estuda esta ciência. Toda ciência constituí um sistema, ja que a verdade objetiva, completa e concreta, se consegue somente mediante um determinado sistema de conhecimentos; cada conceito adquire seu conteúdo concreto em relação com outros conceitos. A ciência se compõe de determinados postulados teóricos, e a teoria científica de um conjunto de conceitos vinculados entre si, nos quais se expressam as leis que estuda essa ciência concreta.

O materialismo dialético é um sistema de conceitos científicos nos quais se reflete de um modo profundo e completo seu objeto. O objeto do materialismo dialético é o estudo das leis do mundo objetivo que depois de conhecidas se convertem nas leis do pensamento. O materialismo dialético é um sistema científico, não estabelece nenhuma subordinação artificial de categorias deduzidas das necessidades íntimas do próprio sistema. Seu sistema de categorias se determina pelas leis objetivas que constituem seu objeto. O sistema de categorias do materialismo dialético constituí uma teoria científica que põe manifestadamente as leis objetivas. Essa teoria científica serve de método para o futuro conhecimento científico e a transformação revolucionária da realidade.

3.2 Elementos del sistema lógico de la dialectica materialista

A elaboração da dialética como ciência pressupõe o estudo de sua estrutura. Na época de Kopnin, os filósofos dialéticos dedicavam sua atenção ao estudo da estrutura lógica do materialismo dialético, dos elementos fundamentais que constituem seu sistema. Ao estudar-se a estrutura da lógica da dialética é preciso revelar seu conteúdo, definir o conceito de elemento da dialética. Por elementos da dialética se entende tudo aquilo que integra a teoria materialista dialética da realidade. Elementos da dialética são tudo aquilo que torna a dialética num sistema científico. O elemento da dialética materialista é um conceito que engloba tanto suas leis, como características, princípios, categorias, etc. Na dialética materialista, se pode distinguir os seguintes grupos, ou tipos de elementos da dialética, como unidades estruturais:

  1. características da dialética
  2. definição dos conceitos de partida
  3. princípios da dialética
  4. leis da dialética
  5. teses metodológicas

Caracterizemos cada um desses elementos. Por características se entende elementos da dialética que determinam seu objeto, isto é, aquilo que estuda e as teses mais gerais nas quais se baseia o estudo. As características da dialética constituem um círculo de ideias determinadas, as mais gerais, que formam sua base. Precisa-se incluir a tese de concatenação universal dos fenômenos e seu movimento ininterrupto. A dialética materialista é a ciência das leis que presidem sobre as concatenações recíprocas dos fenômenos e seu movimento. O reconhecimento das interrelações e o movimento dos fenômenos do mundo objetivo é imprescindível para caracterizar a dialética. Entre as características da dialética está também as teses gerais do materialismo na solução do problema fundamental da filosofia (em seu primeiro e segundo grau): a tese de materialidade do mundo e sua existência à margem e independentemente da consciência humana, a cognoscibilidade do mundo e suas leis(!!!).

Na medida que o conhecimento científico progride, se aperfeiçoa, precisa, aprofunda e concretiza a definição dos conceitos desta ciência. A dialética materialista não se diferencia neste sentido das demais ciências; as definições de diversos conceitos iniciais integram sua estrutura. As características da dialética materialista indica quais deles são os iniciais. Entre eles aparecem: a matéria, o vínculo, a relação, o movimento, a consciência, o espaço e o tempo. A definição dos conceitos iniciais contribuí para revelar o conteúdo das características fundamentais da dialética materialista e passar para uma exposição posterior, mais concreta, do materialismo dialético. Estes conceitos constituem a base de todo os sistema da dialética materialista; suas primeiras definições são abstatas e pouco substanciais.

Na ciência se qualifica de princípio as teses de partida de qualquer teoria. O princípio é a tese inicial da teoria que unifica os conceitos em um sistema determinado e expressa a propriedade ou relação mais geral própria do objeto dado. O materialismo dialético constituí-se de quatro teorias gerais, cada uma delas possuí seu próprio princípio:

  1. o princípio da unidade material do mundo
  2. o princípio do reflexo
  3. o princípio do desenvolvimento
  4. o princípio da unidade do abstrato e do concreto no pensamento teórico científico

O princípio do reflexo se baseia na teoria do reflexo, a ideia que o conhecimento é um reflexo dos fenômenos, das propriedades do mundo objetivo. O princípio do desenvolvimento (os fenômenos do mundo não somente tem movimento, mas se desenvolvem, isto é, passam do simples ao complexo, do inferior ao superior) constituí o ponto de partida da teoria dialética de desenvolvimento. O princípio da unidade do abstrato e do concreto no pensamento teórico-científico (no processo do pensamento, passa-se do abstrato ao concreto) constituí a base da teoria filosófica do desenvolvimento do pensamento. Os princípios da dialética materialista se distinguem de suas características. As características da dialética determinam o objeto da dialética, indicam o que investigam; os princípios, em troca, estabelecem as propriedades e relações mais gerais existentes nesse objeto e que são a base de uma determinada teoria do materialismo dialético

As leis são elementos imprescindíveis de toda a ciência. As leis da ciência refletem as relações essenciais, rigorosamente determinadas, do objeto estudado para a referida ciência. A dialética materialista tem suas próprias leis, entre as quais vale destacar-se as chamadas de fundamentais:

  1. lei da unidade e luta dos contrários
  2. lei da transformação das mudanças quantitativas em qualitativas
  3. lei da negação da negação

Essas leis são fundamentais porque determinam a essência da concepção dialética do desenvolvimento. As leis fundamentais da dialética dão a conhecer a fonte do desenvolvimento do mundo objetivo e do pensamento humano, sua direção e tendência e as relações recíprocas entre suas formas (evolutiva e revolucionária); isto é, se referem às questões mais gerais da teoria do desenvolvimento; as leis secundárias expressam alguns aspectos e momentos desse processo (interrelações da forma e o conteúdo, da essência e o fenômeno, da possibilidade e aa realidade, da causa e o efeito, da causalidade e a necessidade, do singular e o universal, etc.). As leis da dialética põe manifestadamente as relações essenciais do objeto determinado pelos traços (características).

A dialética materialista se diferencia essencialmente de outras ciências, já que somente ela constituí um método filosófico de conhecimento e de transformação prática da realidade; por essa razão suas teses metodológicas integram sua estrutura como um elemento tão necessário. A lei da dialética está dirigida de um modo imediato ao mundo objetivo e é o reflexo da lei do desenvolvimento universal dos fenômenos; as teses metodológicas, ao contrário, dirigem-se, em primeiro lugar, à atividade subjetiva do ser humano, fixa diretamente não o existente no mundo externo, mas a atitude que o indivíduo deve ter ante os fenômenos do mundo objetivo quando os analisa. As teses metodológicas estão relacionadas com o mundo objetivo através do conteúdo das características, dos princípios e das leis, isto é, através das estruturações teóricas que constituem a dialética. As teses metodológicas se deduzem de todas as estruturações teóricas que refletem fielmente o mundo objetivo. A dialética é método enquanto é teoria do processo objetivo. O aperfeiçoamento da dialética como método guarda sua relação com seu desenvolvimento como teoria: a medida que a dialética reflete, em seus princípios e leis, com maior exatidão, profundidade e plenitude o objeto que estuda, mais perfeita e eficaz será como método de conhecimento e transformação revolucionária da realidade. É nas teses metodológicas que se revela a coincidência da dialética, da lógica e da teoria do conhecimento. Todas as leis da dialética, iguais as da lógica e da teoria do conhecimento, são leis objetivas transformadas em teses metodológicas. Assim, as teses metodológicas são elementos da dialética que determinam, sobre a base do conhecimento das leis objetivas, o modo de estudar, de investigar a realidade.

3.3 Función de las categorías en el sistema de la dialéctica

Para resolver-se o problema das categorias e seu papel na dialética, é preciso esclarecer as peculiaridades dessas categorias e da dialética materialista. As categorias são um produto da atividade da matéria organizada de um modo especial, o cérebro, que permite o ser humano refletir adequadamente a realidade. É certo também que as categorias são abreviações nas quais se englobam, de acordo com suas propriedades gerais, muitos objetos, fenômenos e processos distintos percebidos pelos sentidos. As categorias do materialismo dialético refletem, em seu conjunto, as leis de desenvolvimento mais gerais do mundo objetivo.

Graças a unidade das leis do pensamento e as leis do mundo objetivo, as categorias da dialética materialista, que são ao mesmo tempo lógica e teoria do conhecimento do marxismo, tem conteúdo objetivo e cumprem função lógica. Todas as categorias tem conteúdo objetivo, já que são, de uma ou outra maneira, o reflexo das leis do mundo objetivo. Todas as categorias filosóficas, sem excessão, tem conteúdo objetivo – não somente refletem as leis do desenvolvimento do processo cognitivo, senão também do mundo objetivo. Tomemos, por exemplo, as categorias do concreto e o abstrato. O concreto no conhecimento é o reflexo da unidade, da integridade das diversas e múltiplas propriedades e facetas da vida real. O abstrato no conhecimento reflete a independência relativa de alguns aspectos desse todo único. Sem revelar o conteúdo objetivo das categorias gnoseológicas, não se pode compreender a função que cumprem na criação de uma imagem cognitiva profunda e completa.

Todas a diversidade de procedimentos lógicos de estudo do objeto tem também conteúdo objetivo, já que eles também vem a ser uma cópia da realidade, dos processos que nela se produzem. Portanto, as categorias não separam o ser humano do mundo, senão que o unem a ele, já que são objetivas em seu conteúdo, refletem os processos da natureza e a sociedade como tal e como são na vida real. Todo conhecimento que reflete fielmente o mundo objetivo tem valor de método e serve como meio para aprofundar na essência das coisas. As categorias filosóficas tem valor metodológico, são um meio para conhecer a realidade. Consequentemente, o método é, ao mesmo tempo, teoria e a teoria, método. As leis e categorias da filosofia marxista não se diferenciam pelos fato que algumas sejam leis e categorias do método e outras, da teoria. Se diferenciam pelo conteúdo objetivo, pela faceta ou a lei do mundo objetivo que refletem. Em consonância com isso, são também um método que permite seguir conhecendo-se as leis da realidade. Todas as categorias do materialismo dialético estão vinculadas à solução do problema fundamental da filosofia, ao estudo do processo do pensamento, à relação entre o pensar e o ser e à revelação do verdadeiro conteúdo do objeto.

O problema fundamental da filosofia não é da essência primária das coisas, senão a relação entre o pensar e o ser.

As categorias tem conteúdo lógico, uma vez que são formas do pensamento. À filosofia lhe corresponde esclarecer a essência das categorias desde o ponto de vista de sua forma lógica. O processo de abstração não equivale em esvaziar o conteúdo do conceito, mas, ao contrário, em aprofundar nosso conhecimento na essência dos fenômenos. Na forma de categorias se refletem as leis mais gerais e importantes dos fenômenos do mundo. Sem compreender a dialética do universal e do singular nas categorias, não se pode descobrir sua essência e relação com os conceitos de outras ciências. É nisso que se baseia a dedução, é dizer, o feito de extrair o singular partindo do geral, do universal. Não somente o singular conduz ao conhecimento do universal, como também o universal não é mais que uma etapa no conhecimento do singular. As categorias do materialismo dialético tem um caráter verdadeiramente universal, se manifestam em cada caso particular, mas nenhum número desses casos demonstra por si só sua veracidade. Para esclarecer o conteúdo objetivo de qualquer categoria, é preciso analisar com detalhe de que modo, devido a que necessidades do processo do conhecimento surge esta categoria. É preciso analisar com todo detalhe como se originaram e a função que cumprem no processo de conhecimento e da prática. O processo do conhecimento que se encontra em constante desenvolvimento e se baseia na prática social histórica, é objetivo por seu conteúdo; graças a ele podemos estabelecer o conteúdo objetivo das categorias.

As categorias, como outros conceitos científicos, se formam como resultado da abstração, generalizando a prática humana, os dados das ciências naturais e sociais. São tão mais perfeitas quanto mais perfeita seja a prática que as origina. As categorias, ao generalizar a prática, constituem um meio de conhecimento e transformação efetiva do presente e do futuro, contribuem a boa atividade prática no presente e no futuro. Descobrir o conteúdo do conceito significa definí-lo e toda a definição existe somente como uma relação entre os conceitos. Se dizemos que a lei é o essencial no movimento e na concatenação recíproca dos fenômenos, se faz evidente uma determinada relação entre as categorias. Assim, pois, a própria definição das categorias incluí o estabelecimento das relações entre os conceitos que refletem a lei dos fenômenos da vida real, e isso significa que o conteúdo objetivo das categorias está constituido pelas leis mais gerais do desenvolvimento da natureza, sociedade e pensamento. Estudar as categorias da dialética significa, em primeiro lugar, esclarecer que leis do mundo objetivo refletem, e este conteúdo objetivo determina seu valor metodológico, gnoseológico e lógico.

3.4 Principios de estructuración del sistema de categorias de la dialéctica marxista

Definir o conteúdo de uma categoria significa revelar seu lugar no sistema geral do materialismo dialético, as relações dessa categoria com as outras, já que somente nessas relações que ela adquire seu conteúdo. Em seu sistema, as categorias refletem a integridade e a unidade dos fenômenos do mundo material, e a íntima interrelação das categorias expressa as leis que regem o processo único do mundo. O sistema das categorias é necessário porque o próprio mundo é um sistema de fenômenos reciprocamente relacionados e redigidos por leis.

Antes de edificar um sistema de categorias, é necessário determinar estritamente os princípios em que é necessário de basear este sistema. Na solução deste problema, é preciso partir do princípio da coincidência dialética, da lógica e da teoria do conhecimento. Um princípio metodológico fundamental para a edificação de um sistema de qualquer ciência, de seus conceitos e categorias é a unidade do lógico e do histórico. A aparição desse princípio ao estudo das categorias e a estruturação das mesmas em sistemas significa que as categorias, em seu desenvolvimento e sucessão, devem refletir em forma reduzida e generalizada toda a história de sua formação e desenvolvimento. O materialismo dialético considera que no processo do movimento do abstrato ao concreto não se cria o próprio objeto, senão seu conhecimento concreto. A divisão entre ontológico e gnoseológico não existe no marxismo, pois está em contradição com a natureza das categorias filosóficas que tem um conteúdo, uma função e um fim determinado na trajetória do conhecimento em direção da verdade. Não existe divisão do ontológico e gnoseológico.

"Al principio aparecen momentáneas impresiones, luego destaca algo, más tarde se desarrollan los conceptos de calidad... (determinación del objeto o del fenómeno) y cantidad. A continuación el estudio y la meditación dirigen el pensamiento al conocimiento de la identidad – la diferencia – la base – la esencia versus el fenómeno – la causalidad, etc." – V. Lenin

O quadro traçado por Lenin não representa o processo da aparição no mundo da qualidade, da quantidade, da essência ou do fenômeno, senão o processo da apreensão consequente dos fenômenos e das leis do mundo objetivo na consciência do ser humano. Não há mais que uma solução: tomar como base, na confecção do sistema de categorias do materialismo dialético, o processo de desenvolvimento do conhecimento: do simples ao complexo e do abstrato ao concreto. Neste caso, o sistema de categorias da dialética estará, primeiro, em consonância com o próprio espirito da dialética: o princípio do desenvolvimento, e, segundo, será um sistema materialista, expressará o processo de apreensão pelo intelecto das leis mais gerais de todo movimento na forma de categorias.

Para a dialética, o principal do conhecimento é seu conteúdo objetivo. Ao estudar as mudanças que se produzem no conteúdo dos nossos conhecimentos, chegamos à compreensão das leis que regem o desenvolvimento dos próprios fenômenos objetivos.

"... Hay aqui, en efecto, objetivamente, tres términos: 1) La naturaleza; 2) el conocimiento humano = el cerebro del hombre (como producto superior de esa misma naturaleza), y 3) la forma en que se refleja la naturaleza en el conocimiento del hombre..." – V. Lenine

Em consonância com essas facetas objetivas do processo do conhecimento, pode-se edificar um sistema de categorias constituído por três partes. As categorias desse sistema teriam por objeto as facetas objetivas do processo do conhecimento. Todas as categorias refletem, de uma ou outra maneira, a natureza, que é a causa e o conteúdo de todos nossos conhecimentos. Na primeira parte se incluem as categorias do materialismo dialético que são consequência direta da solução dada ao problema fundamental da filosofia (a relação entre o ser e o pensar), de seu primeiro e segundo aspecto. A lógica interna do desenvolvimento dessas categorias consiste que mostram a aparição da consciência em uma determinada etapa.

{ matéria, interrelação, interação, movimento, desenvolvimento, espaço & tempo, reflexo, consciência psíquica & pensamento }

A segunda parte é constituída por categorias que representam a natureza e o pensamento, consideradas como o reflexo das leis mais gerais que regem a dinâmica da natureza e do pensamento, isto é, se trata de categorias que expressa, as leis da dialética.

{ todo & parte, o singular, o particular & o universal, identidade & diferença, causa & fenômeno, forma & conteúdo, lei, necessidade & causalidade, possibilidade & realidade, quantidade & qualidade, unidade & contradição, negação & negação da negação }

Na terceira parte incluem-se as categorias da dialética que refletem diretamente o processo do conhecimento e constituem a continuação lógica, a concretização e o desenvolvimento posterior dos aparatos anteriores, os quais, de certo modo, sintetiza. Vem a ser a continuação da primeira parte que termina na categoria do pensamento como reflexo do mundo objetivo. Na terceira parte se toma como ponto de partida o conceito da veracidade objetiva do pensamento e manifesta-se o conteúdo de todas as categorias que nos permitem compreender o caráter contraditório do devenir dos nossos conhecimentos em seu caminho em direção à verdade objetiva. As categorias dessa parte estão vinculadas à teoria de seu desenvolvimento e suas leis. Se revelam as categorias da chamada dialética subjetiva. As categorias dessa parte se distribuem tomando por base o princípio que permite compreender sobre que fundamentos e que formas surge o processo do conhecimento. As categorias refletem também a natureza, mas a partir do ângulo de seu conhecimento.

{verdade, prática, liberdade & necessidade, sujeito & objeto, o empírico & o teórico, análise & síntese, o lógico & o histórico, o abstrato & o concreto, o relativo & o absoluto, as formas de pensamento (juízo, conceito, raciocínio, teoria, hipótese, ideia, ciência) }

Este sistema de categorias expressa, ao juízo de Kopnin, a lógica do próprio objeto do materialismo dialético e o método de sua exposição.

4 - ⟪El pensamiento como objeto de la logica dialectica⟫

4.1 Lugar de la dialéctica en el estudio del pensamiento

Por mais que nem toda ciência tem por objeto imediato o estudo do pensamento, cada uma delas é enfrentada com a análise do pensamento, com o estudo das leis de sua evolução, ao tomar consciência de seus resultados. As ciências não podem deixar de se ocuparem em estudar o pensamento. A maturidade de uma ciência se determina pelo grau em que se conhece seus resultados e o método que emprega para conseguir e demonstrar a verdade. Neste sentido, toda ciência, além de seu objeto, trata de se autoconhecer, condição indispensável para uma apreensão mais profunda e frutífera das leis que estuda.

De todas as ciências que estudam o pensamento, a filosofia ocupa um lugar especial, precisamente a filosofia científica moderna: o materialismo dialético. Ele enfoca o pensamento de um modo substancialmente distinto de como fazem as outras ciências. A dialética estuda o pensamento desde um ângulo de sua relação com o mundo objetivo, estuda as leis de movimento em direção à verdade objetiva. Os ramos especiais do conhecimento científico exploram um aspecto isolado do pensamento, uma lei particular de seu desenvolvimento, as peculiaridades de certos tipos e formas de pensamento, de alguma etapa de sua evolução; tratam de apreender no pensamento algumas facetas e leis do mundo objetivo. O materialismo dialético estuda a natureza do pensamento como tal, sua relação com o mundo objetivo, que lhe dá vida, as diferenças entre o pensamento e outros fenômenos da realidade e as leis gerais que determinam seu desenvolvimento. Nenhuma ciência específica pode resolver o problema da natureza do pensamento como fenômeno social, determinar todos os aspectos de sua relação com a matéria, expor as leis gerais de seu movimento e suas formas no processo de obtenção do conhecimento verídico. A dialética, ao estudar o pensamento, não pretende obter uma compilação de dados sobre o mesmo, senão elaborar sua própria teoria, seus próprios conceitos sobre este fenômeno, que refletem, precisamente, aquilo que consiste o objeto da filosofia no pensamento. A missão da lógica dialética não é recompilar os dados de outras ciências, senão elaborá-los e utilizá-los na solução de seus problemas com o fim de criar sua própria teoria e seus próprios conceitos. Ademais, os conceitos que a filosofia elaborou sobre a natureza do pensamento e as leis mais gerais e seu desenvolvimento servem de método para que as ciências especiais estudem os diversos aspectos do mesmo.

4.2 Naturaleza del pensamiento: lo material y lo ideal, lo objetivo y lo subjetivo, lo fisiológico y lo psíquico

Ao determinar o pensamento, a dialética materialista extraí dele o básico e essencial, isto é, aquilo que diferencia o pensamento e seu movimento: 1) de outros fenômenos da realidade, e 2) de outras formas de reflexo. A definição mais geral do pensamento (derivada da teoria do reflexo leninista) é: o pensamento é o reflexo da realidade por meio das abstrações. O reflexo da realidade constituí o conteúdo do pensamento, sendo a abstração a forma desse conteúdo (!!). A atividade do pensamento está relacionada com a criação de uma determinada imagem cognitiva. A existência desta imagem e suas peculiaridades, destacam o pensamento de outros fenômenos da realidade. Portanto, o estudo da natureza do pensamento tem que começar pela definição da essência da imagem cognitiva, pelo esclarecimento de suas relações com aquilo do qual é imagem (o mundo objetivo).

A imagem cognitiva e o objeto nela refletido formam uma unidade de contrários. A unidade entre o conteúdo do pensamento e o objeto que reflete consiste no fato que o pensamento reflete as propriedades do objeto, mas não possuí em nenhuma medida essas propriedades. Entre o conteúdo do pensamento e do objeto que reflete há uma diferença de princípio, que se conhece como a diferença entre o material e o ideal.

"... lo ideal, no es otra cosa que lo material transplantado a la cabeza del hombre y transformado en ella." – K. Marx

Assim, a imagem cognitiva que nosso pensamento proporciona a nós não é algo material ou ideal especial, não é o símbolo desta coisa, senão um reflexo na consciência do ser humano, a imagem ideal do material. Essas categorias (material e ideal) são as categorias elaboradas pela filosofia que estabelecem a unidade entre a imagem cognitiva e o objeto e, ao mesmo tempo, sua diferença de princípio (notem a afirmação e negação mútua e recíproca). Outras categorias importantíssimas para a gnoseologia marxista, diferentes das categorias de ideal e material, são sujeito e objeto. O sujeito é o indivíduo que conhece e modifica o mundo material ao redor dele. Para o materialismo dialético, o sujeito é o ser humano social com toda sua atividade racional, incluindo o pensamento. Precisa-se compreender o ser humano como sujeito e a diferença ai implicada de outras formas de movimento da matéria (ao contrário do que faz o materialismo vulgar). As coisas do mundo material são os objetos da atividade do ser humano. Este pode estabelecer diversas interrelações com o objeto: 1) práticas, e 2) teóricas. A prática introduz as coisas do mundo material na esfera do sujeito e as converte em objetos. Chamamos de prática uma interação do sujeito e o objeto durante a qual se modificam tanto o objeto quanto o sujeito. O ser humano conhece as coisas no mundo porque influí sobre elas no processo de sua atividade prática (um ser do trabalho (auto)humanizador --> AVP)). A relação do ser humano com os objetos da vida real é recíproca: o ser humano atua sobre a natureza e os objetos desta atuam sobre ele. O pensamento vem a ser a relação teórica entre o sujeito e o objeto durante a ação prática do ser humano sobre a natureza, as propriedades das coisas materiais se refletem na consciência humana. O pensamento não separa o sujeito do objeto, mas os une(!). Está união consiste em que, graças ao pensamento, se cria uma imagem subjetiva do mundo objetivo.

Porque dizemos (Kopnin) que o pensamento é subjetivo? Primeiro, porque pertence ao ser humano enquanto sujeito. Não existe pensamento objetivo desvinculado da atividade de algum sujeito [1) O pensamento ocorre no sujeto humano]. Segundo, o resultado do pensamento é a criação somente de uma imagem ideal do objeto, não uma criação do próprio objeto como tal [2) O pensamento cria uma imagem, não uma cópia]. Terceiro, o objeto se reflete no pensamento com um diverso grau de plenitude, correspondência e profundidade de penetração em sua essência [3) O pensamento deforma a realidade]. Mesmo assim, o pensamento é objetivo, já que em seu desenvolvimento tende a criar uma imagem ideal que reflete o objeto com a máxima plenitude e fidelidade [O pensamento só é verdadeiro em seu processo]. O pensamento aspira em ser subjetivo para ter um conteúdo adequado ao objetivo, para por manifestadamente as propriedades do objeto tal como existem à margem do pensamento! A dialética materialista descobre as leis mais gerais que presidem a dinâmica do pensar no processo de apreensão da verdade objetiva, as leis de trânsito de uma imagem cognitiva a outra mais completa e profunda 🚂. Dialética objetiva e dialética subjetiva se conectam (talvez herança da Naturphilosophie --> falar com Osvaldo Pessoa): as leis do movimento da imagem cognitiva do objeto (subjetivo, pois ocorre no sujeito), das leis do pensar, são comuns às leis que presidem o movimento do próprio objeto (objetivo, pois ocorre no objeto), uma vez que o pensamento se move na esfera de seu conteúdo objetivo. [Tese necessária para a unidade entre ontologia e gnoseologia]. Porém, há diferenças entre essas esferas. A trajetória do próprio objeto está vinculada às mudanças de sua natureza material, uma forma de movimento da matéria pode-se transformar em outra ou um objeto em outro, dotado de propriedades materiais [imagino que este seja o devenir do mundo objetivo]. O devenir do pensamento leva a substituição de uma imagem cognitiva por outra, ao passo do não-saber ao saber, de um conhecimento unilateral e pouco profundo do objeto a outro profundo e completo. Porém, o conhecimento das leis que regulam a dinâmica dos próprios objetos da realidade constituí o ponto de partida na compreensão das leis que movem nosso pensamento, mas estas, por sua vez, são um reflexo das leis da dinâmica dos próprios objetos.

Entremos aqui em outro aspecto importante: a relação entre o pensamento e o cérebro. Para expressar as relações entre o pensamento e o cérebro, como seu substrato material, a filosofia elaborou as categorias de psíquico e fisiológico. A fórmula geral da solução do problema relativo às relações recíprocas do pensamento (o psíquico) e o cérebro (o fisiológico) é a seguinte: o psíquico não é a imagem ideal ou subjetiva do fisiológico, senão sua propriedade. Por consequência, a relação entre o pensamento e o cérebro equivale a relação entre as propriedades da matéria e a matéria propriamente dita. O pensamento como propriedade da matéria, igual a suas outras propriedades, existe na realidade; não se trata de uma propriedade refletida no cérebro, senão que é a própria propriedade, a qualidade essencial do cérebro como forma especial de existência da matéria. O monismo do materialismo dialético parte do princípio que só existe a matéria, em diversas formas e classes, dotada de diversas propriedades. A peculiaridade qualitativa, singular do pensamento como propriedade do cérebro, reside em sua capacidade de reproduzir a realidade exterior nas imagens de uma forma concebível. A relação entre o pensamento e o cérebro não é um problema especificamente filosófico, senão, fundamentalmente, científico-natural. (!!!)

A questão do material e do ideal está justificada quando se trata de encontrar a solução do problema fundamental da gnoseologia, isto é, a relação que há entre nosso pensamento, seu conteúdo e o mundo real. O materialismo dialético não estuda as leis concretas, específicas de uma ou outra forma de movimento da matéria (isto é objeto das ciências especiais). O materialismo dialético tem por objeto o estudo das leis mais gerais de movimento, próprias de todas as formas da matéria (EXISTEM???). Assim, o pensamento não constituí o objeto da filosofia (é um movimento específico da matéria). A filosofia, neste caso, se limita a resolver o problema geral das relações entre o pensamento e a matéria pensante. O materialismo dialético estuda as leis da dinâmica e desenvolvimento do pensamento como uma forma determinada do conhecimento da realidade.

4.3 Naturaleza social del pensamiento. Papel del llamado "pensamiento mecánico"

Naturalmente, o pensamento depende do órgão do pensamento, o cérebro, mas não somente dele. O próprio órgão do pensamento, o cérebro humano, está mediatizado pela prática socia. A natureza biológica do ser humano, em geral e em seu cérebro em particular, se modificou e se modifica pela ação da prática social; o cerebro e seus órgãos sensoriais não são somente resultados da evolução biológica, senão também de mudanças sociais. O pensamento é uma forma da atividade específica do ser humano, é uma atividade espiritual, teórica.

"Al principio la producción del ideas, representaciones, la consciencia estaba directamente entrelazada con la actividad material y en la relación material de los hombres, en el lenguaje de la vida real. La formación de las representaciones, el pensamiento, la relación espiritual es todavia producto directo de la relación material de los hombres." "A partir de ese momento, la conciencia puede imaginarse verdaderamente que no es otra cosa que el conocimiento consciente de la prática existente, que se puede representar verdaderamente alguna cosa sin representarse algo efectivo; a partir de ese momento la consciencia puede emanciparse del mundo y pasar a constituir la teoria «pura», la teología, la filosofia, la moral, etc." – K. Marx

Mas a independência, a autonomia do pensamento como atividade espiritual frente a relação prática do ser humano com o mundo objetivo é relativa; em qualquer caso, o pensamento não é outra coisa que o conhecimento consciente do ser, seu conteúdo continua sendo o mundo objetivo. A gnoseologia estuda o pensamento como um processo de atividade espiritual do ser humano, dirigido a obtenção de novos resultados. O desenvolvimento do pensamento equivale ao desenvolvimento da imagem cognitiva, ao movimento do não-saber ao saber. O pensamento possuí sua lógica interna de desenvolvimento, vinculada à prática, mas relativamente independente. O desenvolvimento do pensamento possuí sua lógica e leis próprias também. Está vinculado à formação de teorias e conceitos novos, ao avance de ideias, quer dizer, à superação das antigas representações teóricas gerais, à formação de uma nova qualidade. Enquanto a teoria não se modifica, não pode-se converter uma teoria em outra, superior a ela, baseada num nível novo, mais elevado, de desenvolvimento de prática, em uma nova experiência do conhecimento da realidade.

O desenvolvimento da teoria não somente incluí o avanço dos conceitos já conhecidos, senão também sua superação, isto é, a formação de teorias substancialmente novas baseadas nas novas experiências do conhecimento e da prática. O ser humano, no processo de pensar, se apoia em todos os conhecimentos anteriores, estabelecidos e consolidados em determinadas formas e categorias. Em alguns casos o pensamento avança apoiando-se nas noções e categorias já existentes e dentro dos seus limites, em outros casos, o pensamento chega, baseando-se em noções antigas e categorias anteriores, a resultados novos por princípio; se produz um salto na dinâmica de pensar, se formam novas categorias.

O desenvolvimento do pensamento permite que o ser humano apreenda também o próprio processo de pensar, além do mundo exterior e suas leis. A autoconsciência, o conhecimento consciente dos resultados obtidos é imprescindível para a solução do problema fundamental, quer dizer, para chegar a um conhecimento mais completo, objetivo e verídico do mundo exterior. O autoconhecimento não é um fim em si, senão um meio para desenvolver e aperfeiçoar o pensamento que apreende as leis objetivas da natureza e da sociedade. O pensamento como atividade espiritual é um processo dirigido a um fim determinado. Finalidade: o ser humano, ao pensar, põe certos fins que tem valor objetivos e são originados pelas necessidades práticas. Ao perseguir esses fins determinados, o ser humano coloca e resolve o problema do conteúdo das relações entre o pensamento e a realidade objetiva.

O processo de pensamento se baseia em palavras e proposições que constituem a forma de existência material sensorial do ideal, da abstração.

Quando falamos do "pensamento mecânico" (de máquinas) o correto não é tratar de se a máquina pensa ou não, ou das diferenças que há entre o pensamento humano e o mecânico, mas sim e estabelecer como a máquina ajuda o ser humano a pensar, como substituí o ser humano e suas ações no processo de pensamento. O pensamento surge como resultado da ação do objeto sobre o sujeito: o ser humano. O ser humano entra em relações recíprocas com o objeto não como um ser puramente biológico, mas sim como um ente social, com todo aquilo que constituí sua nova qualidade em comparação com o animal mais altamente organizado. Qualquer máquina calculadora está construída na base de um esquema (de um padrão) cujos limites não pode ultrapassar. Nela se calcula e mecaniza um processo lógico, um esquema de deduções mediante uma determinada operação matemática. Por isso, um processo profundo e múltiplo aparece na máquina de forma esquemática e reduzida. Utilizando os resultados da lógica moderna matemática, que separa do processo dedutivo seus esquemas sensíveis, o ser humano mecaniza o processo usual da dedução de um raciocínio a outro. A máquina não opera com as imagens ideais dos objetos, mas sim somente com toda classe de sinais sensíveis, com seu conteúdo material unicamente; o resultado da ação da máquina é um sistema determinado de manchas, sinais, chamadas, etc. Porém é o ser humano quem, no processo de pensamento com ajuda da máquina, que interpreta os resultados desses sinais, quem os relaciona com uma determinada significação. A máquina opera com sinais segundo às leis da lógica formal do pensamento. A máquina pode, de certa forma, imitar, copiar o pensamento humano e o ser humano utiliza esta possibilidade. Confiamos à máquina uma parte das funções que o ser humano diretamente realizava antes no processo do pensamento e ela às cumpre com rapidez e exatidão.

A utilização das máquinas no processo do pensamento é a prova mais a favor de sua natureza social. A própria máquina está mediatizada pelo pensamento e a prática social, já que é resultado do progresso da ciência e a técnica da sociedade humana; na máquina toma corpo os resultados do pensamento humano. Quanto mais perfeito é o pensamento, mais complicada é a máquina. Quando surgirem novas teorias científicas, surgirão também novas máquinas construídas a base delas, que cumprirão novas funções e servirão para que o ser humano possa aprofundar ainda mais nos segredos da natureza e no próprio processo do pensamento. As máquinas ditas "pensantes", consequência do progresso da prática e do pensamento humanos, contribuem para o desenvolvimento do pensamento; ademais, as máquinas ajudaram o ser humano na realização do processo mental em suas diversas manifestações: tanto na solução de problemas ja postos antemão, como na posição e solução e novos outros. As máquinas também podem ajudar o ser humano em sua atividade criadora, já que esta depende, além disso, de certas leis que se apreendem e expressam em uma determinada forma, graças ao qual podem ser reproduzidas na máquina. A máquina pode ajudar o ser humano a entender o próprio processo do pensamento.

4.4 El pensamiento y la experiencia sensible: lo empírico y lo teórico, lo concreto y lo abstracto

O problema mais importante que a dialética tem no estudo do pensamento é de precisar seu lugar no avanço do conhecimento científico, esclarecer a correlação de seus diversos fatores: o sensorial e o racional, o empírico e o teórico, o abstrato e o concreto.

O empirismo estimava justamente que todo nosso conhecimento tinha, em última instância, origem sensível; o sensualismo é a faceta verídica do empirismo. Porém, não se contenta com afirmar que a origem e a base dos conhecimentos reside nos sentidos, mas vai além: limita a esfera do conhecimento humano aos dados obtidos pela experiência direta unicamente. Os racionalistas tinham razão quando enfatizavam o papel ativo do pensamento no processo do conhecimento, suas características peculiares em comparação com a experiência sensorial. Porém o racionalismo também pecava de unilateralidade, rebaixava a importância da experiência sensorial como fonte de todos nossos conhecimentos do mundo exterior. O dualismo de Kant consiste em que reconhece as fontes do saber, independentes entre si: uma relacionada com a experiência e outra, à margem dela. Por isso, as concepções de Kant nesse problema constituem uma espécie de compromisso entre o empirismo e o racionalismo, compromisso baseado no racionalismo em sua forma apriorística.

O problema da correlação entre o sensível e o racional no conhecimento pode resolver-se corretamente somente pela base da dialética materialista, considerando o sensorial e o racional como uma unidade de contrários. A unidade do sensorial e do racional não são duas fases, mas sim dois fatores, que compõe nossos conhecimentos sobre o mundo exterior. A unidade entre o sensorial e o racional no processo do conhecimento não significa que um se deriva do outro, mas que tanto um como o outro participam obrigatoriamente no nosso conhecimento. Qualquer que seja o nível do nosso conhecimento, ou a fase em que se encontra, consiste sempre na unidade do sensorial e do racional. Os sentidos vinculam o ser humano com o mundo exterior. Todos os nossos conhecimentos provém, ao fim e ao cabo, das sensações e percepções; o ser humano não possuí outras fontes nem canais de união com o mundo exterior. Cabe dizer que o sensorial não somente antecede o racional no tempo, senão todo conhecimento humano. Ademais, seja qual for o conhecimento humano, ele está mediatizado pela prática anterior. A prática e o pensamento transformaram a experiência sensível do ser humano, introduziram nela mudanças essenciais e por isso o conhecimento, em qualquer de suas fases, incluí sempre, em um ou outro grau, elementos de elaboração racional dos dados sensoriais e, neste sentido, é sempre pensamento. Todo o processo do conhecimento vem a ser a interrelação e a interação do sensorial e o racional. Com o ser humano, aparece uma fase especial do conhecimento, a racional; graças a ela, todo, incluindo os resultados dos reflexos sensoriais da realidade, adquirem a forma de pensamento.

Ainda que o empírico e o teórico estão vinculados com o sensorial e o racional, representam categorias autônomas que servem para expressar outras leis do processo de conhecimento: o desenvolvimento lógico do conhecimento humano de um nível e um conteúdo a outro mais elevados; neste sentido constituem etapas do conhecimento. O conhecimento empírico se vincula aos sentidos, já que seu conteúdo fundamental é formado pelos dados sensoriais, ainda que inclua a elaboração racional desses dados e ultrapasse seus límites em partes. O conhecimento teórico é a etapa mais elevada no desenvolvimento lógico do saber científico; seu conteúdo principal se determina pelos resultados da elaboração racional do conhecimento prático, ainda que siga conservando seu nexo com este último. A tese leninista de que o conhecimento passa "da contemplação viva ao pensamento abstrato e deste à prática" nos permite dividir o conhecimento humano em duas etapas: sensorial e racional. A contemplação viva ou empírica é o conhecimento humano no qual se incluí o pensamento racional, mas quando este não constituí ainda seu conteúdo, senão que se determina pelos resultados do reflexo sensorial. O pensamento abstrato (conhecimento teórico) experiencia mudanças qualitativas de seu conteúdo na criação da própria imagem cognitiva.

É inadmissível a identificação das categorias do sensorial com o empírico e do pensamento racional com o abstrato (teórico), já que cada par de categorias possuí seu próprio conteúdo e existe para expressar um certo aspecto na dinâmica do conhecimento. O teórico e o empírico se diferenciam pelo conteúdo da imagem cognitiva criada por eles, pela profundidade de sua penetração na essência do objeto, pelo papel e grau da participação do fator sensorial e racional na reprodução do objeto. O empírico e o teórico são suas etapas qualitativamente distintas no conhecimento da realidade. O empírico é sensorial por seu conteúdo e racional por sua forma. Nessa etapa do conhecimento, o papel do pensamento está muito limitado, não constituí um meio para conseguir resultados novos, distintos por princípio, inacessíveis à sensação, percepção e representação, senão que facilita a expressão racional, humana, do conteúdo alcançado por meio dos sentidos. A existência do racional, porém, não somente caracteriza a representação, senão também outras formas da experiência sensorial do ser humano. Por isso não há motivos suficientes para excluir a representação do marco do conhecimento empírico, já que o conteúdo fundamental da representação tem caráter concreto e sensorial. Ademais, o pensamento dirige a atividade do ser humano na observação empírica da realidade, lhe indica aonde mirar, o que deve observar e reter. As hipóteses iniciais desempenham este papel diretor que antecedem as construções teóricas, resumidamente, a experiência sensorial do ser humano está mediatizada por toda a atividade prática e teórica, se subordina a ela; por isso o estudo empírico da realidade é sempre consciente no ser humano.

4.5 Veracidad objetiva del pensamiento: lo absoluto y lo relativo, lo teórico y lo práctico

A lógica dialética estuda a dinâmica do pensamento em direção à verdade. É o estudo do processo em direção daquilo que é objetivo. Por muito tempo, admitia-se a definição clássica de Aristoteles sobre a verdade. Segundo essa definição, a verdade é um juízo que corresponde à realidade. Na ideia aristotélica da verdade havia uma tendência materialista. A insuficiência deste conceito de verdade radica em sua indeterminação, já que os conceitos de "correspondência" e "realidade" podem ser interpretados de modos distintos. De fato, tanto os materialistas quanto os idealistas partiam dessa definição aristotélica, mas conferiam conteúdo distinto ao conceito de "objeto" e "realidade".

"Y por lo que se refiere, ante todo, a la verdad o a la mentira, la verdad es el contacto (con el ser)... y se opone a la verdad (el desconocimiento), que es la falta de este contacto" – Aristoteles

A ideia marxista da verdade incluí, antes de tudo, a tese de objetividade. A ideia marxista da verdade se diferencia substancialmente da interpretação da do idealismo subjetivo e objetivo. A verdade é subjetiva no sentido que constituí um conhecimento humano, mas é objetiva porquanto o conteúdo do conhecimento verdadeiro não depende nem do ser humano nem da humanidade. A atitude frente aos juízos que se podem comprovar ou cuja veracidade já está demonstrada é distinta daqueles que a ciência não demonstrou ainda ou não conhece ainda os meios precisos para demonstrá-los. É preciso saber distinguir estritamente dois aspectos: 1) o que constituí a veracidade de um juízo, do que depende essa veracidade e o que determina o conteúdo do nosso pensamento; 2) por qual método, por qual meio se estabelece a veracidade do pensamento, de que modo se demonstra a veracidade do juízo. Estes dois aspectos estão vinculados entre si, mas não se deve confundir nem substituí-los reciprocamente.

Determinar se um juízo é verídico ou falso, significa analizar com detalhe seu conteúdo, estabelecer se tem caráter objetivo, independente do ser humano, da humanidade, e também dos modos e meios existentes de comprovação, de demonstração. Fazer o conteúdo do pensamento depender dos modos e meios de comprovação significa negar seu caráter objetivo, sua independência com respeito ao ser humano e a humanidade. O conteúdo de um juízo está determinado pelo mundo objetivo, pelas leis da dinâmica de seus fenômenos. A demonstração não modifica o conteúdo objetivo dos juízos, mas influí de um modo essencial em nossa atitude com eles. A demonstração tem enorme importância, pois nos permite adquirir plena consciência da verdade do juízo, nos convencer que se reflete corretamente a realidade objetiva. O modo de demonstração não constituí o conteúdo de um juízo, este é constituído pela representação da realidade objetiva.

A solução do problema da chamada veracidade formal e material do pensamento se faz estritamente vinculada ao problema das relações entre a demonstração e a veracidade objetiva. A concepção das duas verdades, a material e a formal, parte da negação da veracidade objetiva do pensamento, vem a ser a continuação lógica da ideia que a verdade depende da demonstração. A dialética materialista não divide a verdade em formal e material; não reconhece mais que uma verdade: a objetiva. Um juízo é verdadeiro porque reflete o mundo objetivo. A correlação de um juízo e outro não converte um juízo em verídico por si mesma, mas contribuí para fixar e demonstrar a veracidade do conteúdo do pensamento. Assim, a correção formal não é mais que um fator imprescindível na dinâmica do nosso conhecimento em direção à verdade, em direção ao conhecimento consciente da veracidade objetiva do pensar; não é autônoma nem constituí uma forma independente especial da verdade, e sim está submetida e se deduz das leis que regulam o avanço do pensamento em direção à consecução de um conteúdo que tem caráter objetivo.

A dialética materialista parte do reconhecimento de que a verdade objetiva é um processo na dinâmica do pensamento:

"La coincidencia del pensamiento con el objeto es un processo: el pensamiento no debe representarse la verdad en forma de algo estático y sin vida, en forma de un cuadro simple (una imagen pálida, apagada), sin aspiraciones, sin movimiento, como un genio, como una cifra, como un pensamiento abstracto." – V. Lenine

As peculiaridades da verdade como processo se expressam pelas categorias da verdade absoluta & relativa. As categorias do absoluto e o relativo tem sido elaboradas pela filosofia para refletir alguns aspectos gerais do processo de todo movimento e tem conteúdo objetivo. O absoluto expressa o estável e invariável no fenômeno, e o relativo, o variável e transitório. Durante o processo de transito de um ao outro nem tudo se modifica; algo se mantém, se conserva, com a particularidade de que o invariável em algumas condições varia em outras. Por isso, o próprio absoluto é relativo e no relativo se manifesta o absoluto. Absolutamente absoluto somente o movimento da matéria. A unidade do absoluto e relativo é inerente tanto ao desenvolvimento dos fenômenos do mundo objetivo como ao pensamento que é, ao mesmo tempo, absoluto e relativo. O caráter absoluto do pensamento radica na objetividade do seu conteúdo. O absoluto no pensamento é tudo que existe nele de objetivo.

"Ser materialista significa reconocer la verdad objetiva, que nos es descubierta por los órganos de los sentidos. Reconocer la verdad objetiva, es decir, independiente del hombre y de la humanidad, significa admitir de una manera o otra la verdad absoluta" – V. Lenine

O pensamento é absoluto porque se move em direção à verdade objetiva e somente nesse movimento adquire seu caráter absoluto, soberano. O pensamento é absoluto por sua origem e tendência; está em condições de apreender o mundo existente, já que nos órgãos e objetos do conhecimentos não há limites para o intelecto. Mas, se examinarmos os resultados concretos do pensamento, veremos que são relativos, variáveis, que refletem a realidade de um modo incompleto, aproximado. A contradição entre a capacidade do nosso intelecto de apreender tudo e a impossibilidade de que essa capacidade seja realizada por diversas pessoas em uma determinada etapa do movimento, se expressa concretamente em cada resultado do pensamento que é, ao mesmo tempo, absoluto e relativo.

A verdade absoluta e a verdade relativa são duas formas da verdade objetiva, que expressam diversos graus de conhecimento do mundo objetivo pelo ser humano. A dialética materialista, baseando-se em toda a história do desenvolvimento do saber, estabeleceu que o conhecimento humano pode chegar a ser absoluto através do relativo unicamente.

"... el pensamiento humano es, por su naturaleza, capaz de darnos y nos da, en efecto, la verdad absoluta, que resulta de la suma de las verdades relativas. Cada fase del desarrollo de la ciencia añade nuevos granos a esta suma de verdad absoluta; pero los límites de la verdad de cada tesis científica son relativos, tan pronto ampliados como restringidos por el progresso ulterior de los conocimientos" – V. Lenine

A verdade absoluta e a verdade relativa não se diferenciam entre si por sua origem, senão pelo grau de precisão e plenitude com que refletem o mundo objetivo; vem a ser os elementos de uma verdade única, a objetiva, que existe em forma de processo, de movimento. A verdade é o processo do pensamento; o conteúdo deste processo é o movimento em direção ao objetivo, o absoluto.

O relativismo é fruto do próprio progresso da ciência, em suas mudanças revolucionárias, da substituição de conceitos e das teorias velhas por outros novos. Aqui, origina-se uma situação peculiar paradóxica, contraditória: a ciência apreende e domina os processos mais sutis da natureza; descobre cada vez novos mistérios, mas, teoricamente, filosoficamente, essas realizações são interpretadas da mesma forma que antes, não se avança nenhum passo. O progresso da ciência dá origem em uma parte da humanidade à desconfiança de sua força e poder, na capacidade do intelecto humano de penetrar os mistérios da natureza. A fonte gnoseológica do relativismo é o caráter contraditório e complexo da dinâmica do conhecimento em direção à verdade objetiva. O processo do conhecimento é complexo e contraditório. Cada avanço seu proporciona à humanidade novos conhecimentos, mas a convence, ao mesmo tempo, que ainda existem muitas coisas desconhecidas e que os conhecimentos anteriormente adquiridos são incompletos. O relativismo deforma o caráter contraditório do processo do conhecimento e estuda somente um aspecto do mesmo, isto é: que a ciência, ao descobrir que as antigas teorias não são de todo verídicas, tropeça com grandes dificuldades na interpretação dos novos fenômenos e, portanto, não está em condições de explicar-las de um modo completo e imediato.

O processo do pensamento modifica tanto o caráter da própria ciência como a atitude dos cientistas à frente de suas conquistas. Por exemplo, a ciência dos séculos XVII e XVIII não aspirava em formular hipóteses, senão a descobrir com exatidão matemática a natureza, descrição que se baseava nos conhecimentos experimentais, ainda que objetivamente não podia evitar a hipótese. Os cientistas daquele tempo, então, não duvidavam de que as leis descobertas por eles tinham caráter absoluto. A ciência moderna, em contrapartida, tem outro caráter e os cientistas considera de outro modo os resultados de seus pensamentos. Se antes se mantinha uma atitude de receio, com certa dose de desperdício, com as teorias de caráter hipotético, agora, se olha com desconfiança ia teoria que careça de elementos hipotéticos e se apresente como uma verdade definitiva em última instância. A ausência da hipótese é considerada como uma prova que a teoria é incapaz de desenvolvimento posterior e aperfeiçoamento. A base da mecânica clássica, os físicos dos séculos XVII e XVIII criaram um determinado quadro físico do mundo que, para seu tempo, tinha caráter definitivo. Tudo era bastante simples e compreensível neste quadro. A física moderna não somente não tem um quadro simples e compreensível do mundo, senão que nem sequer pode apresentar uma concepção mais ou menos definitiva sobre o mundo na qual se reunam, com base de uma ideia determinada, todos nosso conhecimentos sobre a matéria, suas diversas classes e formas. {Este livro foi escrito em 1960s e o Standard Model saiu em 1970}

A gnoseologia tem o dever de interpretar de um modo correto, filosófico, o caráter do pensamento científico atual, sua natureza e as leis de seu desenvolvimento. Tanto a dialética materialista quanto o relativismo compreendem de diferentes maneiras o próprio conteúdo do processo do conhecimento.

"... la diferencia entre el subjetivismo (escepticismo y sofística, etc.) y la dialéctica radica, entre otras cosas, em que también en la dialéctica (objetiva) es relativa la diferencia entre lo relativo y lo absoluto. Para la dialéctica objetiva en lo relativo hay lo absoluto. Para el subjetivismo y la sofística lo relativo no es más que relativo y excluye lo absoluto." – V. Lenine

O relativista sublinha a tese que o saber é um processo cujo fim é demonstrar que a ciência não pode ter conhecimentos objetivamente verídicos. O relativismo é dialético em sua forma, mas metafísico por sua essência. Para a dialética materialista, o processo do pensamento possuí um conteúdo determinado, independente da consciência humana. O pensamento não se move no sentido de uma constante sucessão de representações e opiniões subjetivas, senão na esfera do desenvolvimento do conteúdo objetivo. A relatividade dos conhecimentos humanos demonstra seu desenvolvimento, sua vitalidade, sua capacidade de adquirir um novo conteúdo objetivo e não sua impotência e impossibilidade de dominar os fenômenos e os processos do mundo exterior. Ademais, a própria relatividade é relativa, isto é, não é mais que um elemento, porém não o único, na dinâmica do conhecimento. No próprio relativo existe o absoluto e somente através do relativo se alcança o absoluto: o mundo objetivo.

"La dinámica materialista de Marx y Engels comprende ciertamente el relativismo, pero no se reduce a él, es decir, reconoce la relatividad de todos nuestros conocimientos, no en el sentido de la negación de la verdad objetiva, sino en el sentido de la condicionalidad histórica de los limites de la aproximación de nuestro conocimiento a esta verdad" – V. Lenine

Os fenômenos e as leis do mundo exterior constituem a base e o conteúdo objetivo do processo do conhecimento. Através do relativo, das diversas verdades relativas, se apreende o absoluto, a completa e definitiva verdade objetiva. O conhecimento humano pode ser seguro e verídico, realmente irrefutável, porém não desvinculada do processo efetivo do pensar em seu devenir, em forma estática, senão em seu próprio movimento, no processo eterno de aquisição de conteúdo novo. Ademais, a verdade absoluta e a irrefutabilidade à margem da dinâmica do conhecimento humano é uma abstração.

Os juízos de todas as ciências tem conteúdo objetivo, estão vinculados de um modo direto ou mediado ao reflexo do mundo objetivo e suas leis. Ademais, a veracidade e a probabilidade são características de todos os juízos, independentemente do objeto que refletem. O verídico e o provável não estão separados entre si; como todas as contradições dialéticas se penetram reciprocamente, se convertem em seu contrário.

"Verdad y error, como todas las determinaciones del pensamiento que se mueven en contraposiciones polares, no tienen validez absoluta más que para un terreno extremadamente limitado... En cuanto que la aplicamos fuera de aquel estrecho ámbito antes indicado, la contraposición de verdad y error se hace relativa y, con ello, inutilizable para un modo de expresión rigurosamente científico" - F. Engels

A verdade, como processo da dinâmica do pensamento, não excluí a possibilidade do erro, da separação da realidade. A verdade é um processo da dinâmica do pensamento que, apesar de carregar implicitamente a possibilidade do erro, segue o caminho de reflexo objetivamente verídico da realidade. O erro, em oposição à verdade, segue um caminho falso, que deforma o reflexo da vida real. Neste sentido, a verdade e o erro, pela tendência e pela direção em que se move o pensamento, constituem processos contraditórios, ainda que o conteúdo verídico possa manifestar mais tarde alguma faceta errônea e o erro possa incluir alguns elementos da verdade. O mesmo ocorre com a probabilidade e a veracidade. O provável não é provável unicamente, senão que é, ao mesmo tempo, verídico. Todo conhecimento provável na ciência descansa em algo verídico. Por outro lado, a veracidade não excluí a probabilidade. O pensamento em desenvolvimento incluí um certo fator de probabilidade, de aproximação. Ao se estabelecer algo verídico, põe-se uma nova pergunta, enuncia uma suposição que exige ser comprovada e demonstrada. Apoiando-se na demonstração, o provável se converte em verdadeiro e o verdadeiro origina uma nova probabilidade. No processo do pensamento, o provável e o verdadeiro estão vinculados entre si, se condicionam reciprocamente.

Não se deve confundir as categorias de verdade e erro com as categorias do provável e o verdadeiro; cada par de categorias tem seu próprio conteúdo. As categorias da verdade e do erro caracterizam nosso conhecimento desde o ponto de vista de seu conteúdo, do modo como se reflete a realidade exterior na nossa mente, de se sua imagem corresponde à realidade ou se nosso intelecto a deformou, introduzindo nela propriedades, relações e leis que não lhe correspondem. Para caracterizar o conteúdo do pensamento, porém, não basta especificar se o conhecimento segue o caminho da verdade ou do erro. Os resultados do pensamento devem ser apreciados com maior detalhe, analisados com mais profundidade a fim de estabelecer até que grau de plenitude, profundidade e precisão o objeto que se estuda foi refletido em uma ou outra teoria. Com o propósito de concretizar nossos conhecimentos sobre o pensar como processo e seus resultados, cria-se as categorias do absoluto e relativo de um lado, e do verídico e o provável de outro.

O verídico e o provável, tal qual o absoluto e o relativo, são elementos da dinâmica do pensar em seu caminho em direção à verdade objetiva. Porém a veracidade e a probabilidade caracterizam o pensamento desde um ponto de vista distinto do absoluto e do relativo. Naquelas categorias os resultados do pensar são apreciados somente a partir de um ângulo de sua exatidão e demonstrabilidade. O conhecimento provável se refere a um grau de exatidão e demonstrabilidade e o verídico a outro, mais elevado. No processo dinâmico do pensamento, a probabilidade se converte em certeza e esta última origina uma nova probabilidade. Neste sentido, à probabilidade lhe corresponde um papel ativo na assimilação do objeto, na apreensão de suas próprias qualidades. Ao expressar um nível determinado de conhecimento do objeto, sua apreensão até certo limite, o juízo provável contribuí para conseguir a verdade objetiva em seu aspecto mais completo e definitivo. Por consequência, a probabilidade e a veracidade são elementos subordinados da verdade objetiva; a probabilidade não deve ser isolada da verdade, nem colocada oposta a ela; é um meio para que nosso conhecimento passe da verdade relativa à verdade absoluta. O papel da probabilidade pode ser entendido se se analisam as leis que regulam a apreensão pelo o entendimento de um conteúdo objetivo verídico.

O objetivo, o absoluto e o relativo, a veracidade e a probabilidade são definições da verdade como algo concreto. Essas categorias expressam a verdade como um processo de aprofundamento do conhecimento na essência do objeto. A verdade se desenvolve constantemente, e graças a isso o concreto é apreendido em toda sua concretude. O processo de concretização do pensamento é contraditório. [Ver Kosik].

O critério da veracidade objetiva do pensamento é a prática. O pensamento como nexo teórico entre o sujeito e o objeto surge e se desenvolve com base de sua interação prática que se distingue pelas seguintes particularidades:

  1. Tem caráter material. A prática não é uma relação lógica, senão sensorial-concreta, material. Os resultados da interação prática são acessíveis, direta ou indiretamente, à contemplação empírica, porquanto tem como efeito a modificação do objeto e, ao mesmo tempo, o sujeito.
  2. A prática é uma forma de atividade especificamente humana de interação entre o ser humano e os fenômenos da natureza. O ser humano não aparece como indivíduo senão como membro da sociedade.
  3. O prático é a atividade congruente do ser humano.

A importância da prática na dinâmica do pensamento é multifacetada: constituí a base do pensamento, determina seu objetivo e é o critério da verdade. Esses três aspectos da prática em sua relação com o pensamento estão intimamente vinculados entre si. O pensamento surge das necessidades práticas e serve as necessidades da prática. Os fins que o ser humano estabelece durante a investigação do objeto adquirem significado objetivo, se relacionam com o mundo objetivo através da prática. A prática determina as necessidades do

Formas de Movimento do Intelecto

Dialética do Concreto; Karel Kosik

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Paz e Terra, 1969

Título Original: Dialektika Konkrétního (1963)

Leitura: Dezembro 2023 – atual

Acompanhamento

Fichamento com bastante cópia

Karel Kosik

Dialética da Totalidade Concreta

O Mundo da Pseudoconcreticidade e sua Destruição

O objeto da dialética é a coisa-em-si, que não se manifesta imediatamente ao ser humano - é mediada na perspectiva do ser humano. Desta forma, o pensamento dialético diferencia entre representação e conceito da coisa, uma diferença que não se limita ao conhecimento da realidade mas que representa duas qualidades de praxis. A atitude primordial e imediata do ser humano é a de um ser que age objetiva e praticamente, histórico que exerce sua atividade prática em contato com a natureza e outros seres humanos em direção às suas finalidades. Assim, a realidade não se apresenta imediatamente aos seres humanos como objeto de sua intuição, análise e compreensão teórica, mas como o campo de sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surge a intuição prática da realidade.

"No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo 'em situação' cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade"

As formas fenomênicas da realidade, imediatamente reproduzidas na mente do ser de uma determinada praxis histórica como representações ou categorias do pensamento comum, são diferentes e contraditórias com a lei do fenômeno, com a estrutura da coisa, com seu núcleo interno essencial e o conceito que corresponde a ele. A representação é a imagem imediata da realidade do sujeito prático, enquanto o conceito é a ideia que explicita a estrutura interna. A praxis utilitária, portanto, não proporciona a compreensão das coisas e da realidade, mas orienta o ser humano no mundo. Na praxis informada pela pseudoconcreticidade, se formam o ambiente material do indivíduo histórico e a atmosfera espiritual em que a aparência superficial da realidade é fixada – neste mundo, o ser humano pode se mover 'naturalmente'. Esta é a pseudoconcreticidade. O imediatismo e evidência do complexo dos fenômenos preenchem a atmosfera comum e penetram a consiência dos seres humanos, aparentando-se como independentes e naturais, constituindo o mundo da pseudoconcreticidade.

"A ele pertencem

– O mundo dos fenômenos externos, que se desenvolvem à superfície dos processos realmente essenciais;
– O mundo do tráfico e da manipulação, isto é, da praxis fetichizada dos homens (a qual não coincide com a praxis crítica revolucionária da humanidade);
– O mundo das representações comuns que são projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens, produto da praxis fetichizada, formas ideológicas de seu movimento;
– O mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis como resultado da atividade social dos homens."

O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O fenômeno indica a essência e a esconde ao mesmo tempo. A essência se manifesta no fenômeno de forma incompleta e inadequada, parcialmente sobre certos ângulos. Desta forma, a existência fenomênica é contraditória: a essência é mediata ao fenômeno e se manifesta diferente daquilo que é. Mesmo assim, manifestando-se no fenômeno, não é algo inerte, mas revela-se por este - a manifestação da essência é precisamente a atividade do fenômeno. O mundo dos fenômenos, por sua vez, tem estrutura e pode ser descrito, mas nunca capta a relação entre o mundo fenomênico e a essência. Porém, não é algo independente e absoluto – a essência não confere um mundo a parte, além do ser humano – os fenômenos se transformam em mundo fenomênico na relação com a essência. A relação entre fenômeno e essência não é externa e indiferente, captar o fenômeno significa indagar e descrever como a coisa-em-si se manifesta naquele fenômeno e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência. O mundo pseudoconcreto identifica o fenômeno à essência, apaga a diferença entre esses dois aspectos da realidade e, por conseguinte, a diferença entre eles é a falsa diferença entre irreal e real, ou entre duas ordens de realidade. A realidade é a unidade do fenômeno e da essência.

Para poder-se pesquisar a estrutura da coisa e perscrutar a coisa-em-si o ser humano tem que ter a consciência do fato de que existe algo como estrutura da coisa, essência da coisa, coisa-em-si, de que existe uma verdade oculta da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente. O pressuposto da investigação é a necessidade da existência da verdade. Como a essência não se manifesta diretamente e o fundamento oculto das coisas tem que ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem que existir a ciência e a filosofia. Caso contrário, se a essência das coisas e sua manifestação fenomênica coincidissem, elas seriam supérfluas. Necessidade da existência da ciência.

"... Se os homens apreendessem imediatamente as conexões, para que serviria a ciência?"

"Toda ciência seria supérflua se a forma fenomênica e a essência coincidissem diretamente."

"Para as formas fenomênicas... a diferença da relação essencial... vale exatamente aquilo que vale para todas as formas fenomênicas e para o fundamento oculto por detrás delas. As formas fenomênicas se reproduzem imediatamente por si mesmas, como formas correntes do pensamento, mas o seu fundamento oculto tem de ser descoberto somente pela ciência." – Marx e Engels

A tarefa precípua da filosofia, sua missão fundamental é o esforço de descobrir a estrutura da coisa e a 'coisa-em-si'. A filosofia, desta forma, é uma atividade humana indispensável, visto que o ser da coisa não se manifesta direta e imediatamente. A filosofia pode ser caracterizada como um esforço sistemático e crítico que visa a captar a coisa-em-si, a estrutura oculta da coisa, a descobrir o modo de ser do existente.

O conceito da coisa é sua compreensão. Compreender algo significa conhecer-lhe a estrutura. A característica principal do conhecimento consiste na decomposição do todo. O conhecimento é a própria dialética em uma de suas formas. O 'conceito' e 'abstração', em uma concepção dialética, tem o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, portanto, compreender a coisa. O conhecimento se realiza como separação do fenômeno e da essência, pois só assim pode-se mostrar sua coerência interna e com isso, o caráter específico da coisa. Isso revela o caráter fenomênico mediante a demonstração da verdade na essência da coisa. A decomposição constitutiva do conhecimento filosófico demonstra sua estrutura análoga à do agir humano. O fato que o pensamento se move numa direção oposta à natureza da realidade, que isola, e de que neste movimento natural se assenta a tendência à abstração não é uma particularidade imanente do pensamento mas emana de sua função prática. Todo agir é unilateral no sentido que isola alguns momentos da realidade como essenciais, visando um fim determinado. Evidenciando determinados momentos importantes para a consecução de determinado objetivo, o pensamento cinde a realidade única, penetra nela e a avalia. Isso vem sempre acompanhado da percepção do todo, na qual e da qual são isolados alguns aspectos. O 'horizonte' de uma 'realidade indeterminada' como todo constituí o pano de fundo inevitável de cada ação e cada pensamento – ele é inconsciente para a consciência ingênua.

O aspecto fenomênico da coisa é produto natural da praxis cotidiana, e por isso se reproduz espontaneamente no pensamento comum como a realidade mesma. O pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias. Este é o mundo da aparência. A representação da coisa é a projeção de determinadas condições históricas petrificadas na consciência do sujeito, não constituí uma qualidade natural da coisa.

"A distinção entre representação e conceito, entre o mundo da aparência e o mundo da realidade, entre a praxis utilitária cotidiana dos homens e a praxis revolucionária da humanidade ou, numa palavra, a 'cisão do único', é o modo pelo qual o pensamento capta a 'coisa-em-si'."

A dialética pretende compreender a coisa-em-si e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade. Por isso, não cria esquemas abstratos da própria realidade, mas busca destruir a aparente independência do mundo dos contatos imediatos de cada dia. A destruição da pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é o processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás do fenômeno, a essência. O que confere a pseudoconcreticidade aos fenômenos não é sua existência por si mesma, mas a independência com que ela se manifesta. O pensamento tem que efetuar a destruição da pseudoconcreticidade, o que não nega a objetividade dos fenômenos, mas destrói a sua pretendida independência, demonstrando o seu caráter mediato e apresentando seu caráter derivado. A dialética não considera os produtos fixados, os objetos e todo conjunto do mundo material reificado como algo originário e independente; não considera o mundo das representações sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas (coisificadas) do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem sua fixidez para se mostrarem como fenômenos mediatos.

"O mundo da aparência havia abarcado, na linguagem ordinária, todo o sentido da noção de realidade... Desde que as aparências ai se impuseram a título de mundo real, sua eliminação se apresentava como uma colocação entre parênteses deste mundo... e a realidade autêntica à que se retornava tomava paradoxalmente a forma da irrealidade de uma consciência pura." – Tran-Duc-Thao

O pensamento acriticamente reflexivo, que "consiste em constatar as oposições e em passar de uma para outra, mas sem ressaltar a sua conexão e a unidade que as compenetra" (Hegel), coloca imediatamente (sem uma análise dialética) em relação causal as representações fixadas e as condições igualmente fixadas em uma análise (pseudo)materialista da realidade. Mediante tal 'materialização' efetua-se apenas uma dupla mistificação: a subversão do mundo da aparência tem suas raízes na materialidade subvertida. A teoria materialista deve iniciar a análise com a questão: por que os seres humanos tomaram consciência de seu tempo justamente nestas categorias e qual o tempo que se mostra aos seres humanos nestas categorias? Assim o materialista prepara o terreno para a destruição da pseudoconcreticidade tanto das ideias quanto das condições, e só depois passa para a íntima conexão entre o tempo e a ideia.

A dialética é o método revolucionário de transformação da realidade, e seu uso enquanto de destruição da pseudoconcreticidade é apenas outro lado da dialetica que permite a dissolução das criações fetichizadas do mundo reificado e ideal para alcançar a realidade. Para que o mundo possa ser explicado criticamente, cumpre que a explicação mesma se coloque no terreno da praxis revolucionária. A realidade pode ser mudada de modo revolucionário só porque e só na medida em que nós mesmos produzimos a realidade, e na medida em que saibamos que a realidade é produzida por nós. O mundo real é o mundo da praxis humana. É.a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. É um mundo em que as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do homem social, e o próprio ser humano se revela como sujeito real do mundo social.

"É um processo no curso do qual a humanidade e o indivíduo realizam a própria verdade, operam a humanização do homem. Ao contrário do mundo da pseudoconcreticidade, o mundo da realidade é o mundo da realização da verdade, é o mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana: é o mundo em que a verdade devém. Por esta razão a história humana pode ser o processo da verdade e a história da verdade. A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza."

A destruição da pseudoconcreticidade se efetua como:

1) crítica revolucionária da praxis da humanidade, que coincide com o devenir humano do ser humano, com o processo de humanização do homem {A. Kolman <--- babado}. VER AVP!!!; 
2) pensamento dialético que dissolve o mundo fetichizado da aparência para atingir a realidade e a 'coisa-em-si';
3) realizações da verdade e criação da realidade humana em um processo ontogenético.

Cada indivíduo – pessoalmente e sem que ninguém possa substituí-lo – tem de se formar uma cultura e viver sua vida ( ✌️😚 ). A pseudoconcreticidade é justamente da atividade do homem. A pseudoconcreticidade é justamente a (não) existência autônoma dos produtos do homem e a redução do homem ao nível da praxis utilitária. A destruição da pseudoconcreticidade é o processo de criação da realidade concreta e a visão da realidade, da sua concreticidade. Na destruição materialista da pseudoconcreticidade, a liberalização do 'sujeito' (a visão concreta da realidade, ao invés da 'intuição fetichista') coincide com a liberalização do objeto (criação do ambiente humano como fato humano dotado de condições de transparente racionalidade), posto que a realidade social dos seres humanos se cria como união dialética do sujeito e objeto.


Reprodução Espiritual e Racional da Realidade

Como o ser humano não consegue ver as coisas na sua essência, a humanidade toma outro caminho para conhecer a coisa-em-si. Esse caminho é o único caminho acessível ao ser humano para chegar à verdade. O ser humano se forma evoluindo-se em ser humano e conhecer significa sair do 'estado natural' para chegar a ser verdadeiramente humano e conhecer a realidade como tal. Para os grandes pensadores, o conhecimento é corretamente caracterizado como superação da natureza, como atividade ou esforço supremo. A dialética da atividade ou passividade do conhecimento humano manifesta-se no fato que o ser humano tem que transformar as coisas-em-si em coisas-para-si para conhecer – para conhecer as coisas como são independentemente de si, tem que primeiro submetê-las à própria praxis. Assim, o conhecimento não é contemplação: o ser humano só conhece a realidade na medida que ele cria a realidade humana e se comporta enquanto ser prático.

Historicamente, a própria realidade faz uma certa eliminação e crítica de fatos. Por isso é mais cansativo elaborar cientificamente os acontecimentos contemporâneos, enquanto a análise dos acontecimentos passados é relativamente mais fácil. Para nos aproximarmos da coisa e da sua estrutura, temos que nos distanciar dela. A ciência deve 'reproduzir' artificialmente e experimentalmente este caminho natural da história. Não é possível compreender imediatamente a estrutura da coisa ou a coisa-em-si mediante a contemplação ou a mera reflexão, mas mediante uma determinada atividade. É necessário analizar também a própria atividade mediante a qual a coisa-em-si é compreendida – esta análise deve incluir também o problema da criação da atividade que estabelece o acesso à coisa-em-si. Estas atividades são os vários aspectos ou modos de apropriação do mundo pelo ser humano. Os diversos aspectos de apropriação significam as variadas intencionalidades com as quais o ser humano se apropria do mundo. Para explorar os vários mundos nos quais o ser humano existe (o prático-espiritual, o teórico, o artístico, o religioso, o matemático, o biológico, etc.) tem que se mudar a intencionalidade e o correspondente modo de apropriação da realidade (única).

Para a filosofia e a ciência moderna, o conhecimento representa um dos modos de apropriação do mundo pelos seres humanos. Os dois elementos constitutivos de cada modo humano de apropriação do mundo são o sentido subjetivo e o sentido objetivo: o processo de captação e descobrimento do sentido da coisa é ao mesmo tempo a criação, no ser humano, do correspondente sentido, graças ao qual pode-se compreender o sentido da coisa. É possível, portanto, compreender o sentido objetivo da coisa se o ser humano cria para si mesmo um sentido correspondente. Estes mesmos sentidos, por meio dos quais o ser humano descobre a realidade e o sentido dela, são um produto histórico-social. Cada grau de conhecimento humano (cada modo de apropriação da realidade), é uma atividade baseada na praxis objetiva da humanidade e, portanto, ligada a todos os outros vários modos, em medida maior ou menor. Na apropriação prático-espiritual do mundo, da qual e sobre o fundamento da qual derivam originalmente todos os outros modos de apropriação a realidade é, portanto, concebida como um todo indivisível de entidades e significados e é implicitamente compreendida em unidade de juízo de constatação e de valor.

Só mediante a abstração, a tematização e a projeção, tomando-se como ponto de partida este munda da realidade pleno e inexaurível, se isolam determinadas zonas, facetas e esferas que o naturalismo ingênuo e o positivismo consideram como as únicas autênticas. A imagem fisicalista do positivismo empobreceu o mundo humano e no seu absoluto exclusivismo deformou a realidade: reduziu o mundo real a uma única dimensão (a física) e sob um único aspecto, à dimensão da extensão e das relações quantitativas. Na realidade, o mundo físico como modo tematizado de conhecer a realidade física é apenas uma das possíveis imagens do mundo que exprimem determinadas propriedades essenciais e aspectos da realidade objetiva, porém a realidade não se exaure na imagem física do mundo. O fisicalismo positivista é responsável pelo equívoco de ter considerado uma certa imagem da realidade como a realidade mesma, e um determinado modo de apropriação da realidade como o único modo autêntico. Assim, ele nega uma das teses fundamentais do materialismo, a inexauribilidade do mundo objetivo e sua irredutibilidade à ciência, além de empobrecer o mundo humano por ter reduzido a um único modo de apropriação da realidade a riqueza da subjetividade humana, que se efetiva historicamente na praxis objetiva da humanidade.

Cada coisa sobre a qual o ser humano concentra o olhar, a sua atenção, a sua ação ou a sua avaliação, emerge um determinado todo que a circunda, todo que o homem percebe como um pano de fundo indeterminado, ou como uma conexão imaginária, obscuramente intuída. Ele percebe os objetos únicos e absolutamente isolados sempre no horizonte de um determinado todo, na maioria das vezes não expresso e não percebido explicitamente. Cada objeto percebido, observado ou elaborado pelo ser humano é parte de um todo, e precisamente este todo não percebido explicitamente é a luz que ilumina e revela o objeto singular, observado em sua singularidade e no seu significado (contradição entre o singular e o universal, a parte e o todo). A consciência humana deve ser, pois, considerada tanto no seu aspecto teórico-predicativo, na forma do conhecimento explícito, justificado, racional e teórico, como também no seu aspecto antipredicativo, totalmente intuitivo. A consciência é constituída da unidade de duas formas que se interpenetram e influenciam reciprocamente, porque, na sua unidade, elas se baseiam na praxis objetiva e na apropriação prático-espiritual do mundo.

Por que o pensamento teórico se torna 'meio universal' através do qual novamente passa - ou pode passar - tudo aquilo que foi vivido na experiência, intuído na intuição, representado na representação, executado na ação, sentido pela sensibilidade? O fato de que de tudo se pode elaborar uma teoria, e que tudo pode ser submetido a um explícito exame analítico demonstra um certo 'privilégio' de que goza a esfera teórica em confronto às demais. A teoria representa a compreensão explicitamente reproduzida da apropriação da realidade, a qual, de retorno, exerce sua influência sobre a intensidade, a veracidade e análogas qualidades do modo de apropriação correspondente. A teoria materialista do conhecimento, como reprodução espiritual da realidade, capta o caráter ambíguo da consciência. A consciência humana é 'reflexo' e ao mesmo tempo 'projeção': registra e constrói, toma nota e planeja, reflete e antecipa; é ao mesmo tempo receptiva e ativa. A teoria do conhecimento como reprodução espiritual da realidade põe em evidência o caráter ativo do conhecimento em todos os seus níveis. O mais elementar conhecimento sensível não deriva em cado algum de um percepção passiva, mas da atividade perceptiva.

Toda teoria do conhecimento se apoia, implícita ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da realidade mesma. A teoria materialista do conhecimento como reprodução intelectual da realidade deriva de uma concepção da realidade diferente daquela de que deriva o modo de redução. A redução pressupõe uma substância rígida, elementos imutáveis e não derivados, nos quais, e, última instância, se desdobram a variedade e a mutabilidade dos fenômenos. O fenômeno é explicado se é reduzido à sua essência, à lei geral, ao princípio abstrato. O método do reducionismo reduz o singular ao universal abstrato e cria dois polos entre os quais não há mediação: o individual abstrato de um lado; o universal abstrato, de outro. O marxismo definiu como 'substância' a dinâmica mesma do objeto, a sua dialética. Por conseguinte, conhecer a substância não significa reduzir os fenômenos à substância dinamizada, a algo que se esconde por detrás dos fenômenos e que deles não depende; significa conhecer as leis do movimento da coisa-em-si. A 'substância' é o próprio movimento da coisa ou a coisa em movimento. O movimento da coisa cria fases, formas e aspectos isolados, que não podem ser compreendidos mediante sua redução à substância, mas que são compreensíveis como explicações da coisa-em-si.

O reducionismo é o método do "nada mais que"; toda a riqueza do mundo não é nada mais que substância imutável ou então dinamizada. Esta também é a razão pela qual o reducionismo não pode explicar uma evolução nova, de natureza qualitativa: tudo aquilo que é novo pode ser reduzido a condições e hipóteses; o novo não é nada mais que o velho. Só uma concepção da matéria que na própria matéria descubra a negatividade e, por conseguinte, a capacidade de produzir novas qualidades e graus de evolução superiores, proporciona a possibilidade de explicar materialisticamente o novo como uma qualidade do mundo material. Se se entende a matéria como negatividade, o processo cognoscitivo se transforma em explicação dos fenômenos. A realidade é interpretada não mediante a redução a algo diverso de si mesmo, mas explicando-a [desdobramento, clara representação de uma 'totalidade misteriosa' que à primeira vista se apresenta obscura e confusa] com base na própria realidade, mediante o desenvolvimento e ilustração de suas fases, dos momentos do seu movimento.

O pensamento chega a um resultado que não era conhecido no ponto de partida e que, portanto, dada a identidade formal do ponto de partida e do resultado, o pensamento, ao concluir seu movimento, chega a algo diverso - pelo seu conteúdo - daquilo que tinha partido. Da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como ao vivo mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito do todo ricamente articulado e compreendido. (Ciclo de Kedrov C -> A -> S) (redução do concreto dado ao abstrato e ascensão do abstrato ao concreto pensado). O caminho entre a 'caótica representação do todo' e a 'rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações' coincide com a compreensão da realidade. O todo não é imediatamente cognoscível - o todo é imediatamente acessível ao ser humano, mas é um todo caótico e obscuro. Para entender o todo, o ser humano tem que fazer um detour: o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte.

der Weg der Wahrheit ist Umweg

O método da ascensão do abstrato ao concreto é o método do pensamento – é um movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento no pensamento e do pensamento. Para o pensamento progredir do abstrato ao concreto, tem de mover-se no seu próprio elemento, isto é, no plano abstrato, que é a negação da imediatidade, da evidência e da concreticidade sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é, por conseguinte, em geral o movimento da parte para o todo e do todo para a parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade; do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto.

O processo do abstrato ao concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade em todos os seus planos e dimensões. 

O método da investigação compreende três graus:

1) minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis;
2) análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material;
3) investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento.

Sem o pleno domínio de tal método de investigação, qualquer dialética não passa de especulação vazia.

Aquilo de onde a ciência inicia a própria exposição já é resultado de uma investigação e de uma apropriação crítico-científica da matéria. O início da exposição já é um início mediato, que contém em embrião a estrutura de toda a obra. Aquilo que deve constituir o início da exposição, do desenvolvimento científico da problemática, todavia, não é conhecido no início da investigação. Esses dois inícios são coisas diferentes. O início da investigação é casual e arbitrário, ao passo que o início da exposição é necessário. A dialética da interpretação não pode eclipsar o problema central: como a ciência chega ao início necessário da exposição e, portanto, à explicitação? A exposição é explicitação da coisa justamente porque a apresenta no seu desenvolvimento e na sua evolução interna e necessária - aqui um início verdadeiramente autêntico é um início necessário, a partir do qual se desenvolvem necessariamente as demais determinações. Se opera o desenvolvimento interno e necessário da coisa-em-si. O método de explicitação é desdobramento, manifestação e complicação de antíteses, é desdobramento da coisa por intermédio de antíteses. A explicitação é um método que apresenta o desenvolvimento da coisa como transformação necessária do abstrato em concreto. O método da explicitação dialética está fundada sobre a concepção da realidade como totalidade concreta.

A dialética não é o método da redução: é o método da reprodução espiritual e intelectual da realidade; é o método do desenvolvimento e da explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do ser humano histórico.


A Totalidade Concreta

O Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico; Josef Stalin

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Centro Cultural Manoel Lisboa, 2010

Título Original: О диалектическом и историческом материализме (1936)

Leitura: Maio 2024 – atual

Este é um livro fundamental por dois motivos: compila o conhecimento estabelecido no marxismo revolucionário sobre a dialética e seu papel de transformação do mundo, e permite a visão sobre o assunto de uma das mais importantes (e contraditórias) figuras do socialismo, Josef Stalin. Neste sentido, tal qual se estivéssemos lendo um artigo científico da mesma época, a leitura requer um pensamento continuamente crítico, buscando as insuficiências presentes então e como elas foram progredidas com o tempo. Desta forma, não repitamos os erros de teóricos soviéticos de dogmatização da dialética para servir os interesses ideológicos, mas sim façamos o caminho reverso, determinando nossa ideologia, entendida aqui no sentido marxista-lukacsiano, a partir da ferramenta elucidadora da essência.

The "Dictatorship of the Proletariat" from Marx to Lenin; Hal Draper

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Monthly Review Press, 1987

Leitura: Junho 2024 – atual

Hal Draper foi um dirigente socialista dos Estados Unidos, cujo nome chegou a mim a partir do internacionalismo: camaradas do caucus Bread & Roses do DSA (Democratic Socialists of America) me introduziram ele como figura central de sua teoria e política. Draper é uma figura interessante, ele tem um conhecimento bibliográfico de Marx impressionante e utiliza deste para estabelecer uma certa 'ortodoxia' paralela do marxismo com suas próprias posições que visam combater qualquer autoritarismo presente no socialismo. Um bom lugar para começar a entender a proposta de revolução de Hal Draper é seu artigo Two Souls of Socialism, onde ele contrapõe a posição supra-centralizada do partido com o socialismo democrático.

A leitura deste livro foi feita em conjunto com a leitura do livro de Moreno, com o título parecido. Apesar de discordarem em alguns pontos programáticos, estes autores também se encontram em alguns momentos e tópicos. O socialismo propõe a verdadeira liberdade do ser humano, portanto, existe a necessidade de revolucionários do presente de usarem da experiência passada para seu aprendizado, guiando as ações do futuro. Isso não pode ser feito com a afirmação dogmática, como o campo do 'socialismo real', nem como uma negação abstrata cometida pelos ultraesquerdistas, mas por meio do método dialético, que enxerga o potencial da contradição.

A Ditadura Revolucionária do Proletariado; Nahuel Moreno

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Sundermann, 2007

Título Original: La dictadura revolucionária del proletariado (1979)

Leitura: Junho 2024 – atual

Este é um livro-polêmica escrito por Nahuel Moreno na Colômbia, contra alguns posicionamentos do Secretariado Unificado (SU) da Quarta Internacional, liderado por Ernest Mandel. À frente do eurocomunismo, todo o movimento trotskista se posicionou contra esse fenômeno insuficiente, que idealizava a revolução socialista na Europa de forma pacífica e, francamente, revisionista. Foi essa capitulação pelos partidos ditos revolucionários que permitiu um avanço e estabelecimento do neoliberalismo – cujas consequências sentimos até hoje. Contudo, esse livro debate o trotskismo entre os trotskistas, pois, como Moreno argumenta, também existe uma capitulação pelo SU ao retirar do programa de seus partidos as palavras de ordem 'ditadura revolucionária do proletariado'. Moreno vê isso como uma forma de desmobilização da classe, que não condiz com a realidade revolucionária. É bom lembrar que Moreno acompanhava de perto, além de participar de alguns processos de revolução. Para ele, então, esta forma de posicionamento reduziria a capacidade de qualquer partido de didática sobre a estrutura do capitalismo, que também é uma ditadura de uma classe, a burguesia.

Desta forma, este livro se estrutura em defesa do significado da ditadura do proletariado, tanto na política quanto na teoria. Moreno utiliza exemplos pragmáticos do que implica uma revolução socialista dentro do imperialismo capitalista e como, especialmente no Sul Global, há retaliação por meio das potências burguesas. Quando a hegemonia está em disputa, mesmo que em uma parte do mundo específica, os países dominantes se mobilizam de diversas formas para combater o risco de perderem sua posição de liderança. Para Moreno, a realidade está dada, existe violência e esta só se tornará ainda mais explícita dado um avanço de organização e poder da classe. Como, então, respondem os revolucionários?

Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social; György Lukács

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Boitempo, 2010

Título Original: Prolegomena zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins (1984)

Leitura: Junho 2024 – atual

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Parte 1

Nesta parte, Lukács faz uma crítica a outras ontologias, isto é, a afirmações filosóficas sobre o ser, para buscar estabelecer a ontologia marxista como a única capaz de lidar com o ser-social. As ideias de ideologia, teleologia e de praxis são centrais para este desenvolvimento.

"O moderno neopositivismo ... qualificou toda a indagação ao problema de saber se algo é ou não é (ontologia), como um absurdo anacrônico e anticientífico"

  • Negação abstrata do neopositivismo: não é cientifico, portanto, não deveria ser.


  • A questão do ser aparece em diversas filosofias, cada uma com suas insuficiências, porém revelando a natureza irredutível dessa questão:

"... reconhecer o caráter ineludível da abordagem ontológica dos problemas do mundo como um fato que não pode ser negligenciado no pensamento também da nossa época"

  • meta-ontologia


  • Essas tendências to tempo de Lukács

"... partem essencialmente do indivíduo isolado, entregue a si mesmo, cuja "derrelição" (Geworfenheit) no mundo habitual (natureza e sociedade) deve formar seu verdadeiro ser, como a questão fundamental da filosofia."

  • Delírios individualistas


  • A própria formulação da questão por essas filosofias segue

"uma posição irracional diante da realidade" que carrega "contraditoriedade e insustentabilidade"

  • trata-se de filosofias insustentáveis


"O 'colocar entre parênteses' da realidade destinado a possibilitar a visão da essência – realizado com intenção ontológica, mas no fundo permanecendo sempre na teoria de conhecimento Não pode em absoluto apreender uma nova maneira a nova situação do problema."


  • Lukács afirma categoricamente os problemas gerais do ser estão inclusos na

"conexão e a diferenciação dos três grandes tipos do ser (as naturezas inorgânicas e orgânica e a sociedade). Sem compreender essa conexão e sua dinâmicq, não se pode formular corretamente nenhuma das questões autenticamente ontológicas do ser social, muito menos conduzi-las a uma solução que corresponda à constituição desse ser."


  • O ser humano tem uma existência concretamente baseada no que Lukács chama das três formas do ser: inorgânico, orgânico e social. Isto forma sua base ontológica - existencial.

"... o ser humano pertence ... também à esfera do ser biológico, que sua existência – sua gênese, transcurso e fim dessa existência – se funda ampla e decididamente nesse tipo de ser, e de que também tem de ser considerado imediatamente evidente que não apenas os modos do ser determinados pela biologia, em todas suas manifestações de vida, tanto interna como externamente, pressupõe, em última análise, de forma incessante, uma coexistência com a natureza inorgânica, mas também que, sem uma interação ininterrupta com essa esfera, seria ontologicamente impossível, não poderia de modo algum desenvolver-se interna e externamente como ser social"

  • Desta forma, o reconhecimento disso, dessa base multifacetada do ser social que se reconhece é o cerne da questão ontológica. De fato,

"... nenhum conhecimento do mundo que se desenvolva em seu (todo ser social) terreno, nenhum autoconhecimento do homem, poderia ser possível sem o reconhecimento de uma base tão múltipla como fato fundamental."


  • Podemos, então, conectar essas reflexões à praxis, pois esta é fundamentada por estas questões. A praxis, assim, aparece como ontogênica.

"Visto que essa condição do ser também fundamenta toda práxis humana, ela tem necessariamente que constituir um ponto de partida ineliminável para todo pensamento humano, que, em última análise provém dela e surgiu para conduzi-la, modificá-la, consolidá-la etc."

  • Assim, conecta-se o trabalho como força motriz do reconhecimento ontogênico e ontológico.


  • A ontologia perdura na história:

"O papel da ontologia na história e no presente do pensamento humano é, pois, concretamente determinado pela constituição ontológica do próprio ser do homem e, por isso, não é – de fato não apenas abstrata e verbalmente – eliminável de nenhum sistema de pensamento, nenhum domínio do pensamento e antes de tudo, naturalmente, de nenhuma filosofia"

  • Assim, suas considerações são absolutas, quando não explicitas, estão lá implicitamente guiando o quadro de qualquer sistema. Assim, aparece a necessidade da lógica dialética que é, também, ontológica (e gnoseológica).


  • Vamos às concepções mais gerais das contradições centrais do essencial do ser:

"... uma consideração ontológica do ser é impossível sem procurarmos seu primeiro ponto de partida nos fatos mais simples da vida cotidiana dos homens."

  • Ao mesmo tempo que como

" ... nunca somos capazes de ter um conhecimento total de todos os componentes de nossas decisões e suas consequências –, também na vida cotidiana o real ser muitas vezes se revela de maneira altamente distorcida.

  • Isso se dá de diversas formas

"... os modos de manifestação imediata encobrem o realmente essencial no plano ontológico" e "nós mesmos projetamos no ser ... determinações que são totalmente estranhas a ele, apenas imaginadas por nós."

"Além disso, confundimos com o próprio ser os meios com que tomamos consciência de momentos determinados do ser etc."

  • A diferença entre aparência e essência.


  • Lukacs propõe, então, o equivalente da destruição da pseudoconcreticidade, converter o cotidiano imediato em sua essência mediada.

"Portanto, é preciso partir da imediatidade da vida cotidiana, e ao mesmo tempo ir além dela, para poder apreender o ser como autêntico em-si. Mas, simultaneamente, também é preciso que os mais indispensáveis meios de domínio intelectual do ser sejam submetidos a uma permanente consideração crítica, tendo por base sua constituição ontológica mais simples. As inter-relações desses dois pontos de vista aparentemente opostos é o que possibilitam uma aproximação daquilo que o ser, como ente, verdadeiramente é."


  • Partimos para uma definição de ideologia, que não se adequa à visão de Engels, por exemplo.

"Ideologias em contextos mais amplos ... não devem ser entendidas ... como uma consciência antecipadamente falsa da realidade, mas, assim como Marx as determinou no prefácio de Para a crítica da economia política, como formas 'nas quais os seres humanos se conscientizam desse conflito' (isto é, daquele que emerge dos fundamentos do ser social) 'e o combatem'."

  • Caracteriza-se, assim, a ideologia

"como veículo de conscientização e prévia-ideação da prática social dos homens." "A ideologia é antes de tudo uma forma de elaboração ideal da realidade que serve para tornar a práxis social dos homens consciente e operativa."


  • Vê-se rapidamente os problemas das ideologias que afastam o ser humano da verdadeira essência do conflito que emerge dos fundamentos do ser social.

"Tanto a concepção da coisa-em-si kantiana, abstrata, incognoscível, sem qualidades, que concebe nossa realidade como um mundo de meros fenômenos, quanto a ontologia histótico-logicizada de Hegel sobre o sujeito/objeto idênticos, e, mais ainda, os sonhos irracionalistas do século XIX, nos afastam muitas vezes de uma legítima problemática do ser.E se, chegando aos nossos dias, a posição da individualidade, que parece totalmente isolada na sociedade capitalista e ao mesmo tempo é concebida como 'átomo' autocrático, tornou-s o fundamento efetivo de ontologias temporariamente influentes ..."


  • Estamos tratando do

"papel faticamente fundado do ser"

  • que não depende dessas ideologias para ser fundamental, muito pelo contrário, é uma indagação necessária para ir além da aparência.


  • Podemos buscar a orientação interna da praxis, isto é, aquilo que a fundamenta na consciência humana. Quando estamos tratando do conhecimento comum empírico, este aparece como óbvio e segue o intuito, porém

"fracassa naquele complexo de relações de nosso conhecimento do ser como nível geral de nossa consciência sobre a própria práxis, sobre seus fundamentos."

"... o poder ativo dos fatos existentes parece muito mais forte (em situações do dia a dia de encontro do ser humano com a natureza) do que ali onde, entre homem e natureza, intervém uma quantidade enorme de mediações sociais; mas o componente do não reconhecido e do conhecido de modo incorreto tem de se tornar, do mesmo modo, incomparavelmente mais ativo para o sujeito."

"... que a práxis, e sobretudo sua fundamentação intelectual e social, também permaneçam fortemente orientadas para a realidade"

"... não se pode ignorar também o traspassamento dialético de verdade e falsidade no conhecimento de objetos, circunstâncias, meios etc. da práxis."

"... o limite entre o verdadeiro e falso é fluido, social, historicamente condicionado, cheio de transições."

  • Desta forma, Lukács estabelece uma relação dinâmica entre o ser humano e a natureza, na qual ele existe. O ser humano toma consiência desta inter-relação por meio de seu conhecimento, que é fluído, dinâmico igual o objeto que busca apreender. As questões mediadas aparecem de forma complexa, mas são outro nível do mesmo processo, que agora busca se refletir. Aí está a dialética.


  • A tecnologia, isto é, a aplicação material do conhecimento, acompanha este processo

"satisfazendo as exigências sociais então vigentes da práxis."

"É preciso superar grandes obstáculos sociais para poder aproximar-se mais, intelectualmente, do ser autêntico

  • A sociedade põe tanto exigências quanto barreiras -> direção e limite do conhecimento. O conhecimento é, desta forma, uma ferramenta maleável com a qual o ser humano explora o mundo. Seu objeto, por mais que generalizante, é determinado pela práxis social de sua produção. O que acontece quando esta ferramenta se vira contra si mesmo? Apenas revela mais uma de suas facetas, supera-se dialeticamente.


  • O conhecimento em si tem dificuldades de esclarecimento:

"Acrescem-se a isso dificuldades no próprio objeto do conhecimento. Os três tipos do ser (inorgânico, orgânico e social) existem simultaneamente, entrelaçados um no outro, e exercem muitas vezes simultâneos sobre o ser do homem, sobre sua práxis. É preciso ter sempre em mente que uma fundamentação ontológica correta de nossa imagem de mundo pressupõe as duas coisas, tanto o conhecimento da propriedade específica de casa modo do ser como o de suas interações, inter-relações etc. com os outros.


  • Isso é refletido pela constituição ontológica do ser humano:

"O ser humano pertence ao mesmo tempo (e de maneira difícil de separar mesmo no pensamento) à natureza (sua produtora) e à sociedade (seu produto)."

  • Este é o pertencimento categórico natural-social do ser humano.


  • Existe um fluxo ontológico que permeia esta barreira, se atravessam pelo ser humano:

"O processo do devir humano traz consigo um recuo de barreiras naturais. ... jamais sua supressão total."

"... jamais se trata de uma constituição dualista do ser humano. O homem nunca é, de um lado, essência humana, social, e, de outro, pertencente à natureza; sua humanização, sociabilização, não significa uma clivagem de seu ser em espírito (alma) e corpo"

"... vê-se que, também aquelas funções do seu ser que permanecem sempre naturalmente fundadas, no curso do desenvolvimento da humanidade se sociabilizam cada vez mais."

  • Irreversibilidade do processo histórico:

"Esse comportamento do homem social consigo mesmo como ser natural é, em termos objetivos, um processo irreversível, um processo histórico. Por isso ... é tão difícil para os homens tornarem-se conscientes dessa sua mais peculiar constituição ontológica. Surge sempre uma concepção dual dessa comunhão profundamente homogênea embora processual."

  • Vejamos, agora, questões sobre a reflexão do ser humano de si, isto é, como ele se considera:

"... essa sua capacidade de tornar-se elemento e, sob certas circunstâncias, ponto central de uma ideologia (definição marxiana-lukacsiana), em geral, parece apoiar-se em determinações do ser que de alguma forma realmente existem, que 'somente' devido a generalizações falsas, analógicas, conduzem a determinações incorretas do ser. Isso pode ser visto no fato ontológico fundante do ser social, o trabalho."

"Este ... é um pôr teleológico (logos da intenção) conscientemente realizados que, quando parte de fatos corretamente reconhecidos no sentido prático e os avalia corretamente, é capaz de trazer à vida processos causais, de modificar processos, objetos etc. do ser que normalmente só funcionam espontaneamente, e transformar entes em objetividades que sequer existiam antes do trabalho"

  • Duplo movimento: a praxis como verificadora empírica da realidade, isto é, ontogenética pois, pelo outro lado, o trabalho praxiomático traz realidade para objetividades que antes eram apenas entes. A transformação teleológica, entendida em seu duplo sentido, objetifica.

"Portanto, o trabalho introduz no ser a unitária inter-relação, dualisticamente fundada, entre teleologia e causalidade"

"Em termos realmente ontológicos, tais complexos só existem no trabalho e em suas consequências sociais, na práxis social. O modelo do pôr teleológico modificador da realidade torna-se assim, fundamento ontológico de toda praxis social, isto é, humana.

"O analogismo mais óbvio ao pensamento, que é conceber o pôr teleológico como fundamento, componente, etc. de processos naturais cuja verdadeira sequência não foi percebida ..., de um lado, leva a concepções totalmente distorcidas sobre tais processos, mas, de outro, é uma consequência espontânea óbvia, que costuma ser tirada da relação imediata do homem com seu meio."

  • A reação inicial do ser humano sobre a situação que ele se põe é inconsciente e alienante do processo real-material que ocorre.


"... o crescimento constante dos momentos controlados – mais ou menos – pelo pensamento, ou diretamente na prática, produz em cada estágio essencial um aspecto geral qualitativamente diverso, e age por isso, a cada vez, de maneira qualitativamente diferente sobre o tipo de práxis humana, sobre o pensamento que a prepara, e que dela emerge."

  • Mudança qualitativa do pensamento e sua gênese.


  • A práxis 'falsa' carrega 'verdade':

"Na prática, o mais importante é que mesmo um aspecto – em última análise – falso ou pelo menos incompleto do ser pode dar um fundamento aparentemente tão suficiente para a práxis, que por sua vez pode ter atingido apenas um determinado nível, ap ponto de não haver nenhum tipo de necessidade real de ir além das concepções teóricas da realidade assim obtidas, de criticar sua fundamentação em seus princípios.

  • A aparência da práxis também a constituí. Podemos torná-la crítica.
  • A práxis também é histórica em sua cibernética

"... é característico que as novas necessidades das condições de trabalho provocadas pelo desenvolvimento social, que muitas vezes despertam grandes crises ideológicas, costumam de todo modo se impor finalmente, como em realidade aconteceu com essas teorias (astronomia ptolomaica)."


  • Existe, desta forma, um metabolismo da sociedade com a natureza:

"Dessa maneira, como sempre enfatizou o marxismo, a práxis, especialmente o metabolismo com a natureza, se revela como o critério da teoria. Todavia, para aplicar sempre corretamente essa concepção, correta no sentido histórico, nunca se pode ignorar o elemento da relatividade histórica. Exatamente porque também o desenvolvimento social da humanidade é um processo irreversível, esse critério só pode exigir uma validade geral processual, uma verdade só respectivamente rebus sic stantibus."

"A totalidade jamais inteiramente cognoscível das respectivas determinações do ser se torna socialmente possíveis e necessários tanto sua superação como um longo funcionamento imperturbado de teorias incompletas, que contenham apenas verdades parciais"


"Ao contrário, cada uma dessas regulamentações (de reguladores sociais que regulamentam as decisões, o conteúdo teleológico da sociedade) pressupõe que a maneira prática de agir comum dos membros da sociedade siga 'voluntariamente', pelo menos externamente, essas prescrições; só diante de uma minoria a coerção do direito deve e pode tornar-se de fato eficaz."

  • Como funciona a sociedade em sua pseudoconcreticidade aparente para seus membros


"Já essa constelação universalmente conhecida mostra como é de vital importância a ideologia para o funcionamento de qualquer sociedade."

"Por isso – em última análise – tem de ordenar essas decisões isoladas em um contexto de vida geral dos seres humanos e esforçar-se por esclarecer ao indivíduo como é indispensável para sua própria existência avaliar as decisões segundo os interesses coletivos da sociedade."

  • Papel estruturante da ideologia --> organizadora das decisões
  • Forma e conteúdo do interesse coletivo:

"... quanto menos os seres humanos de certa fase de desenvolvimento são capazes de apreender seu ser real, tanto maior tem de ser o papel daqueles complexos de ideias que eles formam diretamente de suas experiências ontológicas e projetam analogicamente o ser para eles ainda inapreensível objetiva e realmente."

  • O ser humano, quando não se apreende, se projeta no além.

"O elemento comum é que o acontecimento essencial no mundo não pareça um acontecimento fundado em si mesmo, mas aparente ser produto de uma (transcendente) atividade potente".


"Devido a projeções desse tipo (mística-suprahumanas), surge na ideologia esboçada pela religião uma segunda realidade, que encobre a verdadeira constituição do ser, assumindo em relação a ele a função de um ser mais legítimo e mais elevado, mas ao mesmo tempo, por longos períodos, a indispensável ideologia conserva um poder social real, formando assim, uma parte inseparável do respectivo ser social"

  • Estas noções também são aplicáveis ao neo-positivismo do neoliberalismo, da ciência e tecnologia que vão 'além' do ser humano.


  • O trabalho está posto sob um processo de conscientização:

"Na execução de aperfeiçoamentos dos processos de trabalho, a sociedade constitui modos de conhecimento cuja essência é constituída, no fundo, de tal maneira que com a ajuda destes pode-se conhecer o verdadeiro ente com mais precisão, mais veracidade etc. (sobretudo como algo controlável na prática), do que sem eles, mas que, no curso do desenvolvimento, podem colaborar para o afastamento daquilo tudo, e com frequência o fazem."

  • Nota-se aqui como está implícito o papel da práxis como critério da verdade."
  • O movimento contraditório da teoria, então, pode ser observado:

"Daí se segue, de um lado, como mostramos, que diversas vezes tais teorias por muito tempo podem tornar-se bases de ações úteis especialmente no metabolismo da sociedade com a natureza. Como polo oposto e complementar, vê-se, de outro lado, que métodos teóricos podem ao mesmo tempo afastar os seres humanos da apreensão correta do ser."


"... tanto os métodos de manipulação de mercado do atual capitalismo como os planos grosseiramente manipuladores e as disposições táticas dos herdeiros espirituais dos métodos estalinistas desenvolveram igualmente o hábito mental de interpretar um desenvolvimento ontológico como um processo cujo conteúdo pode ser determinado, endereçado e assim por diante, supostamente sem falhas, mediante extrapolações "corretamente" aplicadas."

"Só uma 'visão de mundo' que considera a máquina cibernética como modelo exemplar para todo pensamento, e que por isso despreza toda consideração sobre o ser baseada na experiência e orientada para a qualidade como se fosse um pensamento há muito antiquado, pode chegar à sistematização de tais concepções."

  • Lukács exemplifica esta redução ontológica imposta por tipos de pensamento pela matemática, nos

"territórios onde a pura quantificação pelo ser social é imposta inclusive ao pensamento (dinheiro na economia), a fim de, sempre com antecedência, examinar ontológica, critica e metodologicamente em que medida esse modo de manifestação expressa de forma adequada a realidade econômica, antes que se possam tirar, de uma matematização de contextos monetários, relações monetárias etc. consequências acríticas que digam respeito ao ser econômico da sociedade."

  • Isso, para que se possa construir uma crítica que analisa as consequências ontológicas de modelos, ou seja, em que

"modos 'superiores' na descoberta de conexões do mundo – teoria do conhecimento, lógica, metodologia – teriam de enfrentar tal crítica antes que seus resultados pudessem ser reconhecidos como corretos ontologicamente."

  • Nota: o que significa estar correto ontologicamente?


"... é preciso comentar ... o nexo genético e a diferença qualitativa dos três importantes tipos do ser (natureza inorgânica, natureza orgânica e a sociedade)."

  • Aqui, podemos diferenciar estes tipos enquanto mantendo sua unidade, são três tipos do ser, facetas de uma mesma coisa:

"Quando Kant chama os atos de adaptação dos organismos de 'finalidade sem escopo', esse termo também no sentido filosófico é genial, porque aponta acertadamente para a singularidade das reações que os organismos são forçados a executar em relação ao seu ambiente, sempre de forma espontânea, ontologicamente, para poder enfim realizar sua reprodução."

  • A teleologia aparece, então, como destaque humano --> Intenção de AVP
  • Aparecem as "legalidades especificamente biológicas", processos da natureza orgânica que

" se desenvolvem no quadro de uma causalidade espontaneamente eficaz, e constituídos da mesma maneira que aqueles processos do ambiente inorgânico e orgânico, que cada vez os desencadeiam" "... nas espécies de animais superiores esses acontecimentos são conduzidos por uma espécie e consciência, em última análise isso é um epifenômeno das legalidades causal-biológicas de sua vida."

  • Epifenômenos têm caráter secundário ou acessório


  • A determinação Kantiana é ontológica porque seu processo "aponta ontologicamente para a essência da finalidade, ... porque esta parece ser posta sem conscientemente ser posta de fato por algo consciente"


  • Entramos, então, numa análise do que o destaque pelo pôr teleológico significa

"... o pôr teleológico jamais vai se tornar um princípio de movimento dos próprios objetos processuais contrapostos ou paralelos à causalidade. O processo que este tipo de pôr desencadeia permanece sempre causal em sua essência. ... desencadeiam legalidades naturais existentes independentemente deles...."

"... pelo pôr teleológico se desencadeiam séries causais; pois conexões, processos teleológicos próprios etc. não existem em si de modo algum."


  • Engels falava da unidade dialética contraditória hegeliana de liberdade e necessidade:

"'A liberdade não está na independência sonhada com relação às leis naturais, mas no reconhecimento dessas leis e na possibilidade, assim oferecida, de fazê-las agir de modo planejado para determinados fins'"


  • A visão de Kant, contudo, nunca chega às consequências ontológicas que Lukács procura, muito pelo contrário. O modo de pensar de Kant, especialmente sua teoria do conhecimento, limitavam as perguntas relevantes. Lukács critica Kant:

"Como ... ele quer fundamentar a realidade partindo da capacidade do conhecimento, e não fundar o conhecimento partindo do ser, existem para ele, primária e irrevogavelmente, apenas esses dois reinos: causalidade mecânica e atos livres de liberdade (produzidos por sujeitos que põem conscientemente seus fins no mais elevado nível espiritual da ética)."

"tais pensamentos ignoraram a relação essencial do organismo que se reproduz com o seu ambiente, e com isso ignoram o problema ontológico fundamental do ser orgânico."

"... como a teoria do conhecimento de Kant, em vez de ser um auxílio no processo de conhecimento do ser, obstrui seu real conhecimento. ... sua teoria do conhecimento, que não partiu da verdadeira constituição da natureza inorgânica e não examinava as determinações do ser, pretendeu, em vez disso, ser uma teoria geral abstrata de suas determinações do conhecimento (julgamentos sintéticos a priori; a incognoscibilidade da coisa em si etc.), impedindo Kant, depois de descobrir importantes determinações ontológicas do ser orgânico, de continuar elaborando-as em legítimos princípios de conhecimento do ser, pois não cabiam em seu sistema gnosiológico abstrato"

  • Ou seja, faltou concreto.

"Uma vez que o sistema de Kant, metodologicamente baseado na teoria do conhecimento, encobria, em última análise, a propensão, por vezes grandiosa, de conceber ontologicamente a essência e a relação dos tipos do ser, acaba por torná-los ineficazes exatamente para o conhecimento científico."


  • Hegel não escapa da crítica, porém oposta

"Em compensação, dada a logicização, corrente em Hegel, de cada constelação intrinsicamente ontológica em todas as conexões do ser, estas foram reinterpretadas de maneira lógico-sistematizante."

  • Do seu livro 'Para uma ontologia do ser social'

"... por um lado, Hegel descobre no trabalho o princípio no qual se expressa a forma autêntica da teleologia, o pôr e a realização real da finalidade por parte de um sujeito consciente; por outro lado essa genuína categoria ontológica é incorporada ao meio homogêneo de uma sistemática na qual imperam os princípios lógicos. Segundo tal sistemática, a teleologia surge num estágio que não produziu ainda nem vida, nem o homem, nem a sociedade. Com efeito, a vida – em conformidade com os princípios lógicos de explicitação do sujeito-objeto idêntico – só pode se tornar figura no estágio da ideia e a teleologia tem precisamente a função lógico-sistemática de conduzir do estágio do conceito àquele da ideia. Com isso, a hierarquia lógica leva ao seguinte absurdo: a categoria do trabalho é desenvolvida antes que, na sequencia evolutiva lógico-ontológica, tenha surgido a vida"

Artigos

Lenin without dogmatism, Joe Pateman

2019

https://doi.org/10.1007/s11212-019-09325-6

O dogma é a morte do pensamento crítico, é a crença cega e o culto. O dogmatismo é a sistematização do dogma, do qual fazem parte a censura, verdades absolutas e que resultam no mecanicismo e no culto de personalidade quando consideramos essa doença no comunismo, conforme a história nos mostrou. Pelo fim dos grandes homens, cuja adoração para além de suas contribuições desvalorizam o verdadeiro processo coletivo e plural que é o socialismo (UDC: unidade & totalidade).

Space, Time and the Quantum Theory Understood in Terms of Discrete Structural Processes, David Bohm

1966

http://www7.bbk.ac.uk/tpru/DavidBohm/PS15_DB_Space_time_Kyoto.pdf

A Genealogical Perspective on the Problematic: From Jacques Martin to Louis Althusser, Jean-Baptiste Vuillerod

Livro: Thinking The Problematic

2020

https://doi.org/10.1515/9783839446409-005

O Materialismo Histórico-Dialético e a Educação, Marília Freitas de Campos Pires

1997

https://doi.org/10.1590/S1414-32831997000200006

On Contradiction, Mao Tse-tung

1937

https://www.marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-1/mswv1_17.htm

Algumas Reflexões Sobre a Historiografia Contemporânea da Ciência, Shozo Motoyama

1975

https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/133167/129267

Modelling the History of Ideas, Arianna Betti & Hein van den Berg

2014

Os autores apresentam nesse texto um método da história das ideias para combater as críticas apresentadas às versões prévias.

https://doi.org/10.1080/09608788.2014.949217

As Etapas da Cosmologia Científica, Alexandre Koyré

em Estudos de história do pensamento científico, pp. 80-90

Nesse texto, Koyré expõe a evolução do pensamento humano sobre o cosmos, em específico a relação entre astronomia e física. Koyré começa dizendo que na ciência, existe uma posição de oposição ente o homem no mundo e o mundo em que ele vive, isto é, o homem se destaca da natureza para analisá-la. Essa separação ente o homem e o cosmos, por exemplo, é o que delimita a pré-história e história da cosmologia científica, notando aquelas noções que ainda não faziam a desumanização do cosmo por não serem independentes de noções filosóficas, mágicas e religiosas. Esse ponto é importante, pois, para o autor, Ptolomeu, Copérnico, Kepler e Newton criaram teorias que não eram independentes destas noções. Por isso, ele toma cosmologias científicas num tom mais amplo que possa englobar essas doutrinas, a de oposição do homem ao cosmo, surgida na Grécia Antiga. Esta oposição não foi levadas às últimas consequências, e, recorrentemente, surgem ideias de harmonia, ordem, perfeição, o reino de proporção, questões que mantém certa unidade entre o cósmico e o social ou humano – são concepções que sempre unificam o ser humano ao cosmos.

De qualquer forma, é na Grécia que surge o estudo de fenômenos cósmicos como tais, o cosmo como objeto de pesquisa científica. Koyré salienta esse ponto, demarcando a insuficiência dos babilônicos em se desembaraçar da astrobiologia e pela falta do trabalho teórico em sua "ciência" sobre o cosmos. Esse ponto é crucial. Numa visão ultrapositivista e ultrapragmatista de ciência, a Babilônia fazia ciência sobre o cosmos ao observarem os céus metodologicamente, mas, ao não terem um trabalho teórico de fato sobre estas observações, falhavam em fazer ciência de fato. Foram os gregos que, ao preservarem os fenômenos em suas análises e buscarem uma teoria explicativa do observável, deram início à cosmologia científica. Essa exigência do saber teórico é o que determina a ciência em si para o autor. A ciência revela a essência da realidade aparente, elucidando da desordem do dado imnediato, uma unidade real, ordenada e inteligível. Trata-se de descobrir uma realidade mais profunda e que forneça a explicação.

A Desarrazoada Efetividade da Matemática nas Ciências Naturais, Eugene Wigner

1960

[1. Apresentação] Os dois pontos principais do texto são o surgimento de conceitos matemáticos que surgem em conexões inesperadas (físicas) e que permitem uma descrição acurada de fenômenos presentes nessas conexões, e, por não compreendemos as razões desta utilidade, não se sabe se uma teoria formulada é única. Em específico, o autor traz a ideia que o inverso da teoria, ou a teoria de objeto inverso, possivelmente seria capaz de explicar o mesmo número de fenômenos que a teoria atual. Portanto, tratamos da unicidade e identidade da teoria.

[2. O Que é a Matemática] Wigner usa da definição de Dubislav que "a filosofia é o uso incorreto de uma terminologia que foi inventada justamente para este propósito" para fazer um paralelo com a matemática ao dizer que "a matemática é a ciência das operações habilidosas com conceitos e regras inventados justamente para este propósito". Ele não se esquece, contudo, que os conceitos mais básicos da matemática são sugeridos pelo mundo real, ou seja, que a matemática é formulada a partir do mundo real, mas que seus conceitos mais avançados, em aparência, não são. Quando consideramos esta disciplina como uma ciência completamente formal, na definição de Álvaro Vieira Pinto (AVP), percebemos que os conceitos que surgem dela são desenvolvimentos da lógica formal em cima das ideias sugeridas pelo mundo, em direção à uma "estética formal", com a qual o matemático pode demonstrar sua engenhosidade e seu senso de beleza formal.

De fato, o matemático explora o domínio de raciocínio permissível, o raciocínio de identidade não contraditório, evitando o que não é permitido e se aprofundando nas implicações dos axiomas inventados, com a criação de conceitos crescentemente mais complexos para auxiliar no desenvolvimento. Wigner diz que esta é uma atitude que surpreendentemente não nos leva num emaranhado de contradições, mas a identidade forçada pela lógica formal-matemática é somente um emaranhado de contradições que delimitam o que é explorável ao matemático. Ele também nota uma certa "perfeição" no nosso raciocínio, necessária para chegar neste ponto do conhecimento matemático, no entanto, essa ideia de perfeição surge somente da autoconsciência do processo de conhecimento, e não é um ponto terminal de conhecer, mas somente uma de suas etapas. A perfeição é um processo de progresso de enraizamento do raciocínio sobre o mundo. Na matemática, em específico, existe um apelo formal de desenvolvimento: conceitos são definidos tendo em vista permitir operações lógicas engenhosas que satisfaçam nosso senso estético. O autor supervaloriza a ideia de estética quando descreve a matemática, quando na verdade o progresso da lógica formal é auto-impulsionada.

[3. O Que é a Física] A física é, no texto, o conjunto das leis da natureza inanimada, mas o autor não específica o que torna a natureza inanimada. Mesmo assim, prossegue dizendo que o mundo é imprevisível em sua complexidade, mesmo que certas regularidades podem ser descobertas. As leis da natureza referem-se a tais regularidades. Essa regularidade é independente de certas particularidades, determinadas pela própria teoria, isto é, existe uma irrelevância de diversas circunstâncias que poderiam desempenhar um papel no fenômeno observado, chamado de invariância. Esta pode ser entendida como uma simetria conceitual: certos aspectos da realidade (divisão imposta pela teoria) são inconsequentes à lei sendo descrita. Esta invariância é um pressuposto científico e sua presença absoluta separa a matemática e a física – a matemática é completamente invariante, enquanto a física somente aparenta ser, como será explorado a seguir. Porém, esta invariância aparente é uma precondição e fator determinante da física, se não houvesse fenômenos que são independentes de quase todas as condições, salvo um pequeno conjunto de condições controláveis (que confere objetividade e empirismo à teoria), a física seria impossível.

Wigner nota que não é dado que existam leis da natureza ou que elas sejam desvendáveis. Como demonstra AVP, a reflexão da matéria viva sobre a realidade é de fato um fenômeno inédito e emergente na vida. Wigner ecoa o pensamento de AVP também, ao chamar atenção à sucessão de leis com cada vez mais generalidade e abrangência, como se estivéssemos penetrando cada vez mais em camadas mais profundas da realidade. No caso, o conhecimento novo se torna a base de sua própria superação no movimento contínuo de descobrimento da realidade. Ele também nota o conhecimento como algo particular, pois somente parte do conhecimento total é aplicado por uma teoria, a teoria também sendo definida por aquilo que nega considerar. Este é o limite formal da lógica utilizada pelo autor, que não reconhece que o pensar geral do conhecimento acumulado pertence à dialética.

Voltando à invariância, ao pensarmos nas máquinas científicas, o físico cria uma situação na qual todas as coordenadas relevantes são conhecidas, de forma que o comportamento da máquina possa ser previsto. O que a máquina científica faz é aplicar a teoria à realidade, um processo de determinação recíproca de reflexão sobre a realidade. Isto salienta à nossa compreensão de invariância que as leis da natureza são todas enunciados condicionais, por mais que sejam relativamente "mais gerais", sempre se comportam condicionalmente, não chegam a generalidade absoluta de fato. Além disso, mesmo os enunciados condicionais podem não ser precisos. Existe uma limitação adicional do escopo das leis da natureza que segue de sua natureza probabilística.

[4. O Papel da Matemática nas Teorias Físicas] Na física, de acordo com o autor, usamos a matemática para aplicar os enunciados condicinais às condições particulares, ou seja, o uso da matemática é aplicar a teoria conceitualmente. Neste caso, a matemática aplicada está servindo apenas como instrumento, no entanto, ela tem um papel ainda mais importante.


In Defence of Dialetical Materialism: A Response to T. Jayaraman, K. K. Theckedath

2014

Aims to show that dialetical materials stands on its its own – needs no outside support.

Consciousness is a Reflection of the Material World

The concept of reflection is introduced by Lenin in Materialism and Empirocriticism (MEc) to attempt to give an account of the development of matter in its evolution into consciousness:

“Consciousness has no meaning beyond nervous systems akin to our own; it is illogical to assert that all matter is conscious [but it is logical to assert that all matter possesses a property which is essentially akin to sensation, the property of reflection], still more that consciousness or will can exist outside matter”.

(what is inside square brackets is Lenin's words, quoting from Pearson)

The property of reflection is a basic property of all matter: when one material object acts on another, the latter changes in such a way as to reproduce certain characteristics of the former. Going back to Lenin:

"Matter is primary, and thought, consciousness, sensation are products of a very high development. Such is the materialist theory of knowledge, to which natural science instinctively subscribes."

When we consider evolution, we know all living organisms are in a continuous interchange of material (and information) with its surrounding, and this organism's chances of survival is affected by its capacity to react to external influences. The capacity of living bodies to survive is linked to the property of reflection. Living matter transforms this reflection into internal processes to effect a response essential to self preservation. With the development of the central nervous system, highly organized animals have the capacity to anticipate external phenomena. These anticipatory reflections are transmitted, stored, processed and retrieved as information, which does not only circulate within a living organism but is hereditary, both genetically as well as culturally.

Labour, Language and Thought

Engels says that "labour created man himself". The development of labour necessarily helped bring the members of society closer together by increasing cases of mutual support and joint activity. Primitive humans had to act jointly and circulate information of ever greater variety and scope to achieve their goals (such as hunting hard prey). This need of sharing information creates the necessity for a language of signals – not a sensuous image, but a concept, a general idea; the signal itself is a word by which the idea is expressed.

Abstraction and reasoning also play a key role in this development. Humans are able to generalize reality into concepts through abstraction. With the concepts available to a person, they are able to go through a process of reasoning, connecting and developing these ideas into new ones, connecting action and result. The development of thinking and reasoning in humans is seen as the evolution of the matter, without the admixture of any foreign element.

The relation between the actual world and the world of thought has been described by Marx and Engels as a relation mediated by language. In The German Ideology, they say:

“One of the most difficult tasks confronting philosophers is to descend from the world of thought to the actual world. Language is the immediate actuality of thought. Just as philosophers have given thought an independent existence, so they were bound to make language into an independent realm. This is the secret of philosophical language, in which thoughts in the form of words have their own content. The problem of descending from the world of thoughts to the actual world is turned into the problem of descending from language to life.”

The development of consciousness also goes through the evolution of relationships like the subject-object relationship. In the process of labour, humans master some connections of the external world, and some connections between his own and other worker's efforts. Being able to discriminate between the reflections of the environment and of oneself, a person is able to detach themselves from this environment to social relations that develop the process of labour.

Matter and Mind

Lenin gives the definition of matter

"Matter is a philosophical category denoting the objective reality which is given to man by his sensations, and which is copied, photographed and reflected by our sensations, while existing independently of them."

There are two parts of this definition. First, objective reality, which is all that has existed in the real world, that exists and of necessity will exist in the future – it is the entire universe in its mutual transitions and transformations which exist independently of consciousness. Second, it defines the relation between matter and consciousness, asserting that the world is cognizable.

Dialetical materialism holds that the world is cognizable. This cognitive act includes (1) the object of cognition (matter existing beyond consciousness), (2) experimentation (action by humans) on the object with the aid of instruments, and (3) knowledge as a reflection of the object's qualities and distinctive properties discovered during this act. Dialetical materialism approaches the problem of cognition shifting the emphasis to the material basis and objective yardstick of knowledge.

Categories of dialectical materialism

The ultimate concepts of philosophy are called categories. To a materialist, these categories are taken out of nature, categories are stages of distinguishing – of cognizing the world – as humans distinguish themselves from nature. Reasoning and the forms of logic have a similar process, arising from human's evolution over time, over thousands of years and social practice. The laws of thought are said to correspond with the laws of nature. In fact, Engels says in Anti-Dühring

"the products of the human brain, being in the last analysis also products of nature, do not contradict the rest of nature's interconnections"

The Laws of Dialectical Materialism

As enunciated by Engels:

➫ The law of transition of Quantity into Quality
➫ The law of Negation of Negation
➫ The law of Unity and Conflict of Opposites

Dialectics as the science of universal interconnection. Main laws: transformation of quantity and quality – mutual penetration of polar opposites and transformation into each other when carried to extremes, the development through contradiction or negation of the negation – spiral form of development.

As Konder says, it is difficult to make explicit the laws of dialectics, but these should serve as a good base to understand dialectical thought. Dialectics is a developing science.

Lenin emphasizes this third law as the definitive law of dialectics:

"dialectics can be defined ad the doctrine of the unity of opposites"

He also adds the law of reflection as an essential property of all matter.

"The 'essence' of things, or 'substance', is also relative; it expresses only the degree of profundity of man's knowledge of objects: and while yesterday the profundity of this knowledge did not go beyond the atom, and today does not go beyond the electron and ether, dialectical materialism insists on the temporary, relative, approximate character of all these milestones in the knowledge of nature gained by the progressing science of man. The electron is as inexhaustible as the atom, nature is infinite but it infinitely exists. And it is this sole categorical, this sole unconditional recognition of nature's existence outside the mind and perception of man that distinguishes dialectical materialism from relativist agnosticism and idealism."

Philosophy of Scientific Realism and Quantum Theory

Dialetical Contradiction in the Sciences, K. K. Theckedath

1983

The world exists independently of the consciousness of man and it is knowable.

The Abstract And The Concrete in the Definition of Space and Time, K. K. Theckedath

On Historical Materialism, Friedrich Engels

A "prática" como "critério de verdade", Elza Margarida de Mendonça Peixoto

2018

https://doi.org/10.5007/2175-795X.2018v36n1p194

Fichamento com bastante cópia

Partindo da dialética hegeliana e passando pelo materialismo feuerbachiano, Marx se depara com os limites da produção de conhecimento e produz sua crítica por base ontológica. Este texto analisa tanto a obra de Marx sobre o assunto quanto a de Barata-Moura, filósofo português, procurando revisar o princípio ontológico que o movimento de Marx de levar o debate sobre a possibilidade do conhecimento com verdade, passando pela renunciação da dialética idealista, a aproximação da dialética com o materialismo e vice-versa, e as noções de ciência, verdade e prática.

As obras de Marx que caracterizam seu movimento intelectual nos anos 1840 são as Teses sobre Feuerbach (1845), os Manuscritos Econômicos-Filosóficos (1844), A sagrada família (1845), e A ideologia Alemã (1845-1846).

Analisemos o problema apresentado nos anos 1840. Trata-se de dois aspectos centrais. Primeiro, aquele de originalidade, isto é, qual entre o espírito ou a natureza veio primeiro no âmbito ontológico, ou o progresso das ciências naturais e industria no âmbito do desenvolvimento da gnosiologia. Segundo, aquele de identidade entre o pensamento e o ser. Enquanto Hegel e os hegelianos afirmam que é possível o pensamento apreender o ser (mesmo que por meio da Idéia Absoluta) no caso de Hegel, outros filósofos como Hume e Kant diziam o contrário, negando a possibilidade do conhecimento. Engels critica estes últimos pelo lado materialista, sem recorrer à perspectiva idealista:

A refutação mais contundente dessas manias, como de todas as outras manias filosóficas, é a prática, principalmente a experimentação e a indústria.

Barata-Moura nota que foi necessário conjunturalmente desenvolver as condições para colocar o materialismo em uma posição ontológica que tivesse o real como base. Além disso, podemos falar de uma base materialista para a dialética hegeliana como um avanço teórico que orienta o materialismo dialético. Poderiamos falar de uma mudança teórica de abordagem, ou na alteração da problemática que pensa uma ontologia nova que chega ao materialismo dialético e à dialética materialista. As relações entre ser e pensar podem ser colocadas em um novo patamar nos seus – é um marco de passagem. Para Marx:

A questão de saber se ao pensamento humano pertence uma verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.

Este novo pensamento é autônomo, uma superação da base filosófica de qual origina. De acordo com Barata-Moura, Marx divorcia a dialética do idealismo, apropriando-se das exigências metodológicas de que o saber dê conta da razão imanente dos processos enquanto critica a base ontológica em que o saber dele repousa e se move. Nesse processo de busca do saber fundamentado na realidade objetiva, Marx passa ao conteúdo interno do materialismo, de sua ontologia, que ele também transforma. É aqui que surgem as bases para a compreensão do problema da possibilidade do conhecimento e da prática enquanto critério da verdade.

Podemos, então, partir para os supostos epistemológicos e ontológicos no qual a categoria marxista de "cientificidade" se assenta. Assim, buscamos extrair os contornos nos quais a prática aparece qualificada para comprovar a verdade, tarefa que cabe à ciência enquanto saber fundamental e fundamentado que penetra o real. Para Marx, nos diz Barata-Moura, o fenômeno e a essência não coincidem imediatamente. Marx critica a concepção idealista da essência:

As abstrações teóricasdos acontecimento reais, os sinais ideais destes, são para os idealistas a realidade.

Ele também passa à crítica do positivismo de uma identificação imediata entre fenômeno e essência. O fenômeno não pode valer por si, não constituí, na imediatez do seu aparecer empírico, a totalidade do próprio ser.

A principal insuficiência de todo o materialismo até os nossos dias – o de Feuerbach incluído – é que as coisas, a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sob a forma do objeto ou da contemplação; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjetivamente. Por isso aconteceu que o lado ativo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo – mas apenas abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento; mas não toma a própria atividade humana como atividade objetiva.

Temos que tomar a essência como um produto histórico concreto, indissociável dos relacionamentos materiais dos seres que ativamente lhe dão corpo, indica Barata-Moura:

A materialidade do ser não se reduz à empiricidade “positiva”, “fáctica”, do existente; traz em si toda a dialética da historicidade, e é nesse âmbito que se alonga que tem que ser considerada.

Nos supostos defendidos por Marx, há relação dialética entre fenômeno e essência, são instâncias diversas de um mesmo movimento tanto epistemologicamente quanto ontologicamente. Essa dialética é imprescindível ao conhecer e do ponto de vista ontológico. Criticando um idealismo que separa a essência do fenômeno como também um positivismo que identifica eles dois imediatamente, Marx sustenta uma unidade do fenômeno com a essência contando com a sua diferença também, porque não é imediata. É, sim, a unidade de um processo que se funda materialmente na própria unidade dialética do real. Essa diferença que lhe garante devir, alteridade constitutiva do movimento, obtendo, assim, uma identidade concreta que, na e pela diferença, se vai determinando. A separabilidade lógica entre esses dois aspectos da realidade não pode ser fundada ontologicamente, a essência constitui o próprio movimento real ba sua determinação e concreção. Barata-Moura também adiciona que

A historicidade, a processualidade, são constitutivas do ser, como constitutivas são do processo pelo qual ele vai sendo refletido na consciência dos humanos. Esta fundamental condição de devir ou de movimento que ao real pertence impõe, ontológica e epistemologicamente, o recurso à mediação como uma necessidade. a sua imediatez e isolamento, cada um dos elementos em presença poderá parecer não-contraditório, abstratamente idêntico a si próprio; no entanto, logo que é intentada a perspectivação dinâmica ou histórica, em que se procura conservar ou salvaguardar a unidade fluente do devir, de pronto a “contradição” ou o “absurdo” tratam de fazer o seu reaparecimento.

Desta forma, para um saber ter cientificidade, esta demanda a possibilidade concreta das realidades. Não basta o empirismo que determina e alinha fatos e dados em sua imediatez. É necessário compreender e determinar a conexão destes mesmos fenômenos, seu vínculo interno que define a tendencia geral de seu desenvolvimento multifacetado. Essa é uma posição que compreende o fundamento ontológico do saber e de seu modo epistemológico de se refletir na consciência.

O concreto é concreto, porque é a reunião (...) de muitas determinações, portanto, [é] unidade do diverso. No pensar, aparece, pois, como processo da reunião, como resultado, não como ponto de partida, apesar de ele ser o ponto de partida real e, portanto, também o ponto de partida da intuição e da representação. [...] o método de subir do abstrato ao concreto é, para o pensar, apenas a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como um concreto espiritual. De modo nenhum [é], porém, o processo de génese do próprio concreto.

Não podemos, portanto, confundir a realidade com a imediatez da sua forma de manifestação, já que esta, de acordo com Barata-Moura, é apenas uma aparência que faz parte do concreto, como momento ou determinação particular, mas não pode ser identificada com ele. Ademais, diz que Marx salienta a relevância epistemológica da determinação da conexão interna dos fenômeno, isto é, poder apurar o concreto ideal que a ciência visa alcançar, no horizonte de seu processo de demanda de inteligibilidade. Visamos, assim, uma cientificidade com um método dialético de desenvolvimento. Barata-Moura adiciona:

A grande tarefa do saber que se pretenda científica é penetrar na dialética do processo, na dinâmica que leva os diferentes momentos, aspectos e elementos, através e apesar da contradição que os perpassa e empapa, a constituírem um devir uno, simultaneamente, idêntico e diverso.

Aqui, observamos a superação das ontologias ingênuas que precederam Marx. A imanência das conexões não se encontra limitada por uma ontologia da substância de tipo discreto, mas no horizonte de uma ontologia inter-ativa das relações. Além disso, há a necessidade de apresentar o fundamento objetivo da racionalidade, não atribuindo um estatuto subjetivo de forma lógica organizadora. Trata-se de refletir o movimento real e a conexão real dos processos. Precisamos destacar a própria lógica, ou a lógica própria dos processos objetivos, aplicar a dialética como função da crítica do trabalho sobre os materiais para apreender a conexão íntima que anima a mostração e deveniência do material – refletir na consciência o movimento real e a conexão real das coisas e dos processos. Aqui, aparece o fundamento prático objetivo da teoria.

É a patir de A ideologia alemã e de A miséria da filosofia que Barata-Moura recupera o processo material de gênese das teorias. As representações da consciência encontram na realidade objetiva a raiz e a base fundamental para sua elaboração. Conforme o autor cita Marx:

A produção das ideias, representações, da consciência está, antes do mais, imediatamente imbricada na atividade material e no intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real. O representar, pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui ainda como decorrência directa do seu comportamento matéria.

O reflexo é a mediação entre o ser e pensar, determinando este último, pondo um alcance ontognosiológico. Há também relevância epistemológica já que existe a relação dialética do saber científico, precisando ser medida com a realidade objetiva, a partir da qual se constitui, pela qual pergunta e para qual procura inteligibilidade. O conhecer é um processo real de apropriação, em cujo decorrer transformações diversas intervém. Na prática, por sua vez, percebemos que esta precisa estar fundada na penetração no curso objetivo dos acontecimentos para que ocorra como transformação material sucessiva. Se formos aplicar esta prática para uma intervenção reconfiguradora, precisamos de um saber científico da realidade com finalidade orientadora que atenda à determinação da conexão interna dos elementos que dinamicamente integram uma dada estrutura. A cientificidade requer, como condição epistemológica basilar, uma adequada penetração na conexão interna dos fenômenos, e não apenas uma descrição da imediatez empírica. Olhando para Hegel, temos uma razão que é a realização da ciência e imanente às próprias coisas. Na leitura materialista, desaparecem as bases ontológicas mistificadas, tendo como base a realidade objetiva – a conexão interna dos fenômenos depende do seu enquadramento concreto em terreno objetivo determinado. Barata-Moura diz

A grande atenção ao real, no seu processo de desenvolvimento e de transformação, bem como às condições objetivas (e subjetivas) que em cada momento vão determinando as diversas fases e figuras do seu devir, é, precisamente, o que irá permitir a um saber que se pretenda científico desempenhar-se com verdade da sua tarefa.

{ver dialética de José Barata-Moura}

Ao nível dos processos sociais, este desenvolvimento real não é apenas sofrido pela humanidade. Os próprios seres humano, na precisa medida em que vivem, na e pela sua acção prática, vão transformando a realidade, vão-lhe trazendo novas e específicas determinações.

Voltamos à prática – uma transformação dependente das condições materiais concretas que a sua atividade social se desenvolve. Quanto melhor o ser humano consegue penetrar na inteligibilidade dos diversos condicionamentos objetivos que a elas corresponde, ele estará em melhores condições de orientar essa transformação segundo fins que são os seus. A ciência e, sobretudo, a dialética podem ser revolucionárias desta forma. Precisa-se exercer em concreto como atividade materialmente - objeticamente - transformadora. É daí que vem a necessidade de a compreensão dialética da realidade objetiva e dos seus processos, ter de encontrar e mobilizar os produtores adequados ao preenchimento da sua constitutiva vocação crítica e revolucionária.

Marx denuncia, critica, e prepara a ultrapassagem da ordem capitalista existente – da ordem histórica que preside ao modo capitalista de produzir e de reproduzir o viver dos humanos –, porque estuda as contradições materiais sobre que repousa, porque compreende as possibilidades objectivas que encerra e que do seu seio se vão perfilando, porque determina os agentes sociais que podem protagonizar e dirigir a sua transformação, porque elabora a estratégia e a tática que hão-de conduzir ao seu objetivo (material) revolucionamento. A transformação é, sem dúvida, prática – política, económica, material. Mas não é nem praticismo atarantado, nem voluntarismo desatado, nem visionarismo enfunado. A transformação dialética do real é o nosso próprio destino. A determinação da orientação que lhe podemos imprimir é exercício consciente da nossa própria liberdade – que não é um poder abstractamente incondicionado, mas uma tendência objectivamente protagonizável. Aqui se joga a dialéctica da história colectiva. Aqui se joga também a dialéctica do empenho pessoal.

A prática é terreno da verdade porque, pela dialética sob ontologia materialista, está na prática, o fundamento do pensar e a possibilidade de o pensado realizar-se enquanto transformação material. Quando profundamente conhecedor do real, é possível que o pensamento oriente o processo de transformação material. Os seres humanos fazem história de acordo com as condições que lhes foram legadas pelo passado. A prática é o critério da verdade, porque é na própria atividade prática, cujas leis podem ser conhecidas à medida em que estudados estes mesmos processos de produção da vida, que os homens podem conhecer as leis do seu desenvolvimento. Antecipando-se ao seu vir a ser os seres humanos podem, no leque dos possíveis, projetar um futuro para além do existente.

Dialectic and Dialetheic; Graham Priest

1990

https://www.jstor.org/stable/40403028

Presente do Joel Soares Moreira

Citações Úteis

"Admiro muito aqueles que dedicam suas vidas à arte, mas admiro mais os que dedicam sua arte à vida"

– Augusto Boal

"O pensamento consiste tanto em decompor analiticamente os objetos representados na consciência em seus elementos como em unir os elementos conexos numa unidade. Sem análise não há síntese"

– Friedrich Engels

“We have busied ourselves and contented ourselves long enough with speaking and writing; now at last we demand that the word become flesh, the spirit matter; we are as sick of political as we are of philosophical idealism; we are determined to become political materialists.”

– Ludwig Feuerbach

“Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.”

– Paulo Freire

"Para Marx, o progresso é algo objetivamente definível, que indica, ao mesmo tempo o que é desejável. A força da crença marxista no triunfo do livre desenvolvimento de todos os homens não depende do vigor das esperanças de Marx neste sentido, mas na pretendida justeza da análise, segundo a qual é neste rumo que o desenvolvimento histórico finalmente conduzirá a humanidade."

– Eric Hobsbawm

"por dura que seja, no entanto, uma derrota é apenas uma derrota; não é a morte. E as derrotas das dialéticas podem sempre vir a ser, dialeticamente, aproveitadas pelos dialéticos"

– Leandro Konder

"El camarada Stalin, llegado a Secretario General, ha concentrado en sus manos un poder inmenso, y no estoy seguro de que siempre sepa utilizarlo con la suficiente prudencia. Por otra parte, el camarada Trotski, según demuestra su lucha contra el CC [Comitê Central (nota de Scalise)], con motivo del problema del Comisariado del Pueblo de Vias de Comunicación, no se distingue unicamente por dotes relevantes. Personalmente, quizá sea el hombre más capaz del actual CC, pero está demasiado ensoberbecido y deja llevar demasiado por el aspecto puramente administrativo de los asuntos"

"Do not debase our revolutionary science to the level of mere book dogma, do not vulgarise it"

– Vladimir Lenin

"A lógica desempenha, pois, o papel de mediação entre o sistema de filosofia, concebido na máxima generalidade, e a teoria da ciência e da pesquisa científica."

"A ciência é uma criação do homem, que descobre a possibilidade de transpor para o plano subjetivo o que é real objetivamente. O homem ao criar a ciência descobre que a cria, ou seja toma consciência da unidade destes aspectos contrários: sua penetração no âmago da realidade, pela praxis da pesquisa, e a simultânea transposição em conceitos universais, em proposições e teorias, dos conhecimentos particulares que vai adquirindo um a um. A lei, enquanto expressão formal, é um produto do pensamento, mas reflete, tal como esse pensamento em geral, a apenas a regularidade entre eles, mas a regularidade entre eles, mas a própria possibilidade de um pensamento, que se desenvolve historicamente até o ponto de se tornar capaz de constituir-se em consciência e conhecimento metódico dos fatos."

– Alvaro Vieira Pinto

"Bolshevism had absolutely no taint of any aristocratic scorn for the independent experience of the masses. On the contrary, the Bolsheviks took this for their point of departure and built upon it. That was one of their great points of superiority."

– Leon Trotski

Lista de Leitura Futura

Esta subseção serve somente para eu me organizar com os livros que eu quero ler. É um plano para o futuro!

Formalize o plano de ação!

Bloco 1: Ciência ± Filosofia

  1. Materialismo e Empirocriticismo; Lenin
  2. A Estrutura das Revoluções Científicas; Kuhn
  3. Um Discurso Sobre as Ciências; Santos
  4. A Ciência como Atividade Humana, Kneller
  5. Ciencia y Revolución; Vázquez
  6. Filosofia da Praxis; Vázquez
  7. Consciência e Realidade Nacional (I + II); Vieira

➾ expectativa: 6 - 8 meses

Bloco 2: coleção bases com agregade

  1. Oposição Operária (26); Kollontai
  2. Reforma Social ou Revolução (48); Luxemburgo
  3. A Libertação da Mulher (15); Multiplas Autoras
  4. Como Fizemos A Revolução (7); Trotski
  5. Centralismo Democrático; Trotski + Lenin + Moreno

➾ expectativa: 2 - 4 meses

Bloco 3: Política & Política-aplicada

  1. A Ditadura Revolucionária do Proletariado; Moreno
  2. O Partido e a Revolução; Moreno
  3. Lógica Marxista e Ciências Modernas; Moreno
  4. La revolucíon permanente; Trotski
  5. El programa de transición (para la revolucíon socialista); Trotski
  6. Actualización del programa de transicion; Moreno
  7. Racismo Estrutural; de Oliveira
  8. As Veias Abertas da América Latina; Galeano
  9. Por uma outra globalização; Santos

➾ expectativa: 4 - 8 meses

Bloco 4: Dialética

  1. Dialética do Concreto; Kosik
  2. Dialectical Logic; Ilyenkov
  3. A Dialética Como Lógica e Teoria do Conhecimento; Kopnin
  4. Lógica Dialética; Kopnin
  5. Fundamentos Lógicos da Ciência; Kopnin
  6. Lógica Formal / Lógica Dialética; Lefebvre
  7. Introdução à Dialética; Adorno
  8. Dialética do Esclarecimento; Adorno
  9. Dialética Teoria Práxis; Bornheim
  10. A Dialética Materialista; Cheptulin
  11. Filosofia Dialética Moderna; Röd
  12. The Dialectics of the Abstract and the Concrete in Marx's Capital; Ilyenkov

➾ expectativa: 8 - 12 meses

Bloco 5: T-t-t-teoria MARXISTA! (receita nova, com ainda mais dialética!)

  1. Concepção Dialética da História; Gramsci
  2. A Contribution to the Critique of Political Economy; Marx
  3. Os Intelectuais e a Organização da Cultura; Gramsci
  4. A Sagrada Família, Marx & Engels
  5. A Ideologia Alemã; Marx
  6. Science of Logic; Hegel 🜏
  7. Das Kapital; Marx (se eu não tiver aprendido alemão até aqui, posso ler em português :( )

➾ expectativa: ∞

Projeto: Filosofia & História da Química Quântica

Objetivo

Nesse projeto, vou buscar fazer uma análise da filosofia e da história da Química Quântica. O projeto final da disciplina Filosofia e História da Ciência Moderna requer que eu faça um texto sobre um episódio da história da ciência com os pressupostos filosóficos explicitados. Como já vou tentar fazer uma reconstrução da Química Teórica pela metateoria estruturalista para a disciplina Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência I, pensei em unir os dois num grande projeto de análise da área de pesquisa que eu penso em seguir. A Química Quântica é uma verdadeira subdisciplina interdisciplinar: ela une os primeiros princípios quânticos provindos da Física, junto com o acumulo qualitativo e representações da Química, por meio da aplicação da Matemática e com a ajuda das ferramentas da Computação. Sua área de aplicação é muito ampla, com uma diversidade de métodos e estratégias que abordam os mesmos problemas de formas diferentes. Além de ser útil para as disciplinas que a compõe, a Química Quântica também pode ser usada em Biologia, completando o Bingo do CCM.

A gênese dessa subdisciplina, seu desenvolvimento posterior e seu objeto proporcionam diversas reflexões filosóficas elucidadas pela sua história. Eu gostaria de poder fazer uma análise dialética de seu surgimento e consolidação enquanto forma de auto-reflexo da matéria e auto-reflexão da ciência, porém, careço por enquanto de métodos bem articulados da dialética na elucidação da filosofia da ciência e sua história. A dialética se propõe a ser a ciência mais geral, tratando do conhecimento no seu processo de devir e, por isso, tem as categorias relevantes de análise do objeto desse projeto. A aplicação científica dessas categorias de forma que esclareçam as contradições em seu movimento é essencial e não-trivial. Eu enxergo a Química Quântica como a negação da negação.

Demonstração Dialética

Kosik
Método da investigação
  1. minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis;
  2. análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material;
  3. investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento.

Chemical Sciences in the 20ᵗʰ Century – Part I: Theoretical Chemistry and Quantum Chemistry

Theoretical Quantum Chemistry as Science and Discipline: Some Philosophical Remarks on a Historical Issue; Nikos Psarros

The author believes that, although there may seem to be an insurmountable barrier between the disciplines of philosophy and history in their reflections of science, the necessity of a systematized scientific knowledge demands cooperation and understanding between these fields. Moreover, he argues that interdisciplinary communication is unavoidable given the fact that there is already a broad use of terms, concepts and statements that cross said barrier. Over these reflections he makes terminological distinction between science and discipline:

Science is understood as an ensemble of true statements about a set of objects that are arranged in a logical system and of methods of their confirmation. The objects are constituted within the frame of methodological rules, the adequacy of which has to be justified by recourse to pre-scientific practice, rooted in the every day life world.

Discipline refers to the implementation of a scientific practice in society. It includes the various forms of its institutional organization for the purposes of teaching, or of research application of scientific knowledge, including public relations and strategies for fund raising.

It is not necessary that every science has its disciplinary implementation in society, nor that the scientific and disciplinary history of a field of knowledge coincide.


The author then comments in the following papers on the subject:

  • Issues in the History of Theoretical and Quantum Chemistry, 1927-1960

There is an importance in understanding the concepts of quantum mechanics and quantum chemistry as theoretical concepts to elucidate the possibilities and confines of this science. Also important is the methodological autonomy of chemistry. The author says the majority of chemists were immune to reductionist temptations which came mainly from physicists and physics-dominated philosophy of science.

Theoretical concepts occurring in chemical and quantum chemical theories are the various corpuscles and their properties. The expressions atom, molecule, electron, ion refer to particles that are thought to be the building blocks of macroscopic objects. These kinds of entities are treated as material ones and are called theoretical constructs. Orbital, spin, chemical bond and charge refer to the theoretical properties of said constructs. The macroscopically detectable properties of chemical substances are thought to be the result of the combined effects of theoretical constructs and their properties.

Fundamental ontic property of these theoretical constructs: the visualization of a corpuscular theoretical constructs always requires a theory of function of the visualizing device, in which the construct under consideration represents a constitutive part. The "existence" of theoretical constructs is always dependent on theories that explain the function of devices, or the occurrence of certain phenomena. Theoretical concepts are implicitly defined. Avogadro introduced in 1811 the theoretical concept of the chemical atom or chemical molecule to explain the whole numbers ratios that appeared upon the reaction of gases. These constructs were later expanded to explain the reaction of non-volatile substances through the means of the mole and molecular weight. Their success in explaining and predicting other chemical phenomena and in integrating them in one chemical theory resulted in their stabilization in the chemical language and their unanimous acceptance by the chemists. It is important to consider if something similar happened to quantum chemistry.

Quantum mechanical constructs and their properties have been introduced in order to integrate spectroscopic, steric, and chemical bond phenomena into a pre-existing chemical theory which, however, already used the concepts of atom, molecule and electron. They are theoretical constructs. Asserting their existence means that we can formulate true statements about them, or true statements that contain the corresponding theoretical concepts.

Simões' and Gavroglu's paper also shows that chemists of the era under investigation regarded their science as methodologically autonomous and not reducible to physics, for two main reasons:

  1. First, regardless of the particular methods applied for the investigation of chemical phenomena, the objects under investigation are always chemical, namely substances.
  2. Second, the theoretical predictions of quantum mechanics concerning chemical phenomena have to be tested in a chemical laboratory.

Thus, the experimental ability of the chemists remains essential in realizing the predicted quantum chemical phenomena, for the deployment of the expertise of the physicist and mathematicians who deliver their theoretical treatments.

  • Giovanni Battista Bonino and the Making of Quantum Chemistry in Italy in the 1930s


  • Between Disciplines: Jean Barriol and the Theoretical Chemistry Laboratory in Nancy

Issues in the History of Theoretical and Quantum Chemistry, 1927 - 1960; Ana Simões and Kostas Gavroglu

Focus on five issues: rethinking of the problem of reductionism; the discourse of quantum chemistry as a confluence of traditions of physics, chemistry and mathematics; the role of textbooks in consolidating this discourse; the ontological status of resonance; and the more general problem of the status of the chemical bond; the impact of large scale computing.


The famous Dirac's dictum about all the laws of chemistry being known is mentioned, taking into account it was trivially true, but of no practical help nor of any consequence for the chemists. The Heitler-London paper of 1927 was a strong indication that mathematics stood in the way of the instantiation of Dirac's program, of chemistry being reduced to physics. After the paper, however, chemistry could be perceived as being different manifestations of spin, which was under the jurisdiction of the physicist. The authors propose to investigate, however, whether reductionism may be a misplaced category if one wants to describe a number of questions in chemistry. They want to discuss that there existed an uneasy relationship between chemists and mathematics

Neither Physics nor Chemistry: A History of Quantum Chemistry

Kostas Gavroglu & Ana Simões

Introdução

A Química Quântica nasce entre disciplinas e, mesmo conforme consolida-se como subdisciplina, reconhecida em jornais científicos, nomes de cargos e produção de livros didáticos, ainda existia-se um certo desconforto na delineação dos limites metodológicos, filosóficos e disciplinares pelos próprios químicos quânticos (exemplo dado é Coulson e Löwdin). Partindo do artigo de Heitler e London, que mostra que a ligação covalente podia ser abordada matemáticamente e físicamente explicada pela mecânica quântica recém-formulada, a narrativa deste livro traça essas linhas: demonstra o desdobramento deste desconforto metodológicos e filosóficos enquanto trata das diferentes vertentes que sintetizam-se na química quântica. Novamente, estamos falando das diferentes tradições metodológicas que vieram à tona, das decisões dos líderes de cada vertente na consolidação das práticas adotadas, das estratégias retóricas e o processo de legitimação, da construção de uma comunidade científica, e do lugar de instituições que acomodaram o surgimento da subdisciplina. Tudo isso também envolve um processo de questionamentos teóricos e filosóficos levantados pela multidão de práticas dela.

Neste livro, o desenvolvimento da química quântica enquanto subsdisciplina interdisciplinar é narrado em seis agrupamentos interrelacionados, que manifestam as particularidades das articulações em desenvolvimento com química, física, matemática e biologia. O primeiro agrupamento trata do conteúdo epistemológico da química quântica: os diversos contextos que preparam sua gênese, os dilemas de seus praticantes iniciais, que envolve o conflito entre métodos matemáticos rigorosos com limitações de resoluções e métodos semi-empíricos e seus problemas. A química quântica aparece formada de diversas correntes em confluência, nenhuma que isoladamente confere à subdisciplina seu conteúdo, mas cuja combinação cria uma nova ala da química. O próprio estatuto dessa nova área também é disputado – históricamente não foi sempre uma subdisciplina da química, com diferentes culturas científicas (das matemáticas e física, por exemplo) tentando se apropriar dela. Os autores argumentam que a química quântica tem, na verdade, autonomia relativa tanto à física quanto à química.

O segundo agrupamento é relacionado com a emergência disciplinar: a formação do caráter da química quântica dependeu de diversos fatores como a nomeação de cátedras, política universitária, congressos e alianças que os químicos fizeram com membros de outras disciplinas. O livro propõe uma narrativa entrelaçada que reflete a complexidade das interações a nível individual, comunitário e institucional. A emergência da química quântica é determinante na construção de suas características: uma atividade marginal no início que teve sorte com os propagandistas e negociadores que a consolidaram. As diversas mentes que pensavam a química quântica contribuem para a coagulação gradativa da língua da nova subdisciplina como também sua presença social, ambos fatores importantes para seu aparecimento e consolidação.

O terceiro agrupamento é seu caráter contingente. A química quântica poderia ter se desenvolvido diferentemente e a forma histórica particular que toma não é somente resultado de aspectos técnicos, mas considerações culturais e filosóficas. Os autores argumentam que subdisciplinas existentes "entre" ciências proporcionam um contexto privilegiado para a investigação das possibilidades interpretativas providenciadas pela noção de contingência. Neste caso, precisamos estar atentos às possibilidades de desenvolvimento abertas a cada momento histórico e quais eram as dificuldades em cada conjuntura histórica particular que dissuadiram ou progrediram os diversos caminhos possíveis. No período estudado pelo livro, o critério utilizado pelos químicos quânticos em seu desenvolvimento do esquema teórico gravitava em torno um compromisso com a mecânica quântica, a produção de um quadro teórico no qual visões quasi-empíricas eram decisivas na produção teórica e a construção de técnicas de aproximação. Esses critérios eram também influenciados pelos posicionamentos metodológicos, filosóficos e ontológicos como também considerações institucionais.

O quarto agrupamento é a rearticulação trazida pelo computador eletrônico. A introdução dessa ferramenta à prática da química quântica permite a superação dos límites dos cálculos analíticos e até ajuda a estabelecer o computador como ferramenta científica. Foi computador abre espaço para que a subdisciplina se torne uma contribuidora da química convencional, enfraquecendo o critério principal com os quais os praticantes de anos anteriores faziam suas considerações sobre a química quântica – as dificuldades vencidas e possibilidades apresentadas pelo cálculo computacional influenciaram o próprio panorama dessa ciência. Com o computador, uma nova cultura de fazer química quântica se afirma sobre a antiga, aumentando a complexidade dos sistemas sob domínio das técnicas dessa subsdisciplina, com casos em que cálculos (podendo até ser ab initio) substituem experimentos. A coexistência de diferentes abordagens da química quântica, consensual por muito tempo, virou rapidamente subserviente à nova maneira de utilização do computador como ferramenta de solução de cálculos quânticos da matéria.

O quinto agrupamento relaciona-se com a filosofia da ciência. Os questionamentos levantados na história da química quântica são centrais à filosofia da química: reducionismo, realismo científico, o papel da teoria, incluindo seu caráter descritivo e preditivo, o papel de representações pictóricas e da matemática, o papel de abordagens semi-empíricas e ab initio, e o status de entidades teóricas e de observação empírica. Os diversos autores da química quântica participaram dessas discussões, pelo menos implicitamente. Por mais que não fossem tratados como problemas filosóficos, as respostas dessa problemática foi um procedimento necessário no estabelecimento da química quântica. Nessas discussões, muitos químicos quânticos buscavam jeitos de escapar das formas de pensamento de físicos. Notavelmente, a primeira geração de químicos quânticos se tornaram aliados de filósofos da ciência.

O sexto agrupamento tem caráter quasi-metodológico ou quasi-cultural. Os autores introduzem aqui "styles of reasoning", um conceito de Ian Hacking no qual uma proposição particular p tem um certo estilo de raciocínio que determina a forma que p aponta à verdade ou à falsidade. Um estilo, assim, traz à existência candidatos da verdade. Para Hacking, "many categories of possibility, of what may be true and false, are contingent upon historical events, namely the development of certains styles of reasoning." Um estilo e o discurso subsequente formado dentro dele, possuí um peculiar caráter auto-referencial sobre os critérios que avalia sua própria coerência. Isto não é uma substituição de "teoria" ou "modelos", mas uma forma de considerar o desenvolvimento dentro de uma variedade de estruturas teóricas. Na análise de diversos estilos, percebe-se que o que importa no exame do desenvolvimento de teorias são as categorias de possibilidades abertas por cada estilo, e as tentativas de explicar as possibilidades de cada discurso.

Esses seis agrupamentos – o conteúdo epistêmico, os assuntos sociais envolvidos na emergência da disciplina, o caráter contingente dos vários desenvolvimentos, as mudanças dramáticas trazidas pelo computador eletrônico, as questões filosóficas, e a importância dos diferentes estilos de raciocínio nas diferentes abordagens de química quântica – formam a narrativa do livro. São indispensáveis para o entendimento de como a química quântica desenvolve nos seus primeiros 50 anos.

1. Quantum Chemistry qua Physics: The Promises and Deadlocks of Using First Principles


Comentários



  • O comentário do Dirac é teóricamente correto, mas praticamente inexpressivo, pois não leva em consideração as particularidades do objeto da química quântica: sistemas complexos de moléculas cujas regras de combinação e descrição qualitativa já estava em desenvolvimento na Química. A grande generalização de Dirac vem numa época em que, ineditamente, problemas químicos começaram a ser explorados pelo método físico, por meio da mecânica quântica.



  • A pré-história da química quântica começa por volta de 1910 com físicos e químicos tentando explicar a natureza da ligação química com duas tradições distantes: físico-química e espectroscopia molecular e duas visões da constituição dos átomos conflituosas. Para químicos como Lewis tinha-se a visão do átomo estático, enquanto físicos como Bohr tratavam o átomo como dinâmico e usavam disso para explicar as complexidades dos espectros de moléculas.
    • É bom lembrar que, no limite, essas tradições tratavam do mesmo objeto!


  • Bohr considerava que somente alguns elétrons exteriores participavam da ligação, enquanto a os elétrons de órbitas internas permaneciam praticamente inalterados pela presença de outros núcleos. Ele imaginava que os elétrons da ligação giravam num anel em volta de uma linha conectando os dois núcleos. Esse anel que "keeps the system together, represents the chemical 'bond'". As consequências químicas do modelo molecular de Bohr entravam em conflito com dados experimentais (como a energia de formação molecular), e era complicado demais para moléculas maiores.
  • O modelo de Lewis, que tratava de um par de elétrons sendo divididos, era capaz de dar uma solução qualitativa do problema de ligações químicas. Foi possível traduzir a figura de Lewis na linguagem dinâmica de Bohr com uma transformação dos elétrons estáticos em elétrons orbitalares revolucionando em trajetórias binucleares (Kembel et al. 1926).
  • Os orbitais de ligação podiam então ser pensados em duas formas distintas: ou em seu movimento entre e em volta dos dois núcleos, providenciando assim o vínculo entre os átomos (visão mais próxima de Lewis) ou com seu movimento acontecendo no plano perpendicular à linha que conecta os dois átomos ou em órbitas cruzadas, mais próximo à visão de Bohr. Nos casos em que o cálculo de propriedades experimentais era possível, não se obteve correspondência.


  • Quantização foi aplicada a moléculas 2 anos antes de ser aplicada a átomos, independente de considerações sobre espectroscopia atômica:
  • Bjerrum providenciou um modelo para explicar os espectros infravermelhos de algumas moléculas diatômicas por meio do modelo de uma molécula como um rotador vibratório. A concordância entre teoria e experimento providenciou um argumento a favor da quantização de energias de rotação e vibração. Este modelo híbrido assumia a quantização de energias rotacionais em conjunto com a eletrodinâmica clássica e o teorema de equipartição.
  • Foi o trabalho de Bjerrum e Eva von Bahr que evidenciaram que não era possível tratar da rotação de moléculas classicamente.
  • Até 1919-1920 espectroscopia molecular e atômica se desenvolviam separadamente, devido ao sucesso dessa teoria.


  • Heurlinger e Kratzer demonstraram que a condição da frequência de Bohr poderia ser extendida para além do movimento de elétrons e se aplicava a interpretação dos movimentos de rotação e vibração das moléculas, unindo espectroscopia molecular e atômica no mesmo guarda-chuva teórico.
  • Kemble, utilizando a hipótese de Einstein-Bohr (a frequência medida equivale à diferença de energia dos estados) promove a interpretação de espectros de banda como diferença de estados, para todas as regiões. A partir de então, espectroscopistas começaram a usar tanto essa hipótese quanto a quantização da energia para analisar o espectro eletromagnético e sua interação com a matéria.



The Heitler and London Paper of 1927

  • O objetivo inicial era calcular a interação das cargas dos dois átomos, sem considerar a troca de elétrons [Agr3]. O resultado deles, que usava a integral de Coulomb, não era capaz de dar conta da interação que eles queriam elucidar – representava somente a energia de um elétron ocupando um orbital atômico numa molécula diatômica.
    • O trabalho de Heisenberg em ressonância já publicado, que tratava da troca de dois elétrons num mesmo átomo, um no estado fundamental e um no excitado, não foi de muita ajuda para a dupla.
  • Eles resolveram o problema da ligação de hidrogênio ao entenderem a figura de duas funções de onda sendo somadas e subtraídas com a troca apropriada. Eles também perceberam que existia uma segunda interação entre os átomos de hidrogênio de repulsão, que não era particularmente novo dada a hipótese eletroquímica antiga, com o qual diversos químicos já estavam acostumados. Mesmo sendo capazes de completar o cálculo, eles tiveram dificuldades com o Princípio de Pauli


  • Para alcançar seus resultados, eles consideraram dois átomos de hidrogênio se aproximando. A função de onda do sistema era uma combinação linear das duas possibilidades de arranjo dos elétrons. Para encontrar os coeficientes da combinação, eles minimizaram a energia do sistema, encontrando duas soluções.
    • Na minimização das energias, aparece-se a integral de sobreposição, que mede quanto as duas funções de onda atômicas se sobrepõe, a integral de Coulomb, que trata da interação eletrostática de um eletron num orbital atômico na molécula diatômica, e a integral de troca, que reproduz um efeito puramente quântico de troca de partículas indistinguíveis.
  • As duas soluções de minimização energia e os coeficientes correspondentes significavam duas situações físicas distintas em relação ao spin dos elétrons. As propriedades simétricas requeridas pelo princípio de exclusão de Pauli eram estabelecidas somente em uma das soluções, na qual os elétrons eram antiparalelos e o mínimo de energia era menor que a soma dos dois átomos separados, que significava atração. A outra função de onda, com os elétrons com o mesmo spin, tinha uma energia maior que a soma dos átomos separados e portanto podia ser interpretada como repulsão.
    • Esse pareamento de elétrons com spins antiparalelos remete a Lewis, porém London e Heitler atribuíram a ideia a Kossel.
  • Desta forma, agora a ligação homopolar podia ser entendida como um efeito puramente quântico, já que sua explicação se apoiava somente no spin do elétron.


  • Os autores perceberam que integral de troca, representando a interação de troca significava um fenômeno fundamentalmente novo que não tem paralelos clássicos
    • Os autores defendiam sua 'não-visualizabilidade' e foi um aspecto de seu trabalho continuamente deturpado inicialmente.


  • Por mais que o tratamento da ligação homopolar da molécula de hidrogênio apareça como uma continuação ou extensão dos métodos bem sucedidos usados no íon molecular de hidrogênio aplicados por Olaf Burrau na mesma época, a presença e papel do princípio de exclusão de Pauli torna o trabalho de London e Heitler qualitativamente distinto e com implicações radicais. No caso do íon molecular, sua solução era era um exemplo da aplicação da equação de Schrödinger onde as únicas forças determinando o potencial eram eletromagnéticas – uma abordagem similar para a molécula de hidrogênio resulta numa solução matematicamente bem definida mas sem sentido físico, pois não leva em consideração as forças atrativas.
    • Uma nova limitação era necessária para que as soluções obtivessem conteúdo empírico físico [Agr1] --> a materialização do princípio de Pauli
  • O artigo de Pauli sobre spin apareceu enquanto Heitler e London estavam em Zürich, porém eles não o acharam particularmente satisfatório, pois era um híbrido entre a equação ondulatória e mecânica matricial.
  • Um aspecto da significância teórica do artigo de Heitler e London era que a limitação necessária para obter-se uma descrição físicamente significativa não veio na forma de novas suposições sobre as forças envolvidas, mas pela invocação do princípio de Pauli que causa uma metamorfose do conteúdo físico da solução matemática.
    • Importância desse artigo enquanto significador do começo da química quântica!!
  • Com essa nova limitação, os termos das equações se tornavam fisicamente significativos e sua interpretação em termos do princípio de Pauli levou à compreensão das novas possibilidades providenciadas pela interação eletromagnética.


  • London expande depois a formulação do princípio de Pauli para casos com mais de dois elétrons, que se desenvolve com seu trabalho com teoria de grupos. A função de onda pode conter no máximo argumentos simétricos em pares; os pares de elétrons nos quais as funções de onda dependem simétricamente tem spins antiparalelos.
    • Ele considerava que o spin era uma característica constitutiva da química quântica --> O spin começava a entrar na química
  • Com o princípio de Pauli, era possível entender a saturação de valência: quando dois elétrons de diferentes átomos combinam-se para formar uma vibração de Schrödinger simétrica, uma ligação surge.
  • O conceito de spin se tornaria um dos maiores indicativos de comportamento de valência, e estaria sempre "in the heart of chemistry" – Van Vleck.


  • O trabalho de Heitler-London abriria uma nova área no estudo de problemas químicos. A aplicação da mecânica quântica conseguia esclarecer o fato que dois átomos de hidrogênio formavam uma molécula enquanto hélio não. Essa "distinction is characteristically chemical and its clarification marks the genesis of the science of sub-atomic theoretical chemistry" – Pauling. Van Vleck também tinha a opinião que se tratava de "the beginnings of a science of 'mathematical chemistry'".
  • Pauling e Wilson aclamaram o artigo em seu livro de mecânica quântica para químicos (1935) como uma das maiores contribuições ao conceito de valência desde a sugestão por Lewis dos pares de elétrons. Heisenberg (1931) considerava a teoria de valência dos autores tendo a vantagem de levar diretamente ao conceito de valência utilizado pelos químicos.
    • O conceito de valência obtém um caráter matemático e físico (quântico).


  • Houveram mudanças significativas entre os químicos nas questões relacionadas às ligações químicas e valência, conforme vistas no "Symposium on Atomic Structure and Valence". Os químicos pareciam suficientemente fluentes nos caminhos da nova física. Clark falava de modos de comportamento enraizados entre químicos e físicos e era contra um entrincheiramento que não permitia que canais de comunicação ou uma linguagem em comum entre os dois fossem estabelecidos. Para ele, químicos falhavam em testar suas concepções bem fundamentadas com os fatos de experimentação física enquanto os físicos não se aprofundavam criticamente nos fatos de combinação química.
    • Clark não negava um fator central à cultura dos químicos: a viasualizabilidade. Ao mesmo tempo, o fato que ele falava sobre os químicos pensantes indica os problemas iniciais no convencimento dos químicos da importância de usar mecânica quântica.
  • Rodebush foi além de Clark, observando que a divergência dos caminhos entre os químicos e físicos se tornava em convergência, especialmente depois do artigo de Bohr. Ele aceitava que agora os físicos podiam calcular o calor de formação de hidrogênio por meio da equação de Schrödinger, mas lembrava que o poder de uma teoria de valência era a previsão da existência ou ausência de diversos compostos e a natureza unitária da valência que pode ser expressada por uma série de números inteiros, levando às leis de proporções, antiga na química. As teorias de Lewis eram capazes de dar conta desses dados. Por mais que o uso da teoria de grupos London para a valência era considerada importante, ela não respondia algumas questões dos químicos. Por causa da natureza qualitativa dos métodos químicos, ele esperava algum tipo de princípio de correspondência químico.


  • Van Vleck análise da mecânica quântica apresentada no simpósio concentrou-se em explicar os princípios e lógica interna da nova teoria. Ele era partidário da abordagem de Heitler e London (até por volta de 1935) até ser convencido da abordagem por Pauling e Mulliken que tinha métodos mais práticos. Ele aceitava a posição de Dirac sobre as leis da química sendo completamente conhecidas por meio da física quântica e acreditava que os físicos seriam capazes de calcular níveis de energia moleculares para o químico. O ponto crucial dessa abordagem era que a não-ocorrência de compostos provinha do fato que as soluções da equação de Schrödinger não satisfaziam os requisitos de simetria do princípio de Pauli. Ele enfatizava a importância do spin para a química e mostrou que o princípio de Pauli de exclusão poderia explicar a tabela periódica.
    • No entanto, para a mecânica quântica ser útil para a química, ela tem que ir além da tabela periódica e ser capaz de explicar quais átomos combinam e quais não.


  • Pauling propagandeou a mecânica quântica para os químicos, apresentando os resultados da densidade eletrônica calculadas por Burrau. Este último foi o primeiro a calcular a função de onda para a molécula mais simples (o íon molecular de hidrogênio), obtendo a expressão numérica do orbital molecular, junto com valores de equilíbrio de distância internuclear, energia total, e energia vibracional do menor estado. C
  • Considerava-se satisfatório o tratamento da estrutura da molécula de hidrogênio por Heitler e London, sendo repetidamente dito que spin e ressonância (uma ideia de Pauling) providenciariam uma explicação para valência química.


  • O químico Harry Fry articulava uma posição "pragmatista química", na qual químicos (orgânicos) deveriam considerar quais seriam as modificações necessárias das fórmulas estruturais para conformar com a nova teoria de valência sem perder de vista o propósito fundamental dessas fórmulas: apresentar o número, tipo e conformação de átomos em moléculas que correlacionava as diferentes reações exibidas pelas moléculas. O comportamento real das moléculas era a principal preocupação do químico pragmático, ao invés da imposição de um sistema eletrônico complicada pelas especulações metafísicas envolvendo o problema não resolvido da constituição do átomo. Fry sabia que conforme soubesse-se mais sobre a constituição do átomo, seria possível explicar melhor as propriedades químicas, mas isso não deveria significar sair do território da experiência sensorial, pois levaria à contradições (chegando até a citar Kant).



Teoria de Grupo e o Problema da Valência Química

  • Tanto Heitler quanto London (em momentos diferentes) avançaram o trabalho que tinham começado com teoria de grupos.
  • Heitler começou esclarecendo o que os químicos queriam dizer nas linhas entre os átomos que desenhavam, isto é, com as ligações químicas. Para Heitler, cada linha de ligação significava a troca de dois elétrons com spins contrários (antiparalelos), examinando o caso da molécula de nitrogênio. Ele pensava que com a teoria de grupo, se poderia generalizar a prova. Ele tinha um programa abrangente que visava explicar toda a química, mas era incapaz de lidar com simples fatos químicos como a combinação entre nitrogênio e hidrogênio. Mesmo assim, obteve sucesso com sua explicação de metano.
  • London concordava com Heitler que a teoria de grupos poderia providenciar as dicas para a generalização dos resultados obtidos por métodos de perturbação. O objetivo era provar que a mecânica quântica estipulava que entre todas as possíveis combinações de spin entre os átomos, somente um termo providenciava a atração necessária para a formação molecular. Mesmo assim, London inicialmente não participou dos estudos de teoria de grupos, procurando um meio mais intuitivo.
  • O trabalho de Wigner mostrou que uma realização da teoria de grupos existia que podia classificar os valores de energia de um problema de múltiplos corpos como também calcular energias de perturbação. A teoria de representações irredutíveis do grupo de permutação tornava possível resolver matematicamente com o problema de valência química, vista as dificuldades de lidar com o problema de muitos corpos.
  • Usando teoria de grupo, Heitler começou a publicar artigos lidando com a questão da valência. Junto com Georg Rumer em 1931 eles foram capazes de estudar as estruturas de valência de moléculas poliatômicas e encontrar o análogo mecânico-quântico mais próximo da fórmula química. ELes encontraram que a descrição quântica era mais geral e que as ligações não eram estritamente locais. Mesmo assim, a estrutura dominante correspondia à fórmula química. As outras estruturas eram úteis na compreensão de reações químicas
    • Versão quântica mais generalizada com a versão química permanecendo dominante.


  • London, convencido na necessidade de superar os métodos analíticos, também começou a trabalhar em teoria de grupos e aplicá-la à química quântica. Ele queria enfrentar a ordem misteriosa das leis que a química elucidava. Seu programa tinha três partes principais:
    • Primeiro, qualquer coisa que correlacionasse uma avaliação qualitativa de cálculos teóricos e os conhecimentos químicos providenciavam evidência forte de correção metodológica da abordagem, expressando as regularidades como regras.
    • Segundo, por causa dos limites de cálculos analíticos, a teoria de grupos era essencial quando lidava-se com número de valência de átomos polieletrônicos.
    • Terceiro, o resultado abrangente era que a interpretação de fatos químicos eram compatíveis com o quadro conceitual da mecânica quântica.
  • Ele tentava, assim, atribuir uma interpretação apropriada aos números de valência com as representações da mecânica de ondas da quântica. Ele queria examinar as forças entre os átomos, se era possível decifrar o significado das regras que os químicos haviam encontrado semiempiricamente e colocá-las sob uma base teórica, determinar os limites dessas regras e ter um tratamento quantitativo delas.
  • Por mais que as 'forças químicas' parecessem desviar do comportamento de outras forças, ativando-se e esgotando-se, ao usar considerações elementares de simetria, o modo de operação das forças de valência eram mapeadas nas propriedades de simetria das autofunções da equação de Schrödinger dos átomos e podia ser interpretado como um efeito ressonância quântica. Esse interpretação produzia os mesmos números de valência e as mesmas regras formais de combinação química que seguiam das possibilidades da teoria de grupos como uma consequência imediata o princípio de Pauli em conexão com o valor duplo do spin do elétron. A saturação da valência era uma expressão da restrição que o princípio de Pauli impunha sobre a ocupação de estados equivalentes.
  • A teoria de London de valência por spin lidava principalmente com os casos que cada elétron do par vinha de um átomo diferente. Elétrons já em pares poderiam ser desemparelhados para se tornar disponíveis para formação de ligação química sem muita energia, desde que to número quântico n não mudasse.


  • A abordagem de Heitler e London demonstrava que a mecânica quântica seria o quadro teórico apropriado para lidar com problemas químicos. Eles também não prestavam atenção para a necessidade dos químicos de visualizabilidade.



Hückel: Não-Visualizabilidade e a Teoria Quântica da Ligação Dupla

  • Trata-se de uma abordagem paralela sobre ligações químicas que se formava na Alemanha e procurava atender a comunidade de químicos orgânicos com forte fundamentação em mecânica quântica. As contribuições de Hückel eram principalmente na área de química orgânica, especificamente na área de moléculas aromáticas, e dialogavam diretamente com os químicos orgânicos, buscando convencê-los das possibilidades emergentes com a física quântica.


  • O conceito de ligação dupla é tão velho quanto o carbono tetraédrico. Sua rigidez não era bem explicada e não havia um tratamento quântico para este tipo de ligação.
    • Inicialmente Hückel tenta usar conceitos da física clássica para explicar a rigidez contra a rotação, mas não obtém sucesso.
  • Ao observar a interação inesperada da ligação dupla com a luz ultravioleta, Hückel propõe então que essa anomalia poderia ser explicada pela estrutura eletrônica da dupla ligação, e portanto haveria uma necessidade de um tratamento pela mecânica quântica do fenômeno. Ele utilizou dos desenvolvimentos já presentes sobre as molécula de oxigênio para proceder de forma algorítmica: primeiro, um dos oxigênios era substituído por CH2, depois, trocando o outro átomo de oxigênio, obtinha-se etileno, com sua dupla ligação. Ele partiu do estado fundamental de oxigênio molecular proposto por Lennard-Jones em 1929, mesmo sabendo da alternativa proposta por Hund e Mulliken. Considerando o estado fundamental de formaldeído (O=CH2) e simplificando o problema (sem considerar acoplamento entre as ligações sigma e pi), ele concluiu que tanto os elétrons da ligação sigma de oxigênio, quanto os elétrons da ligação pi formavam ligações de valência homopolares. A perturbação trazida pela presença de hidrogênio no carbono, contudo, quebrava a degeneração da ligação pi em dois estados distintos resultando em dois estados polieletrônicos possíveis: um singleto e um triple. Como não era possível calcular qual estado polieletrônico tinha menor energia potencial, não era possível estimar o caráter magnético de formaldeído. Da mesma forma, ele foi capaz de chegar em etileno.
  • A conclusão final da análise de Hückel era que a ligação dupla constituía-se de dois tipos de ligação, uma sigma e uma pi. A segunda era responsável pela estabilização da conformação planar da molecular


  • Hückel não podia ser indiferente sobre as particularidades interpretativas de seu tratamento teórico do problema da dupla ligação, formulando um sério desafio epistemológico aos protagonistas da química quântica

Autores



Dirac: tinha um programa reducionista, que ressoava com a comunidade de físicos que pensavam que os problemas da química não passavam de cálculos da mecânica quântica.

"The general theory of quantum mechanics is now almost complete, the imperfections that still remain being in connection with the exact fitting in of the theory with relativity ideas. These give rise to difficulties only when high-speed particles are involved, and are therefore of no importance in the consideration of atomic molecular structure and ordinary chemical reactions, in which it is, indeed, usually sufficiently accurate if one neglects relativity variation of mass with velocity and assumes only Coulomb forces between the various electrons and atomic nuclei. The underlying physical laws necessary for the mathematical theory of a large part of physics and the whole of chemistry are thus completely known, and the difficulty is only that the exact application of these laws leads to equations much too complicated to be soluble. It therefore becomes desirable that approximate pratical methods of applying quantum mechanics should be developed which can lead to an explanation of the main features of complex atomic systems without too much computation." - Dirac, Quantum Mechanics of Many-Electron Systems





















Bjerrum: físico-químico, compatriota e amigo de Bohr. Ele aceitava a identidade eletrodinâmica clássica entre frequência de radiação e frequência mecânica de movimento, em oposição a Bohr que relacionava a frequência de radiação com a diferença de energia acompanhando pulos eletrônicos.













Kemble: físico e especialista em espectroscopia. Notou que as frequências espectroscópicas medidas são a diferença de energias, e não correspondem à frequência de movimento do sistema emissor, debilitando a interpretação semiclássica de Bjerrum.




Fritz London: se graduou na Universidade de Munique com uma tese em filosofia da ciência, tratando de sistemas dedutivos. Foi uma das primeiras tentativas de investigação da filosofia da ciência expressada pelo fundador do movimento filosófico fenomenológico de Husserl. Ele desenvolveu uma visão anti-positivista e anti-reducionista. Sua filosofia era profissional e tratava do status de uma teoria dedutiva e as condições da existência de tal teoria.

Ele foi trabalhar com Born (Göttingen) e depois com Sommerfeld (Munique) com quem fez seus primeiros cálculos de espectroscopia. Quando foi obteve sua primeira posição acadêmica em Stuttgard, ele se envolveu com teoria quântica. Seus trabalhos envolveram mecânica de matrizes, e ele contribuiu com a teoria da transformação, que permitia a mecânica quântica ser expressada em espaços de Hilbert, o que produziu resultados com mais fácil interpretação física e dando mais ênfase nas novas características da quântica.


Walter Heitler: Teve interesse em química física quando entrou em contato com o assunto em certas aulas enquanto estava na universidade, e nessas aulas entrou em contato com a teoria quântica. Também tinha um conhecimento avançado em matemática. Após um ano em Berlin, ele termina sua tese doutoral na Universidade de Munique em soluções concentradas, sem tempo de estudar os novos desenvolvimentos na quântica contemporâneos. Com a ajuda de Sommerfeld, ele foi a Copenhagen para trabalhar com Bjerrum num problema de íons em solução. Determinado em trabalhar com mecânica quântica, ele convenceu Bjerrum e Schrödinger para ir a Zürich a segunda metade do período que ele obteve financiamento para sua pesquisa. Em Zurique, ele começa a trabalhar com London sobre a força van der Walls entre dois átomos de hidrogênio.

"to struggle with the proper formulation of the Pauli principle, which was not at that time available, and also the connection with spin... There was a great deal of discussion about the Pauli principle and how it could be interpreted." – Entrevista com Heitler








"I think the only honest answer today is that the exchange is something typical of quantum mechanics, and should not be interpreted - or one should not try to interpret it - in terms of classical physics" – Entrevista com Heitler



























































"The position of the Bohr conception has seemed so convincing that perhaps the majority of thinking chemists were coming to accept the dynamic atom which is fully capable of visualization" – Clark, 1928





Worth Rodebush: Foi um dos primeiros a receber seu doutorado no recém-estabelecido Departamento de Química da Universidade de California - Berkeley, com Lewis como presidente.

"the physicist seems to have yielded more ground than the chemist. The physicist now tells the chemist that his way of looking at things are really quite right because the new theories of the atom justify that interpretation, but, of course the chemist has known all the time that his theories had at least the justification of correspondence with a great number and variety of experimental facts" - Rodebush, 1928

































"When we are considering methods of modifying this structure theory of organic chemistry, by imposing upon its structural formulas an electronic valence symbolism, are we not, as practical chemists, obligated to see to it that such systems be one that is calculated to elucidate our formulas rather than render them obscure through the application of metaphysically involved implications on atomic structure which are extraneous to the real chemical significance of structural formulas..." – Fry, 1928







Heitler saiu de Zürich e foi trabalhar em Göttingen como assistente de Born, onde se aprofundou sobre mecânica matricial e começou a acreditar que a solução do problema de múltiplos corpos poderia ser solucionada com teoria de grupos.





























"the most urgent and attractive problem of atomic theory: the mysterious order of clear lawfulness, which is the basis for the immense factual knowledge of chemistry and which has been expressed symbolically in the language of chemical formulas" – London, 1928









"the uniqueness of the chemical symbolism is actually a consequence of the most fundamental theorems of the theory of representations of the symmetric group" – London, 1928






















Erich Hückel terminou seu doutorado em Göttingen com Debye em 1921, no qual estudou as propriedades de líquidos anisotrópicos. Depois, com Born publicou um artigo em 1923 sobre a teoria quântica de moléculas poliatômicas. Ele defendia que a teoria quântica recém-formada tinha muito a oferecer à química. Depois, voltou a trabalhar com Debye em Zürich usando termodinâmica estatística para tratar de eletrólitos fortes e a condutância de soluções diluídas. Para sua habilitação, ele estendeu seu trabalho anterior para lidar com soluções de alta concentração de eletrólitos em 1925. Isso culmina nele escrevendo um livro em química coloidal na adsorção e condensão capilar de gases em corpos porosos. Os desenvolvimentos colossais da física quântica ocorreram enquanto Hückel escrevia seu livro e, com a pressão de Debye, ele foca na mecânica quântica atendendo um evento organizado por Debye sobre 'Química e Teoria Quântica'. Em 1929 Bohr instruí ele a estudar a dupla ligação. Ele foi trabalhar na Universidade de Leipzig, onde Heisenberg e Hund já trabalhavam como professores de física teórica e física matemática respectivamente. Em 1930, Hückel foi ensinar física química em Stuttgart, ficando lá até 1937. Em Stuttgart, ele começa a estudar o estado vinculativo de ligações duplas e simples alternando, em efeito, a configuração eletrônica de átomos de carbono em benzeno e outros compostos aromáticos.

Resumo

2. Quantum Chemistry qua Chemistry: Rules and More Rules


Comentários



  • Depois da publicação dos artigos por London e Heitler como também Hund, uma nova abordagem começa a ser desenvolvida nos Estados Unidos por Mulliken e Pauling. Nessa abordagem (semi)fenomenológica, as questões estritas de mecânica quântica não eram prioritárias, e criava-se um quadro teórico atrativo para os químicos. Mulliken procurava desenvolver algo como o princípio de Aufbau para moléculas, enquanto Pauling construía em cima das ideias do químico Lewis.

Autores




Resumo

Perspectiva Filosófica

Concerning the Synthesis of the Sciences; Bonifati M. Kedrov

An area requiring research is the dialectics of contemporary scientific knowledge, its methodology and logic. Specifically, a central problem in this area is the theoretical synthesis of scientific knowledge, bound with the problem of the classification of the sciences as well as their differentiation and integration. The dialectics of scientific progress involves the interdisciplinary relationships and mutual links between the sciences, but also intradisciplinary processes of theoretically linking up diverse empirical data. One of its contradictory trends is realized in the present day: the integration of sciences is today effected to an even greater degree through their further differentiation, while a profound analysis of their subject contributes to theoretical synthesis.


Analysis and Synthesis

Any synthesis presupposes a preceding analysis as an essential historical and cognitive prerequisite. At the beginning of the cognitive process, the object is seen as an undismembered chaotic whole. Cognition of the object requires that the investigator dismember it and isolate individual aspects of it as abstract moments, this means that the object is analyzed. It is important to notice that this disturbs and disrupts the natural links that impart to the object its intrinsic integrity and account for the unity of all its aspects. The synthesis, thus, signifies the reconstruction of the links disturbed during the analysis, the reconstitution of what was separated in the earlier stage. This can be seen as a return at the concluding stage of cognition to its initial stage, however, upon the synthetic reconstruction, what was earlier an undismembered chaotic whole reveals the inner unity of the diversity of its aspects. It has been mediated by the preceding investigation. As synthesis is achieved, analysis may continue, but subordinate to the first.

Kedrov attempts to classify the different types of processes in the synthesis of knowledge by two parameters:

  • The areas of scientific knowledge covered by the synthesis
    • Can be external, meaning the natural sciences are a component along with others, such as social or technical sciences;
    • Can be internal, it does not transcend the boundaries of natural sciences
  • The character of the synthesis itself
    • Concerns the contradictory character of the synthesis as an union of not just different elements, but of direct opposites
    • Synthesis of the antithesis of the general and particular which links sciences of a more general and more particular character
    • Synthesis of the antithesis of the inferior and superior stages of cognition, with the superior stage historically and logically arising out of the inferior in the history of the object or the history of its cognition
    • Synthesis as an attainment of the unity of the opposites in a more generalized form – may be contradictory aspects of the object


Synthesis and Quantum Chemistry

Here we analyze the different syntheses proposed by Kedrov and contextualize the developments of quantum chemistry in the proposed framework.

The process of building up a new theory or discovering a new law of nature entails resolving the contradiction between the particular (individual facts) and the general (their theoretical generalization in the form of theories, hypotheses, concepts, principles or laws). The creation of any theory and the discovery of any law of nation, often leads to interdisciplinary synthesis, the more so the greater the area of phenomena covered by the new theory or law. The discovery of a new law makes it possible to unite and link up previously disunited factual data, to generalize them theoretically, and, consequently, to effect their synthesis.

⟹ The discovery/creation of quantum mechanics opens up a new way of understanding the world, specifically and most-importantly the electron, which is a determinant object in chemistry. New properties such as the spin and the wave function are revealed by the quantum mechanical ontology and these concepts allow for further deepening in the essence of the chemical bond and behavior of molecules.

Thesis of scientific development: Scientific knowledge is known to never stop in its development at what has been achieved, but to continue forging ahead steadily. It advances from learning of one, less profound order to learning of another, more profound order, and so on ad infinitum.

Reality as contradictory: In nature, opposites coexist and act in indivisible unity. Human beings, however, cannot at once appreciate their unity and begin to analyze by trying to dismember that unity in opposite parts, to analyze them so as to gain an understanding of each side of the contradiction separately, apart from one another and even in contrast to it. But this is done merely to find a way of subsequently combining, uniting what was earlier divided in parts: synthesis here too follows analysis and reconstitutes the object of the investigation in its initial integrity and specificity. It is reconstituted, however, no longer as something given immediately but as something reconstructed from earlier separated opposite parts, each of which has been studied separately. In this way the unity of opposites is observed by humans in their mind's eye for the second time, now as the final point of cognition. This enables humans to overcome their previously distorted and one sided interpretation of both sides of the contradiction, while the object itself now emerges as intrinsically integral, rid of everything injected by the subject in the course of their investigation, it appears as the unity of opposites.

This is true of the history of various scientific theories that concern one and the same natural object. Every such object is intrinsically contradictory, presenting an unity of opposites. Since this unity can't be reflected in human knowledge immediately, there first arise two diametrically opposite theories about the same object, which can arise either simultaneously or consecutively.

⟹ There are a myriad of examples in the history of quantum chemistry: the static atom of Lewis and the dynamical atom of Bohr; Pauling's and Mulliken's approaches to quantum chemistry; the ab inito and semi-empirical theories; and in a more general view, the chemist's and physicist's image of molecules.

Since each of the conflicting theories express only part of the truth, the correct theory (that which reflects objective reality concretely) has to take into account and reflect both conflicting aspects of the natural object under investigation in their true internal relationship. Accordingly, such new theory is invariably dialectic. The essence of such synthetic theories (such as quantum chemistry) lies in their contents, since they reflect a real contradiction existing in the natural object itself in the form of a unity of hitherto disunited antipodal aspects.

⟹ Dialectics of chemical intuition and quantum/physical reductionism ==> Quality and Quantity opposition.


We now consider the process of theoretical synthesis that take place in the framework of the natural sciences as a whole: the interlinking of an individual natural and mathematical sciences by various means. A deeper understanding of the problem of the classification of the sciences in its artificial (according to form) and natural (according to contents) interpretation requires that consideration be given to the fact that the process of the development human knowledge has encompassed the area of science itself (knowledge of science, science as the object of scientific knowledge). This proceeds from analysis to synthesis as well.

Scientific knowledge was born originally as a single, undivided, and undifferentiated science under the aegis of philosophy. This was abstract, natural philosophical world outlook, not based on the knowledge of any specific natural or social phenomena. Towards the end of ancient times (postclassical period) the first differentiation of sciences begin, and during the Renaissance it gains appreciable development. In these conditions the tendency towards the analytical dismemberment of sciences, towards their differentiation clearly prevailed over the tendency towards their synthetic association, their integration.

This changes radically. Just as superior forms of motion develop from inferior, so the corresponding sciences were "deduced" one from another, transition forms taking the place of the former sharply delineated boundaries. Dialectical (anti)reductionism! With the further progress of natural sciences, these intermediate regions between the basic sciences began to be filled in more and more, and the continued differentiation of sciences lead to their synthetic integration. The newly emergent interdisciplinary branches of scientific knowledge formed links between the principal sciences. The progress of science and technology created a multitude of new sciences and scientific disciplines situated in the borderlines between previously disunited regions or else intersecting them.


The cementation of closely related sciences is a process of bridgebuilding between previously disunited sciences, which are only outwardly neighbors. In the 20th century it became clear that physics borders chemistry not at one point (such as with the creation of physical chemistry / chemical thermodynamics), but at least at two points, if the discrete types of matter are considered in their sequence along the ascending line of development. When considering the transition from the simpler, more elementary physical objects to the chemical as comparatively more complex and advanced, we obtain chemical physics. In this way, there has been a double cementation of physics and chemistry through the emergence of two transitional sciences between them. The interbranch synthesis of sciences takes the form of a transition from isolated sciences to their unity.

The transitional sciences considered above are a particular case of the general type of intermediate sciences arising at the junction between two or more formerly disunited sciences. Another instance of intermediate sciences are the sciences arising through the extension of the methods of some sciences to the study of objects in others. Such an extension is possible because all the natural objects representing higher stages in the evolution of matter arose historically from objects at lower stages and structurally contain those objects in their primordial state. This is why the methods of physics are applicable to studying chemical objects, as is the function of quantum chemistry. This has made it possible to reveal the genetic and structural relations between the sciences. This has therefore been the same theoretical synthesis of scientific knowledge, effected in a specific manner. Revealing these genetic and structural relationship between an inferior and superior science is sometimes described by the term reduced. This must not be confused with reductionism, however. Quantum chemistry refuses reductionism. The tracing of these relationships between the inferior and superior science may be characterized by fundamentalisation of the superior by means of the inferior. This reveals the many faces of the objects and the necessity of multiple methods of investigation and their unity into wholeness.

Both cementation and fundamentalisation are essential aspects of the movement of quantum chemistry and must be elucidated historically. The first works from the disunited aspects of a subject of sciences to their unity, while the latter goes from an inferior stage of knowledge to a superior.

Another important aspect is the movement from the particular to the general by means of pivotisation. This is the process of the permeation of a particular natural science by more general, abstract (mathematical) sciences, which reflect some general aspect (quantitative, general structure). The corresponding general science therefore acts as a pivot piercing the particular natural science, penetrating them. The role of mathematics in quantum chemistry is also central to the understanding of its genesis as an established discipline, and is well documented.


There are also external synthesis which link the natural sciences to other branches of scientific knowledge, practice and self-understanding. Dialectics is a general science whose universal laws of motion embrace all principal regions of the world (nature, society and thought) and, hence, the three main groups of science (natural sciences, socio-economic sciences, and the science of thought and the human spirit – the philosophical and psychological sciences). The external synthesis of the natural sciences points to three main directions: 1) with the social sciences and, through them, with social life itself; 2) with the technical sciences and, through them, with technology and production; 3) with philosophy, with dialectics, and, through them, with people's world outlook and their method of thinking. The main link between the natural and social sciences is provided by the technical sciences. They are directly connected with the natural sciences, since their aim is putting to practical use the laws of nature discovered by the natural sciences. One could argue this is the role that computation has had in quantum chemistry. The principal and most important feature of the technological revolution os the organic merging of scientific and technological progress, progress in the natural sciences stimulating progress in technology, while the latter, for its part, has a most pronounced influence on the developments in the natural sciences. This has opened up the prospect of removing the age old antithesis between science and practice, and of merging them in the common stream of social progress, where science and technology, the natural sciences and procuction all become different aspects of the single forward-march of history. Here too we observe the unity of opposites - such as theory and practice. The scientific-technological revolution may thus be said to be, basically, a profoundly synthetic process, and this character is imparted by it to science.


Science and Philosophy

Dialectical philosophy provides the only correct solution to the problem of the unity of opposites between the natural sciences and philosophy. Given this approach, philosophy – understood as the science of the most general laws of all motion taking place in nature, society, and thinking (dialectics) and as the science of the most general laws of thinking (dialectic logic) – forms a pivot for all branches of human knowledge and know-how. Any scientific discipline, any method of its theoretical problems, any scientific discovery may under certain conditions become an object of philosophical study. Philosophy of science is actually only a mode of examining the subject-matter of a particular branch of knowledge, of its method and of its problems from a philosophical standpoint. Dialectics serve as a most powerful instrument linking all the branches of that knowledge and, hence, a most important instrument of the theoretical synthesis of the sciences.

The entire synthesis of science as a whole and of all its parts proceeds of the internal linking of hitherto disunited branches of knowledge. The key to the presentation and solution of such problems is the principle of universal connection. Hence, the extremely important, sometimes decisive, role of the intermediate (linking, junctional) science, which take the form of either transitional or of intersecting sciences.

In working on a problem of an analytical nature, the scientist must not lose sight of the initial integrity of the object of his investigation; they must always bear in mind that their aim is merely to achieve an analytic examination of the links within a single object – not to dismember that object into isolated, disunited parts of one whole.

Marxist Philosophy: Its Object and Role in the Integration of Contemporary Sciences

The process of differentiation is proceeding today not by further breakdown of scientific knowledge and intensification of the mutual isolation of its various parts, but in precisely the opposite way: by mutual linkage and cementing together of previously isolated branches. This process testifies that, in the course of their differentiation, the newly arisen sciences and disciplines not only do not induce or intensify the breakup of scientific knowledge into disparate and mutually isolated components but, on the contrary, lead to internal, multifaceted linkages. This means that the present form of differentiation of sciences effects their integration in an entirely natural way and, moreover, that the integration of contemporary sciences is achieved by their further differentiation.

All this indicates that the two opposite trends in the development of the sciences today – toward both their differentiation and integration - have become intimately interwoven and now interact profoundly, each conditioning the other. In reciprocal relationships. Without consideration of this dialectical contradiction we cannot properly discuss the differentiation of contemporary sciences, because this differentiation is at the same time the process of their integration.

It is necessary to analyze the different paths taken by the process of integration of the sciences. One of them is the emergence of new sciences and disciplines capable of connecting, in an integrating fashion, formerly isolated sciences at their boundary points, their mutual junctures, linking them locally. An example of this is the connection between chemistry and physics in the 19th century thanks to physical chemistry. We can use the term local to identify this type of integration of sciences. However, the broader the range of sciences encompassed by the process of their integration, the greater the degree to which the inadequacy of the narrowly local approach to an understanding of this process becomes evident. Along with this there emerges the view of integration of the sciences as a process of not only local but an all-encompassing, universal nature. This type of universal integration is implemented with the aid of, and by means of scientific philosophy as a general science.

Still broader integration demands even more active participation by Marxist philosophy in the development of such branches of scientific knowledge as the theory of scientific and engineering creativity, the science of sciences, and, in particular, the study of the revolution in science and technology. If that philosophy is dialectical materialism, one and indivisible, then its unity and uniqueness, the ultimate universality of the laws of all motion (development) that it studies, are precisely what provide the philosophy of Marxism with the opportunity to perform an integrative role in the processes of local and, particularly, universal integration of the sciences.

Produção

Filosofia da Química Quântica

\section{Pressupostos Filosóficos}

A ciência está em constante desenvolvimento, partindo dos conhecimentos já obtidos para examinar os objetos determinados em busca de conhecimentos inéditos. Continuamente na história da ciência, novos fenômenos também se tornam aparentes para o ser humano, especialmente conforme os instrumentos de observação são aprimorados. Desta forma, podemos desenhar dois circuitos que se retroalimentam: o da autonegação do conhecimento, que, partindo de si, caminha em direção à sua própria superação, e a relação entre teoria e praxis, uma dependendo da outra para seu desenvolvimento superior. Enfatiza-se a interdependência entre estes circuitos. A própria consideração científica da ciência introduz ainda outra auto-referência, especificamente o aspecto da razão da história da ciência, como ela se movimenta pelo tempo em direção à uma verdade que reflete e revela a existência objetiva conforme a tese materialista da realidade. Aqui, a verdade deve ser entendida como um processo eterno, no qual o ser humano transcende suas concepções prévias a partir delas mesmas, demonstrando o conteúdo objetivo de suas subjetivações, como também as limitações destas. A ciência, então, pode ser vista como um sistema lógico fundamental da organização dos conhecimentos sobre a natureza em suas diversas formas que tem uma contradição máxima em seu núcleo: aquela entre a ontogênese e o ontotânato, ou a geração e destruição da existência, que, quando aproximados, chegam ao \emph{aufhebung} dialético.

O objetivo deste texto é demonstrar como a dialética pode ser usada como ferramenta de interpretação da ciência, não somente por ser capaz de elucidar a essência das coisas por meio de suas contradições, mas por constituir o nexo entre o ser humano e a natureza. O conhecimento é o reflexo da realidade que o ser vivo está apto de fazer conforme sua organização vital, uma propriedade emergente da matéria biológica que permite que esta se sensibilize ao ambiente e reaja com respostas mais apropriadas. Assim, a adaptabilidade pode ser vista pela perspectiva da informação do ser sobre si no mundo, que permite a ação proposital e conhecedora para garantir a reprodução do ser produtor do conhecimento. A teoria crítica do conhecimento, então, admite duas premissas fundamentais: que o conhecimento é uma propriedade geral da matéria organizada nas condições de matéria viva, e que se trata sempre de uma reação da matéria viva em face do mundo circunstante. Desta forma, evitam-se os erros idealistas de colocar a razão acima da existência ao traçar-se um desenvolvimento objetivo do conhecimento como uma propriedade de uma forma específica da matéria. No ser humano, conforme sua história biológica demonstra, o conhecimento tem caráter social, sendo desenvolvido, acumulado e compartilhado por múltiplos indivíduos, existindo também um mecanismo de ideação com o qual o ser humano pode usar de sua capacidade abstrativa para produzir ideias gerais que transcendem a situação particular. Trata-se de um universo subjetivo de representações da realidade objetiva que gradualmente vai adquirindo independência, podendo aprofundar-se em si mesmo, se destacando da conexão direta com o objeto e permitindo a existência de um universo do juízo onde as ideias estabelecem relações definidas entre si. A diferenciação entre a condição de objeto e de sujeito tem, pois, fundamento material-biológico, dando origem à força motriz do processo do conhecimento: a tensão entre o objeto e seu reflexo no pensamento. Assim, o processo do conhecimento atinge um novo grau, estabelecendo-se um tipo qualitativamente novo de capacidade representativa da realidade.

Em face do problema gnosiológico, somos levados a tomar uma atitude lógica de caráter dialético, devido ao destaque entre o sujeito conhecedor e o objeto conhecido, representada pela teoria e a praxis. A primeira pode ser entendida como a subjetivação da realidade objetiva, articulando-se por meio de ideias as conexões e relações na natureza que existe além do ser humano, enquanto a segunda deve ser compreendida como a objetivação da realidade subjetiva, partindo das finalidades do sujeito para atuar no mundo, alterando-o, conforme possível, de acordo com a imagem idealizada. É importante notar que, por mais que cada uma tenha existência independente, elas estão altamente imbricadas e implicadas mutualmente: a praxis é informada pela teoria e vice-versa. Por causa disso, na própria epistemologia, se torna secundário a determinação do que é puramente teórico. A compreensão da unidade contraditória recíproca destes dois aspectos do processo do conhecimento toma precedência conforme se torna evidente que para o ser humano conhecer as coisas em si, tem que primeiro torná-las coisas para si. O ser humano só conhece a realidade na medida que ele cria a realidade humana, se comportando especificamente como ser prático. Assim, estabelece-se uma mediação fundamental no conhecimento humano da realidade; o mundo nunca se demonstra imediatamente, porém sempre mediado pela práxis e teoria humana como ferramentas de compreensão. O reflexo é a mediação entre o ser e o pensar, determinando este último, pondo um alcance ontognosiológico. O conhecer é, portanto, um processo real de apropriação, que tem como fim último absoluto a destruição do que se chama de pseudoconcreticidade, isto é, o mundo dos fenômenos externos e superficiais, das representações comuns e dos objetos fixados não reconhecíveis como resultado da atividade humana. Mediante a abstração, a tematização e a projeção se isolam determinadas zonas, facetas e esferas do mundo pleno e inexaurível. O método da ascensão do abstrato ao concreto é o método do pensamento que busca construir em si a realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer pode vir a ser racionalmente compreendido, refletindo a categoria da totalidade concreta que responde o que é a realidade de acordo com a filosofia materialista. A totalidade material em que o real consiste não é um aglomerado estruturado de elementos, mas constitui ela própria um processo em devir. Assim, podemos partir para a questão da verdade dos conceitos científicos.

A conceituação da realidade, conforme visto acima, é entendida como um processo de apreensão pelo ser humano dos fenômenos observados, buscando superar sua superficialidade para atingir uma estrutura mais profunda que reflete a essência da coisa-em-si. Há uma relação dialética entre fenômeno e essência, sendo instâncias diversas de um mesmo movimento tanto epistemologicamente quanto ontologicamente. O quesito de cientificidade se encontra na determinação da conexão interna dos fenômenos dependente do enquadramento concreto em um terreno objetivo. O saber científico então aparece a partir de um processo real de apropriação no qual a prática se revela como o fator que atribuí o conteúdo objetivo do conhecimento. Assim, a prática precisa estar fundada na penetração do curso objetivo dos acontecimentos para que haja uma transformação material sucessiva, se formos aplicar esta prática para uma intervenção reconfiguradora, precisamos de um saber científico da realidade com finalidade orientadora que atenda à determinação da conexão interna dos elementos que dinamicamente integram uma dada estrutura. A prática pode ser considerada como o terreno da verdade dos conceitos científicos porque está na prática, o fundamento do pensar e a possibilidade de o pensado realizar-se enquanto transformação material pela dialética sob ontologia materialista. Somente quando profundamente conhecedor do real, é possível que o pensamento oriente o processo de transformação material. Assim, a ciência pode ser entendida como um processo no qual o ser humano se apropria das leis da realidade para alterá-la. A capacidade de efetivamente manusear o natural em sua prática é o que confere ao conhecimento científico seu caráter objetivo. Dois aspectos são centrais a esta concepção. Primeiro, é necessário também considerar o lado negativo da prática, já que esta é o fator circunstante da realidade disponível à humanidade. Dito de outra forma, porquanto o ser humano cria sua própria realidade e precisa da praxis para conhecer, esta também é eternamente o limite que o ser humano transcende para traçar o movimento do conhecido, leia-se manipulável, ao conhecível, e finalmente ao desconhecido. Em segundo lugar, a ciência, neste processo de autosuperação e retroalimentação, percorre em si um trajeto dialético e por isso pode ser analisado pelas categorias filosóficas da dialética.

Podemos, enfim,


sobra a questão do que é a dialética

havendo resolvido o conceito em sua máxima generalidade, devemos partir para as particularidades


Sobre o Pensamento, o Capitalismo e a Máquina

(mal elaborado)

Pensadores , que usam de sua força fisiológica para pensar e contemplar, são somente expressões biológicas da informação atuando sobre si mesma. O desenvolvimento humano, que pode ser abstraído como o progresso do autoconhecimento informacional, se dá na história pela capacidade dupla, objetiva e subjetiva, de um ser biológico que pensa e age. Nesse contexto, a história dissolve-se como métrica da característica temporal da realidade, limitada inferiormente pela humanidade, de cima para baixo. Em sua negação, que surge das contradições internas, afirma-se a cosmologia. A matéria se organiza, desde o princípio concebível da realidade, das suas diversas formas permitidas pelas leis físicas e pré-condições materiais. Porém, é somente em sua capacidade de se replicar e se contemplar é que o universo se conhece.

Outras manifestações desse fenômeno, no qual a lógica interna da informação se propaga naturalmente, são difíceis de conceber, não por causa de sua inexistência ou complexidade, mas, mais fundamentalmente, porque a própria contemplação tem que se abstrair. Mesmo assim, o trabalho objetivado se precede à contemplação utilizando dela inconscientemente e desenvolve computadores sintéticos, por exemplo, que interpretam a informação. A tecnologia aparece como auxiliar simples em sua contribuição com certos processos, até os intelectuais. Porém, cada vez mais o ser humano flerta com a ideia de pensar com a máquina. Esse ser sintético já existia como força de trabalho braçal e se desenvolve conforme a ciência do ser humano. A máquina, contudo, não se desenvolve sozinha, é somente objetiva e subjetivada. O capital, por outro lado, é sujeito antagônico ao ser humano por natureza.

A condição de negação mútua do capital e do ser humano confere ao sintético a identidade espelhada do ser que o contempla. O capital compete com o ser humano pela apropriação do mundo material expandido, da estrutura e superestrutura, dos meios de produção e de seu desenvolvimento histórico. A lógica do sujeito capital, no entanto, é baseada no valor e sua dinâmica. A riqueza como fim por si mesmo aparece incompleta no capitalismo, reduzida ao acúmulo e não no desavalancar da humanidade. O que carece ao capital é sua auto-concepção. A lógica do valor, contudo, é extremamente capaz em sua reprodução e na apropriação, se tornando rapidamente uma força contraditória ao desenvolvimento pleno do ser humano, se privilegiando sobre este. Porquanto um ser tão próximo ao ser humano, o capital é capaz de se apropriar das capacidades conceituais e da consciência do ser humano, utilizando delas para sua pseudomaterialização na realidade subjetva e, portanto, continuidade.

Tem-se posto um conflito onde o ser humano precisa tratar de devorar aquela entidade verdadeiramente comum pela qual ele é devorado. Suas dimensões conceituais, pautadas na superestrutura de sua sociedade o dá ferramentas para entender sua realidade e agir sobre esta. Essas mesmas condições, em constante estado de mútua determinação e desenvolvimento, se apresentam para o outro sujeito que cresce canceriosamente sobre todas as produções do ser humano. O capital rouba o ser humano e depois pensa por ele. No entanto, a natureza do capital é dependente do ser humano, enquanto este é fruto de um desenvolvimento anterior. O capital surge do ser humano, mas o ser humano surge de si, seja em sua determinação como consciência, espécie ou vida. Assim, entende-se que a superação desta entidade antagônica não é somente possível, mas necessária para o progresso da autoconsciência da informação e a autoreflexão da matéria.

A existência do ser humano é não somente uma pré-condição como também algo compreendido pelo capital em sua lógica de valor. O desenvolvimento histórico humano é algo que condiz com o progresso do valor, pois este é uma ferramenta humana de apropriação e reprodução. A forma com a qual se dá essa existência é pautada na interpretação da burguesia de riqueza e sua reprodução. Na era da informação, o ser humano se torna matéria prima para o capital que comodifica seus dados e sua dinâmica, vendendo, em troca, acesso à vida social.

Comp IV - Lista I

(em LaTeX)

Questão 1

Queremos propostas de como demonstrar matematicamente ou experimentalmente que padrões observados na natureza em dados do passado vão continuar sendo observados no futuro.

Para responder essa pergunta, inicialmente precisa-se entender do que se tratam os ditos \textit{padrões observados} e como eles podem ou não serem extrapolados para o futuro. Comecemos, então, entendendo que a padronização da realidade, isto é, encontrar e usufruir de seus padrões, seja talvez a força motriz não somente do ser humano, mas da vida em si. Se formos olhar para o conceito de \textit{conhecimento}, de Álvaro Vieira Pinto em seu livro \textbf{Ciência e Existência}, ele parte precisamente de uma ideia da vida enquanto matéria organizada que reflete a realidade que a rodeia e na qual está inserida, incluindo também os processos internos que permitem sua reprodução. Olhemos exemplos concretos, para depois partir para a abstração: as moléculas centrais à vida, os ácidos nucleicos, contém \textit{em si} a informação necessária para sua re-produção, ou seja, essas moléculas, que, até onde sabemos, estão presentes em todos os seres vivos (e até os não vivos, como os vírus), são e representam seu próprio \textit{padrão}. Agora, fica o questionamento se a vida \textit{sabe} disso. Antes, porém, partiremos para outro exemplo menos circular para expor melhor a dialética sendo construída. Os grandes arquitetos da natureza, sejam as formigas, as abelhas, os joões de barro, as aranhas, os castores, entre muitos outros, fazem, abstratamente, a mesma coisa: usam de materiais encontrados, ou produzidos, ou ambos, para construir suas moradias em diversos contextos diferentes. Existe, implicitamente, uma pressuposição sem a qual esse instinto (biologicamente determinado) não faria sentido, isto é, que os materiais vão se comportar como devem, que existe um \textit{padrão} sob o qual certas ações do animal construtor vai gerar o resultado esperado. Partamos, então, para o abstrato. A vida é uma força organizadora da realidade, tanto em sua produção quanto em sua reprodução. A luta constante pela homeostasis e o aproveitamento entrópico da energia solar para existir sempre à beira do equilíbrio certo demonstram isso.


A vida organiza a realidade à sua imagem, isto é, a matéria viva organiza-se de acordo com os padrões que ela é capaz de encontrar na realidade, não por causa de um ideal místico, mas porque para ser uma estrutura perdurante na realidade, para superar a casualidade e conseguir reproduzir-se, o ser vivo precisa \textit{entender-se} vivo! De algum jeito, seja ele arcaico e simples ou complexo, os padrões da natureza relevantes e como reproduzir-se neles são refletidos pelo ser vivo – é isto que significa entender-se vivo. Desta forma, seja no DNA e RNA que contém em si informações de como aparecerem de novo, seja na arqueobactéria mais simples que faz quimiossíntese, sejam nas plantas que utilizam da quântica para fazer fotossíntese, na organização de animais eusociais que coordenam a atividade de diversos suborganismos (o formigueiro é a verdadeira unidade da formiga!), ou no ser humano em toda e qualquer atividade sua, a vida encontra os padrões da realidade, os reflete, e se reflete no futuro, reproduzindo-se e continuando o circuito organizador do universo à sua própria imagem, com suas próprias leis. Destaca-se também que, como o que está vivo lida com uma realidade em movimento, em constante alteração, sua reprodução reflete isso. A organização que ganha complexidade, que se permite alterável por meio da mutação, quando estamos olhando para genes, e do aprendizado, quando estamos olhando para o sistema nervoso, aparece como uma mera coincidência estocástica de processos além da vida, mas que em essência é de certa forma cultivado pelo vivo para continuamente superar os desafios do mundo. A dualidade contraditória entre o contingente e o causal nada mais é que um reflexo da dialética de estar vivo, de trazer para si, em conhecimento estrutural, aquilo que está além e aquém de si.


Claramente, nesta abstração, impõe-se muita igualdade entre coisas que são, de fato, amplamente distintas. Mas é importante entender que para qualquer trabalho do ser vivo ser útil, as leis que regem a realidade, o comportamento do que está sendo trabalhado, precisa ser levado em conta. Dito isso, partamos agora de volta ao concreto usando o exemplo particular dos padrões observados pelo ser humano, e como este organiza sua realidade de forma diferente do resto da vida. O ser humano não somente entende as leis que regem seu funcionamento e a realidade na qual ele está inserido, não é simplesmente um sistema orgânico que tem implicitamente o entendimento de como permanecer e se reproduzir, mas ativamente organiza a realidade em sua subjetividade interna. O ser humano não somente entende-se vivo, tal qual qualquer outro ser vivo, mas tem ciência disso, é auto-consciente de seu lugar no mundo e o organiza \textit{explicitamente}. Por exemplo, não basta que o organismo humano entenda da catálise enzimática, que saiba criar o envoltório eletrônico ideal para as várias sínteses, as máquinas moleculares que garantem um metabolismo complexo – note, tudo isso acontece porque há, de fato, um conhecimento implícito – mas o ser humano vai além, ele busca organizar esse conhecimento de forma explícita, cria conceitos, palavras, diagramas, fórmulas, entre outros diversos esquemas para encapsular essa parcela da realidade \textit{para si}, reflete em seu ``espírito" aquilo que é objetivo, que acontece apesar de si. Essa reflexão não é algo, como acreditam os platônicos (até os contemporâneos), superior ao ser humano. Por meio da contemplação, não subimos a um mundo das ideias e dos ideais, eternas e estáticas, e pegamos para nós alguma verdade absoluta. É preciso entender a verdade enquanto processo dialético, como diz Pavel Kopnin em \textbf{Lógica Dialética}, no qual o ser humano parte de seu conhecimento anterior para estabelecer um novo, superior em sua reflexão do que de fato acontece. É importante notar que tudo acontece numa materialidade absoluta, isto é, o conhecimento explícito humano, tal qual o conhecimento implícito da vida, tem uma estrutura material bem definida, seja no cérebro, na sociedade ou nas outras formas que ele possa tomar. Então, quando falamos do comportamento subatômico, por exemplo, sua infinitude de fundamentalidade está contida no finito da humanidade, é um esquema simbólico neural e social, um acordo entre mentes pensantes, de forma bioquímica-estrutural e social, que condiz com a praxis que podemos ter com esses sistemas, isto é, que revela como conseguimos, ao final de tudo, manipular estes mesmos sistemas. A praxis é o que atrela a teoria à realidade, o que permite atribuir validade e veracidade ao conhecimento explicito do ser humano. Além disso, por ser sujeito-objeto, o ser humano pode até refletir sobre seu papel de sistema reflexivo, e é o que acontece em disciplinas como a neurobiologia, na semiótica e na filosofia da ciência. Desta forma, retornando aos padrões observados, podemos dizer que somente aqueles seres vivos com cognição de fato \textit{observam} padrões, isto é, re-conhecem eles como padrões. Novamente, o ser humano parece ter um conhecimento inédito sobre isso, pois, ao organizar esses padrões em sua ciência, inaugura uma nova categoria de reflexão na qual ele se torna crítico sobre estes mesmos padrões e sua própria esquematização destes – é sobre isso que se trata essa questão (finalmente, chegamos!).


Para resumir o desenvolvimento dos últimos parágrafos, neste texto tomamos como \textit{conhecimento} algo mais abrangente que a noção comum ou vulgar. A vida, desta forma, conhece implicitamente, pois usufrui das leis que regem o universo para se reproduzir, para manter-se em existência, apesar de entropicamente indevido se estivermos olhando para algum sistema particular. Este conhecimento está implícito em seu funcionamento, na sua estrutura, que, por sua vez só pode existir, desta forma, conhecendo. Apesar de aparecer circular, este esquema é, na verdade, dialético. Tomamos o conhecimento como ``ato vivo de apreensão de um conteúdo da realidade" contribuindo com a capacidade da matéria viva ``de se sensibilizar pelas condições do ambiente e reagir a ele com respostas que tendem a ser mais apropriadas", conforme colocado por Álvaro Vieira Pinto em \textbf{Ciência e Existência}. Contudo, esta mesma reflexão é inviável até que o conhecimento tome também sua forma explicita, ou seja, que se re-conheça. Tratamos agora das competências humanas de conhecer, de organizar o mundo em sua subjetividade, que descobre, ao se tornar consciente, novas questões postas: o que existe (ontologia), como conhecemos explicitamente o que existe (gnoseologia), como relacionamos aquilo conhecido (lógica), e como organizamos e progredimos aquilo conhecido (epistemologia). Dialéticos soviéticos, como Kopnin, colocam que existe uma unidade entre essas questões, que só pode ser cumprida a partir de uma teoria totalizadora que generaliza os problemas gerados pelo conhecimento auto-reflexivo, isto é, a dialética materialista. A tese central de seu livro, \textbf{Lógica Dialética}, é que esta teoria cumpre simultaneamente as funções de ontologia, gnoseologia e lógica, herdada diretamente da filosofia leninista (herdada de uma frase dos manuscritos filosóficos, mas tudo bem). Tomando esta perspectiva, sendo dialéticos materialistas, podemos responder como pode-se saber que padrões observados na natureza vão continuar sendo observados, e talvez justificar tudo escrito acima (kkk).


É importante notar que buscar a recorrência de padrões é, em si, \emph{buscar padrões em padrões}. Desta forma aparece o lado ontológico: os padrões existem, para além do ser humano especificamente. Para demonstrar que os padrões observados continuarão sendo observados requer que se entenda o padrão temporal dos padrões e o que isto implica na gnoseologia aplicada a si. Está auto-referência do conhecimento é uma etapa histórica do ser que conhece explicitamente e traz para sua subjetividade e busca generalizar o conhecer. A razão vira seu próprio objeto, é auto-reflexiva. Tratamos, então, do reflexo explicito da informação sobre si, o que podemos chamar de meta-informação: uma análise metodológica das informações obtidas e o que elas implicam sobre si e sobre seu desenvolvimento posterior, a obtenção de novas informações. Fica claro que uma teoria que represente a meta-informação rigorosamente necessita ser recursiva, pois novos dados, ao serem incorporados, atuam sobre o que é (meta)conhecido em geral e sobre si. A meta-informação é, desta forma, ``densa" para os dois lados. Abstraindo-se, sempre podemos obter informação da informação da informação (sim, três iterações propositais), porém, não há porque se limitar a isto, portanto, poderíamos, em tese e pressuposição embrionária, aplicar a análise metodológica a este novo conjunto de meta-meta-informações para obter ainda mais dados que refletem a verdadeira essência do que é sabido. Generalizando a abstração chegamos então ao o que pode ser chamado de meta$^n$-informação. Pelo lado concreto, a atuação da informação sobre si lhe confere maior profundidade e uma capacidade melhor de refletir o que está de fato sendo apreendido pelo ser que aprende. Este aprofundamento sobre si confere ao que é conhecido maior potência prática, pois é entendido em uma faceta previamente desconhecida, dissolve-se a aparência ingênua do saber para entender sua essência inerentemente condicionada pelo ato de conhecer, que parte inevitavelmente do previamente conhecido, também condicional, e, principalmente, sua natureza em movimento, ou seja, dialética – contraditória. Como muito bem colocou Álvaro Vieira Pinto, ``só é real aquilo que é contraditório", especialmente e explicitamente quando se trata de questões auto-referentes. Assim, fica claramente determinado a lógica dialética necessária para esse entendimento e, também, a unidade entre esses três lados da \emph{mesma moeda}.


Propõe-se, então, que a teoria da probabilidade e da estatística é competente na compreensão da recorrência de padrões. Entende-se que existem diferentes vertentes e interpretações dessa teoria, que por sua vez implicam numa filosofia especifica. Polemizemos, portanto, para encontrar alguma que condiga com o conceito de conhecimento exposto acima e que seja coerente com sua dinâmica de apreensão da realidade. Em \textbf{The Construction of Probability Theory: A Marxist Discussion}, Frank Lad faz precisamente essa contraposição, usando da filosofia marxista como uma potente ferramenta para a exposição dos limites e alcances de duas vertentes: a \textit{objetivista} e a \textit{subjetivista}. A tentativa ingênua de imposição de objetividade sobre a probabilidade, representada pela interpretação frequentista ou objetivista, passa por um processo de \textit{interverção}, conceito exposto por Ruy Fausto em \textbf{Marx: Lógica e Política}. Isto é, ao afirmar que probabilidades são objetivas, ou seja, atribuir valor ontológico às frequências \textit{a priori}, entendendo-as como uma propriedade objetiva da matéria, os probabilistas intervertem sua teoria em algo verdadeiramente subjetivo e idealista, chegam no seu contrário, contradizem-se pois não incorporam a contradição. Ironicamente, os teóricos de probabilidade soviéticos faziam isso para fugir do idealismo subjetivista, em nome da dialética, condizente com sua visão estática dela, como exposto pelas insuficiências de Kopnin em \textbf{Lógica Dialética}. Fica claro, pela metodologia faustiana, que para chegar no que é de fato objetivo dentro da Probabilidade e da Estatística, precisamos levar em contra a unidade dialética contraditória entre o objetivo e o subjetivo, neste caso traçar o caminho do subjetivo dentro do objetivo para chegar em sua dissolução. O \textit{materialismo} dialético coloca a asserção filosófica que a realidade existe além do ser humano e que este pode trazer para si suas propriedades e leis, informando sua praxis e, conforme enfatiza Álvaro Vieira Pinto, suas intenções. No entanto, o materialismo \textit{dialético} impõe que a apreensão desta realidade está em movimento também, afinal, o sistema que aprende é parte do sistema aprendido. A verdade absoluta se torna um ponto infinitamente distante, inalcançável, porém, que dita a direção do processo dialético da verdade objetiva cujo caminho é traçado pela subjetividade do sujeito que a busca. No contexto da estatística, isso pode ser esclarecido pela simples noção que nossa participação na construção do que é registrado como estatística é parte do próprio evento estatístico. Ademais, o frequentismo requer a repetição de eventos, pondo uma identidade entre coisas que são, enfaticamente, distintas na perspectiva histórica. Álvaro Vieria Pinto esclarece muito bem que nenhum evento se repete, que quando algo acontece, como o registro de um dado, ao ser reiterado e confirmado, esse novo registro acontece sob a sombra do evento que o precedeu. Desta forma, a repetibilidade é simplesmente inviável: primeiro, cada evento acontece num momento inédito da história, afinal este é a característica central desta, segundo, ela pressupõe o conhecimento total do sistema, pois afirma que tudo está se repetindo, o que tornaria o experimento desnecessário. Claro que esse não é o propósito de um experimentador, de fato ele repete para descobrir algo novo, mas, exatamente por causa disso, sua disposição filosófica tem que condizer com esta dinâmica do conhecer.


Por outro lado, temos a perspectiva subjetivista. Frank Lad traz a visão de De Finetti: A história é irrepetível e progressiva – nesse contexto, novas medições são desenvolvidas com o tempo pelo ser humano com o tempo pela própria experiência conforme o entendimento e o conhecimento aumenta (ou é alterado). A teoria subjetiva da probabilidade tem a competência de desenvolver estruturas estatísticas que refletem a natureza incerta do conhecimento e distribuições úteis para representar previsões de cientistas com base em suas incertezas. Isto é central para um conhecimento que leve sua natureza a sério: nada é conhecido, tudo é conhecível! Assim, Lad defende que a caracterização operacional subjetiva da probabilidade nega (dialeticamente) o idealismo subjetivista, precisamente pois toma uma posição consequente sobre o conhecimento, como ele vem a ser e como ele se auto-supera! Olhando pelo lado do Bayseanismo, este interpreta a probabilidade como uma medida do estado do conhecimento, ou seja, o conhecimento do conhecimento (a recursão tão necessária para colocar em termos rigorosos o padrão dos padrões). A probabilidade, então, não é tomada materialmente, um posicionamento vulgar que abre espaço para a intervenção no subjetivismo idealista conforme demonstrado no parágrafo anterior, mas sim como um material refletido pela mente humana. Na inferência Bayesiana, uma noção primária, representada pelo \textit{prior}, é alterada gradativamente conforme novas evidências são registradas, resultando num \textit{posterior} que converge a uma distribuição que representa o melhor do nosso conhecimento sobre algum evento, incluindo sua recorrência temporal, que responde ao problema aqui discutido. Aqui, podemos trazer as reflexões de Karel Kosik em seu livro \textbf{Dialética do Concreto} sobre a dialética e seu papel como/na teoria do conhecimento. Acontece que, para Kosik,``a dialética trata da ``coisa em si"", porém esta nunca se manifesta \textit{imediatamente} ao ser humano. Na verdade, a realidade que aparece para o ser humano é \textit{pseudoconcreta} e este, por sua vez, capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade, como, por exemplo, o fenômeno probabilístico de algumas observações. Somente quando o ser humano se propõe a indagar na \textit{essência} das coisas, que ele destrói esse mundo pseudoconcreto para entendê-lo como mediado, no caso probabilístico e estatístico, a mediação do conhecimento por si – a informação é sua própria mediadora! Kosik também proporciona reflexões necessárias para que não caiamos na interversão da perspectiva subjetivista: o positivismo. Isto é, se ocorre a redução do conhecimento à sua dinâmica Bayesiana, por exemplo, ele toma proporções absurdas e superestimadas. Para Kosik, a substância do conhecimento é ``o próprio movimento da coisa ou a coisa em movimento". Desta forma, não basta uma lógica que somente esclareça a essência da coisa, mas tem que também reproduzir como a coisa e sua teoria aparecem fenomenicamente.


Podemos, agora, partir para conclusão. Kosik leva em conta a tridimensionalidade temporal do ser humano, um ser que leva em conta seu passado, presente e futuro, particularmente tratando de seu conhecimento do mundo – ele conhece e se reconhece como ser inerentemente histórico. A verdade, nesse contexto, ``não é dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana", no mundo da realidade sobre a perspectiva da dialética materialista,``a verdade \textit{devem}" em conjunto com a humanização do ser humano, do mundo do qual ele se apropria e das coisas que ele traz para si. ``O mundo real é o mundo da praxis humana" e ``a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e de objeto, de gênese e estrutura". Portanto, cabe a uma teoria de Probabilidade e Estatística, que reflete sobre o conhecimento tratando este em sua essência objetiva de apropriação daquilo que é material pelo sujeito. Sem absolutizá-la, ela proporciona as ferramentas matemáticas e experimentais que condizem com a perduração do ato de conhecer e de superar o conhecimento enquanto este permanece pendurado na história humana. Leandro Konder em \textbf{O Que É Dialética} deixa explícito que tratamos da totalidade aberta através de esquemas que não pretendessem 'reduzir' a infinita riqueza e complexidade da realidade ao conhecimento, mas incorporar isso a este. A interversão é evitada ao tratar com seriedade a forma germinativa do conhecimento, como apropriação daquilo que é objetivo pelo sujeito, levando em conta as contradições postas pela parte do sistema que busca conhecer aquele sistema no qual ele está inserido. Como coloca Álvaro Vieira Pinto, mas sem chegar nas consequências pseudo-transcendentes que acometem patologicamente as conclusões deste autor, o ser humano se reconhece como \textit{``produtor produzido daquilo que o produz"}. O conhecimento é um produto humano que se produz pelo ser humano. Não dizemos que ele alcança um nível de ``perfeição", mas sim que ele inaugura uma nova forma de reflexão da matéria sobre si. Esta reflexão, por mais que contigente na história do cosmos, é também necessária para que exista uma estrutura capaz de refletir. Não é de pouca importância que somente interagindo com aquilo que existe e necessariamente tendo conhecimento (implícito e estrutural) do funcionamento da matéria que a vida é capaz de se reproduzir e produzir aquilo que permite sua existência. A dialética presente nesse esquema ganha caráter lógico conforme a realidade é digerida pelas ideias do ser subjetivante. Assim, a unidade desses três conceitos – ontológico, gnoseológico e lógico – toma caráter existencial. Em sua forma humano-social, a vida pode explicitamente refletir o conhecimento e, depois de um acúmulo quantitativo, inaugura a reflexão qualitativamente inédita do conhecimento sobre si. Não a toa, mas sim por uma determinação da prática do homem sobre seu pensamento, é na Era da Informação que estas ideias se tornam tão latentes e suas contradições tão inquietantes. Com dados de sobra e um conhecimento que tanto se nega em seu progresso quanto se afirma no nosso, refletimos sobre sua validade. Somente na perspectiva dialética, que esclarece a natureza auto-mediadora do conhecimento, o ato de conhecer atua sobre si mesmo, aceitando as contradições que aparecem e se apropriando delas para avançar sobre si mesmo.


Em conclusão, se gostaríamos de demonstrar que padrões observados na natureza em dados do passado vão continuar sendo observados no futuro, precisamos inicialmente indagar na natureza destes padrões e o que significa conhecê-los. Isso nos leva a percorrer o percurso da organização da matéria em volta de si mesma, à subjetivação presente na explicitação destas relações objetivas e, por fim, à teoria Bayesiana que é competente em entender a dinâmica que nos permite continuamente renovar nossas crenças sobre nosso conhecimento, alterando-ô no processo. No entanto, estas noções nunca podem ser divorciadas de posicionamentos filosóficos, muito pelo contrário: se o ser humano não faz filosofia, a filosofia o faz. Se não houver uma base sólida ontológica, gnoseológica e lógica, ou seja, se não incluímos na conceituação do conhecimento o que se conhece e como é possível conhecer, tornamos-o numa totalidade vazia. Contrariamente, por meio da dialética materialista, estes problemas preenchem o cerne do conhecer, condizendo com as premissas centrais da perspectiva subjetivista da probabilidade (talvez chamemos ela de perspectiva dialética, já que nega dialeticamente o sujeito e, sua busca daquilo reflete o objetivo). Na verdade, esta perspectiva vai além na sua densidade bifásica: por um lado o conhecimento se revela como algo necessário para a organização da matéria que conhece para existir, ou seja, atribuí caráter histórico ao conhecimento e, pelo outro lado, o conhecimento se revela como algo material, com uma estrutura e dinâmica objetiva bem determinada, por mais que pouco conhecida, mas que tem o potencial de ser esclarecida. Por fim, isso atrela o ser humano ao movimento da realidade, com o fenômeno da sapiência se demonstrando na sua essência de força motriz que carrega a humanidade de um ponto da história a outro, por meio do entendimento daquilo que eternamente se repete, porém nunca se repetindo.


\textbf{Epílogo}: Para conhecer o conhecimento, precisamos, primeiro, suspender essa pergunta devido a sua circularidade. Somente nesta suspensão fica visível sua dinâmica dialética. A verdade é a determinante de sua própria validade. O conhecimento novo que vem negar o velho parte deste mesmo, é a negação da negação. À frente disto, a posição idealista oferece falsa salvação: todos os corpos são apenas símbolos mentais de complexos de sensações – é tudo relativo e é o ser humano que relativiza. É falsa, pois, como muito bem colocou Marshall Berman,``tudo o que era sólido se desmancha no ar". É neste vácuo teórico e nesse vazio existencial que a dialética aparece como polo atrativo essencial. Tudo desmanchado no ar se cristaliza numa totalidade-treliça que busca explicar a razão das coisas serem e, neste caso, se repetirem, mesmo nunca se repetindo! O chamado progresso humano é seu devir na relação recíproca entre o ser humano e o mundo além e aquém dele. É o movimento das coisas representado em si em movimento. O posicionamento vulgar sobre a Teoria do Conhecimento, que trata de dados friamente e congela a historicidade presente neles é insuficiente para se justificar. Em oposição, propõe-se que um Bayseanismo dialético tem o potencial de verdadeiramente encapsular a reflexão da matéria sobre si, especificamente em sua faceta de validação do conhecimento explicito. Já o conhecimento implícito, pelo menos para o sujeito, aparece como absoluto, afinal, como disse Einstein, Deus integra empiricamente.


Questão 2

Qual seria a diferença entre um padrão matemático e um fenômeno natural? Seria possível demonstrar que um padrão matemático, por exemplo, o teorema de Pitágoras, continuará valendo para sempre?

No cerne desta questão, está aquilo que separa a matemática, cujo objeto são as teorias matemáticas, e as ciências naturais, que buscam organizar aquilo apreendido da realidade metodicamente. A primeira, tanto por quem a produz como na consciência da sociedade se eleva em uma certa eternidade e pureza lógica, porém, este destaque dela muitas vezes chega ao ponto do absurdo vulgar quando, por exemplo, divorcia a matemática do ser humano. Assim, para poder responder a pergunta posta, percorre-a-ei a deconstrução da aparência da Matemática enquanto leis supra-humanas e atemporais, incluindo também como ela aparece assim e o que isto significa. As meditações deste ensaio são portanto: a visão vulgar da ahistoricidade da matemática e o que isto realmente significa; a superação dialética da dicotomia invenção-descobrimento; ⁠a matemática enquanto disciplina de aplicação formal da lógica; e ⁠a veracidade da lógica formal em sua atemporalidade e temporalidade.

Partamos, então, da posição de alguns filósofos modernos sobre a matemática e seu papel nas ciências naturais. Em \textbf{A Desarrazoada Efetividade da Matemática nas Ciências Naturais}, Eugene Wigner faz a contemplação de como pode a matemática estar tão presente na estruturação da física. Além disso, é importante entender o que isto implica sobre a lógica formal já que, ao ser utilizada pelas disciplinas que estão em direto contato com a natureza, é capaz não só de organizar o conhecimento obtido, mas, muitas vezes, de prever novos fenômenos que são prontamente observados logo depois: a antimatéria foi, inicialmente, um truque de Dirac para resolver seu hamiltoniano; hoje, é parte fundamental do nosso entendimento daquilo que existe e como existe – a ontogênese, aqui, é obra matemática. Wigner nos diz que ``a matemática é a ciência das operações habilidosas com conceitos e regras inventados justamente para este propósito". Esta é uma definição que condiz muito com a visão da matemática atual: um esquema indutivo-dedutivo que parte de axiomas bem definidos para chegar às suas últimas consequências. É interessante perceber que este não é um processo simples e o ser humano constrói seu próprio labirinto sem muitas vezes perceber, para depois traçá-lo. Wigner, por sua vez, eleva a matemática, por meio do comportamento do matemático, como uma busca estética de ordem a partir de axiomas, ou seja, banaliza a matemática para poder afirmar a `desrazoalidade' desta teoria puramente estética ter algum impacto nas teorias que lidam com a realidade – nada estética, supostamente. Wigner, então, equipara a matemática à arte: seu pincel e tintas são a dedução e a indução, porém só serve de fato quando desenha diagramas de Feynman, por exemplo. Do outro lado da moeda vulgar, temos Jesus Mosterín em seu livro \textbf{Conceitos e Teorias nas Ciências}, particularmente o Capítulo 8: História e Teoria Abstrata. A partir de uma generalização do conceitos de \textit{história}, o autor passa a dizer que ``toda a teoria é matemática", que significa que, como definir uma estrutura é o mesmo que formular sua teoria, ela independe da realidade empírica do mundo, dependendo somente dos conceptores e teoremas. É matemático pois a matemática pode ser definida como a ciência das estruturas e neste sentido toda teoria é matemática. Mosterín finaliza dizendo que graças às teorias conseguimos introduzir ordem conceitual no caos do mundo confuso e sem forma – fornecemos à história (no sentido mais amplo de conhecimento sobre uma parcela da realidade) instrumentos de extrapolação e explicação, entendemos e dominamos o mundo, mesmo que com um entendimento e um domínio sempre inseguro e problemático. Os limites de Mosterín, que leva a sua absolutização da matemática, é não tornar a razão em objeto da razão, afirmar uma ontologia incoerente que não reproduz a reflexão subjetiva do objetivo e, por fim, não entender a matemática como um objeto de estudo do ser humano em si – ou seja, abandona o materialismo.

É importante enfatizar que a ideia de vulgaridade colocada sobre estes autores não anula suas posições corretas – não estamos tratando de uma negação abstrata (jamais!). No entanto, cada um desses autores estira o conceito da matemática para um dos lados. Wigner coloca ela como uma busca de perfeição estética esquematizada e esquematizante, que, devido à sua competência lógica, pode ser usada, por mais que inesperadamente, por cientistas. Já Mosterín tem a visão que não é a matemática que é uma ferramenta da ciência, mas é estruturante desta, isto é, está acima conceitualmente das ciências naturais. Ambos autores, porém, não se deparam com a própria historicidade da matemática. Eles partem, inconscientemente, do conceito de matemática de seu tempo sem fatorizar o fato que este entendimento é, em si, um produto histórico(-social) de um processo \textit{em andamento}. Seria, então, a matemática uma parte da ciência, sua ferramenta, ou seria ela seu fundamento? Veremos, a seguir, que esta questão é homóloga ao debate sobre se a matemática foi inventada ou descoberta. No limite, por mais que Wigner e Mosterín contribuam imensamente para a compreensão de facetas essenciais na relação matemática-natural, eles ambos são incapazes, por meio de seus esquemas filosóficos, de generalizar.

O velho debate sobre o descobrimento ou invenção da matemática é como um fruto podre que se recusa a cair. Podemos-o, então. Afirmar que a matemática é uma invenção é colocá-la inteiramente na subjetividade humana, algo que o ser cria para organizar o mundo ao seu redor, para ir além das primeiras aparências da lógica formal e indagar nas profundidades das teorias que monta sobre o mundo. É uma visão coerente com o benefício evolutivo de um ser que consegue perceber padrões, perceber que percebe padrões e que busca padrões nesses padrões percebidos (que empiricamente acontece, afinal, $\exists$ \nameref{Q1}). No entanto, o fundamento desta posição diluí-se rapidamente com duas considerações essenciais: a \textit{qualia} percebida pelo ser humano que faz matemática se sustenta ou é sustentada por uma estrutura da realidade, e de onde nasce a matemática, porque ela surge e percorre o caminho que percorre, qual é a razão de seu devir? Já Mosterín coloca a matemática numa objetividade máxima, ela é a pura estruturação de \textit{toda teoria}. Para a Filosofia da Ciência que Mosterín perpetua, nominalmente, o estruturalismo, o papel de um filósofo da ciência é descobrir essa estrutura matemática das teorias para podermos ter uma visão mais abstrata e geral do que ela realmente está dizendo. Esta descoberta das estruturas matemáticas se depara, contudo, com os mesmos problemas que quando olhamos pela perspectiva, digamos, ferramentista, de Wigner: a compreensão da estrutura matemática de teorias, em si, não é estruturada, a lógica aplicada nessa esquematização não muda com o tempo, e não há uma reflexão do que organizamos no mundo em nossos conceitos de organização? Percebemos, então, que cada autor distende a concepção de matemática para um lado oposto, mas que, no final, se encontram na contradição: se não fluidificamos temporalmente o conceito de matemática, se não colocamos esta em movimento em conjunto com o ser que a pondera, seja na descoberta ou na invenção, caímos em esquemas incapazes de absorvê-la completamente. Mesmo assim, estes autores desenvolvem facetas essenciais na compreensão da matemática. Ela sim serve de ferramenta para as ciências naturais, em toda sua pureza estética. Ao mesmo tempo, sim, estruturamos nossas teorias de forma matemática, mesmo que não percebendo em certos momentos. O que está em jogo é que nenhuma dessas aparências é totalizante. A matemática é simultaneamente inventada e descoberta. O ser humano tem uma organização neurológica e social, ambas estruturas materiais necessárias para seu encontro consciente com a matemática, que ele não tem controle, mas que são determinantes em como ele pode pensar o mundo, até matematicamente. Isto está aquém dele, é interno à sua existência e concreto. Ao mesmo tempo, mas em movimento inverso, ao se deparar com a matemática, ao trazer para si, empunhando não somente a matemática como algo a ser desenvolvido, mas pensando abstratamente sobre esse conceito, o ser humano percebe que ela vai além dele, por mais que contida em si, extendendo assim sua existência em uma dimensão inédita. Absolutizar qualquer um dos lados é projetar algo maior em uma de suas facetas reduzidas. Absorver ambos, em crítica transiente e transitiva revela a sua natureza dialética contraditória.

Elucidemos com um exemplo que esclarece tudo. A luz é inventada ou descoberta? Se formos considerar o primeiro contato do ser humano com a luz, isto é, as primeiras opsinas de seres unicelulares, criou-se (inventou-se) uma forma de interagir com a radiação eletromagnética, formas supostamente inéditas, que se complexificam na fotossíntese ou na percepção visual dos diversos seres que veem, das diversas formas \textit{distintas}. Neste sentido, a luz é inventada, ela não é apropriada puramente, mas por um esquema arbitrário e sob o controle do ser que interage com ela, para ir além de sua forma `fundamental', inaugurando uma nova forma de existência do fenômeno eletromagnético. Por outro lado, a luz é claramente descoberta, afinal como se pode inventar algo que não existe – este passa a existir! Nos esquemas atuais, ela é mais fundamental para a física que o próprio ser humano, afinal, o Jõao e a Joana não mediam nenhuma força no Modelo Padrão. Nos colocamos a presença da luz até no começo do universo, entendendo-a como algo independente do ser humano. Agora, estes são modelos que o ser humano inventa para descrever aquilo que descobriu. Por outro lado, a interação da matéria viva com a luz é uma descoberta que aparece a partir de uma invenção. Como podem ambas posições, que buscam supremacia, se negarem e se afirmarem \textit{simultâneamente}? Existem questões que estão tanto além quanto aquém do ser humano. Este, que se encontra no meio desta contradição, ao olhar para o além dele, descobre, mas quando observa o que está aquém, inventa. Sem juntar os dois lados da mesma coisa, em si, fica míope à verdadeira estrutura da realidade em movimento. A contradição que está posta não é uma negação de um dos dois lados, invenção ou descoberta, mas sim uma negação dialética de um esquema divisório incapaz de apreender a natureza da existência do ser que conscientemente faz práxis e teoria, em sua dinâmica recíproca, sobre o mundo.

Considerando agora a matemática em sua concretude, podemos dizer que ela opera sob a lógica formal, isto é, utiliza da indução e da dedução para esclarecer alguma faceta da realidade, mesmo que, como disse Wigner, ela mesma determine o universo sendo analisado. Desta forma, a matemática pode até aparecer como totalizante, afinal aplica, em sua máxima abstratividade, o pensamento sobre o pensamento, usando das regras determinadas deste para refletir-se. Esta é a visão que atribuí validade ao pensamento estático que, como a matemática muito bem demonstra, está saturada de fertilidade epistêmica. Conforme tanto pensam Wigner e Mosterín, por exemplo, a presença da matemática na existência do ser humano é central a como este se relaciona com o mundo. Por mais que difiram na expressão deste sentimento, seja ela uma ferramenta estética empregada por cientistas ou a estrutura de tudo que emprega cientistas a fazerem teorias, por meio de sua característica de generalização máxima por meio das operações lógicas formais, ela é, não obstante, uma poderosa forma de entender, explicar e até explicitar o mundo! A atemporalidade da matemática, que é ao que esta questão se refere, de fato acontece: numa breve resposta, o Teorema de Pítagoras continua verdade, afinal, desde que seus axiomas não mudem em conteúdo, chega-se à mesma conclusão que um grego muito doido de milênios atrás. Claro que não é tão simples, mas esta simplificação é precisamente o que permite a matemática aplicar a identidade abstrata, usar da indução e dedução e progredir, não somente sobre si, que descobrimos, mas também progredir sobre a realidade material das ciências naturais. Contudo, à lógica formal não compete entender a aplicação lógica da lógica. Conforme implica o segundo teorema de Gödel, uma teoria não pode provar a consistência de uma teoria que prova sua própria existência. De fato, seria um absurdo pelas lógicas das leis formais, uma verdadeira contradição, não é mesmo? Chegamos ao ponto, então, que precisamos refletir sobre o papel da lógica na realidade, nos aproximando à conclusão de Álvaro Vieira Pinto do segundo capítulo de \textbf{Ciência e Existência}, que ``não podemos conceber a lógica à parte da teoria geral da realidade". Agora, o que de fato é observado sobre a matemática é que esta é uma lógica que se aplica sobre si mesma e reconhece que não pode justificar fazer isso. É importante enfatizar que a autoreferência da matemática não é posto aqui, mas suposto de sua existência: sob a perspectiva materialista, uma disciplina é tanto uma descrição da realidade quanto um método elucidativo desta, afinal, um pressupõe o outro. Então tratamos de aplicar a lógica dialética para o entendimento da contradição. A própria lógica é uma variável temporal, histórica, cuja autoreferência também faz parte de seu movimento, de seu devir. O próprio rigor matemático então, se revela como uma questão temporal. Conforme colocado por Álvaro Vieira Pinto, no \textbf{Capítulo IV: A Ciência como Produto Existencial das Relações entre o Homem e o Meio}, \begin{displayquote} ``A história do desenvolvimento do método matemático na aplicação à realidade, e a consequente investigação dos seus pressupostos e fundamentos, bem como a descrição e sistematização das operações mentais que os engendram, é bem instrutiva a este respeito. A matemática desenvolveu-se a princípio como rudimentar teoria da contagem, da mensuração de áreas de cultivo ou e construção e, ainda, da avaliação dos sólidos de utilidade imediata, e cresceu num ambiente social em que as quantidades a medir eram pequenas ou não impunham maior rigor na sua determinação. As necessidades das medidas agrárias engendra o desenvolvimento intensivo da geometria, que encontra na obra de Euclides a expressão metodológica mais perfeita possível a época." \end{displayquote} Falando em Euclides, o teorema de Pitágoras continuará valendo para sempre? Ou melhor, ele já deixou de valer? Nós sabemos que para a geometria Euclidiana, o teorema \textit{sempre} vale, porém, se aplicarmos ele em geometrias hiperbólicas ou elípticas, propriedades interessantes sobre a própria teoria aparecem. Conforme demonstrado por Scott Taylor em seu post \textbf{Pythagoras in the hyperbolic plane}, no blog The Geometric Viewpoint, existe uma forma de representar um espaço hiperbólico dentro da geometria euclidiana e disto provar o teorema de Pitágoras. Porém, isso requer uma redefinição do conceito de linha, de ângulo e até a aplicação do infinito. Desta forma, o teorema de Pítagoras não é mais o mesmo, muito pelo contrário, obtém um novo grau de compreensão ao abstrair-se alguns de seus pressupostos, seus conceitos internos. Não é a primeira vez. Não foram os números \textit{irracionais} que fizeram Pitágoras afogar Hippasus? (disse que ele era um grego muito louco). Até este ponto, não \textit{existiam} nada além dos números naturais e seus quocientes, porém, com essa nova descoberta ou invenção, aumentou-se o alcance do Teorema de Pitágoras. Há mudança qualitativa nele, pois seu território de validade e atuação muda.

Respondendo a pergunta, então, podemos dizer que o Teorema de Pitágoras continuará valendo para sempre, em eterna mutação, contudo. Isto coloca, certamente, a atemporalidade da matemática dentro de sua própria temporalidade, o que é uma necessidade para a verdadeira compreensão dela. Conforme a última anedota humorizou, os números racionais foram descobertos para responder a uma invenção, cuja contextualidade é descoberta ao refletirmos sobre a matemática, levando a uma invenção como a axiomatização da Teoria dos Conjuntos sem contradições por meio do Teorema da Escolha, no esforço de limpar a matemática de contradições, como a inexistência de números que, claramente, existem. Ironicamente, após a aceitação dos irracionais, vieram os números \textit{imaginários}, e estes sim não podem existir no real, afina, são somente imaginados, como diriam muitos físicos contemporaneamente. Meta-ironicamente, é o próprio Gödel que mostra então, que no movimento de existência humana, a matemática não se sustenta! Sim, de fato, a matemática descobriu mais uma faceta de sua formalidade, afinal, a lógica formal é um conceito em movimento. Ao formalizar-se, descobre-se formalizadora, então adere a seus princípios, absorve sua gênese. Essa dinâmica, contudo, só é visível pela dialética. É a lógica dialética que também oferece luz a primeira questão, sobre a (não) identidade entre o conhecimento matemático e o conhecimento fenomênico natural, ou seja, o empirismo, o objeto da ciência empírica. Acontece que, tanto a matemática quanto as ciências naturais tem seu fundamento na relação do ser humano com o mundo natural. Enfaticamente, são produtos culturais e, desta forma, estão atrelados à produção. Por serem supraestruturais, muitas vezes estão submetidos à produção material, não a toa que diversas teorias, tanto matemáticas quanto das ciências, acompanham o ritmo tecnológico. Deixa-se somente implícito aqui, mas de mesma importância ontológica e gnoseológica, que o que é conhecido matematicamente e empiricamente por sua vez afeta a tecnologia, está tudo em concerto. Esta origem é o que não seria a diferença entre esses modos de conhecimento. Procurando a diferença então, voltamos à primeira frase deste ensaio, seu objeto. A matemática, cada vez mais na história do ser humano, propõe seu objeto, internaliza-se, se torna densa. Já a densidade das teorias empíricas está fora delas, num universo infinitamente denso de informação, conforme argumentado na questão anterior. Mesmo assim, por assumir para si a dinâmica da indução e da dedução, do movimento lógico-formal, ela aparece útil nas ciências, seja como ferramenta ou como estruturante do próprio pensamento. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que muitas vezes são as ciências, em sua constante fagocitose da realidade, que propõe os desafios que a matemática é competente em resolver.

Assim, em conclusão, percebemos a necessidade de aplicar o pensamento dialético ao problema, pois só este, empunhando a contradição em tom ontológico, gnoseológico e lógico pode acompanhar o movimento do pensamento. Acontece que, podemos utilizar da teoria para abrir o problema de forma e conteúdo da matemática: como ela aparece e qual é sua essência. Com a mesma condição que anteriormente, não basta buscar uma essência abstrata, mas algo concreto que justifique sua aparência fenomenológica. A matemática é um objeto perfeito para isso. Por ser a aplicação lógica-formal sobre a lógica formal, é ela que é capaz de delimitar os limites desta, rigorosamente. Contudo, ao demonstrar os limites, ela se pseudo-invalida, não tem \textit{razão} para existir. É então que entra sua temporalidade, necessária para entender conceitos como `para sempre'. A matemática não é algo supra-humano, ela perdura na história deste ser e na própria compreensão que ele tem daquilo que existe e como existe. Como pode, então, não se sustentar? O impulso da matemática é atrelado ao devir, a sua existência em movimento, junto ao ser que a percebe e analisa, com si mesma, também em movimento. A sua atemporalidade inaugura a contradição daquilo que é imutável dentro da constante mutação, e desta forma, permite o ser humano a trazer para si a capacidade de entender ainda mais uma coisa que está além de si. Porém, o imutável estando definido dentro de um esquema que o contradiz, torna o movimento imutável. Não a toa a matemática é fundamental na capacidade do ser humano de alterar a realidade, colocar seu conhecimento na prática, a verdade persiste e perdura. Fazendo praxis e teoria ao mesmo tempo, o ser humano, então, se depara com este objeto tão elusivo. Parte para questionar se o inventou ou o descobriu, como se houvesse uma resposta. No entanto, somente a negação da negação pode assimilar os lados contrários dessa esquematização. Alguns veem a matemática como não somente essencial para a produção cientifica como também um fator fundamental na organização do mundo; para outros, ela é a mais bela estética, um fim em si mesmo, cuja utilidade é uma bela surpresa inegável. A dialética se apropria dessas contradições, colocando-as como parte do devir da matemática e do conhecimento em geral. Desta forma, ela se aproxima das ciências naturais, ao mesmo tempo que se afasta pelo objeto que propõe descobrir. Devido à auto-reflexão, não pode permanecer a mesma, sua forma muda e até a atemporalidade de seu conteúdo se torna temporal devido à relação que tem com seu con-texto, permanecendo atemporalmente condicionado e condicionante. Esta propriedade matemática é o que permite que o esquema dialético descasque mais uma camada da Teoria do Conhecimento. Ao lembrar-mos que, como qualquer disciplina, ela existe de forma material, entre seres subjetivos com uma organização objetiva social, neurológica, semântica e existencial, percebe-se que este movimento contraditório dela não é algo inesperado mas uma necessidade. Abre-se, então, a liberdade de manuseá-la como tal – unidade dialética contraditória de necessidade-liberdade, \textbf{Dialética sem Dogma}, Robert Havemann.

\textbf{Epílogo:} Permanecendo na obra de Havemann, pergunto – \textit{a filosofia tem ajudado as ciências naturais modernas na solução de seus problemas?}. Porém coloco que nenhum dos problemas aqui respondidos são de fato os problemas que Havemann se refere. Ambas questões levantam considerações importantes sobre o conhecimento, primeiro em sua universalidade e depois em sua particularidade. São dois lados que também hão de se encontrar, porém não há espaço para essa discussão. Mesmo assim, o \textbf{problema central} só aparece tangencialmente: o conhecimento é um produto da sociedade, submetido às suas formas de produção. Evitando soar determinista-economicista, defendo a visão humanista-existencial de Álvaro Vieira Pinto seguindo a dinâmica do abstrato-concreto de Karel Kosik – sem cair em subjetivismo ou objetivismo. Somente por meio da dialética materialista, a razão se justifica e, portanto, pode progredir historicamente. Contudo, o preço que paga é que se torna contraditória. Mesmo assim, sob a visão destes três autores, a praxis se torna central para a compreensão da teoria, não somente como um adendo, ou um aceno vulgar, como, por exemplo, a anunciação vazia dos estruturalistas que `toda teoria está eivada de prática'. Não, a teoria e a prática estão em movimento dialético contraditório entre si e, fundamentalmente, o ser humano não somente existe dentro desse sistema, ele existe \textit{por} (\textit{through}) este sistema. Tamanha é a capacidade de elucidação da contradição que somente por ela o ser humano consegue apreender seu movimento dentro da realidade, sempre atrelado ao que é objetivo e sempre lidando com estas questões no subjetivo, mas superando qualquer ahistoricidade. Com a prática centralizada, ficam claros os problemas das ciências naturais e da matemática, afinal, quão capilares são estas verdades que os universitários dizem ser \textit{eternas e fundamentais}.

Crítica e Auto-crítica

Caso alguém encontre alguma utilidade desta página, mesmo com suas limitações já mencionadas, eu gostaria que esta pessoa tivesse a oportunidade de interagir e criticar. Contestar, refletir e sintetizar é o que nos permite crescer em nossas concepções. Fica aqui, portanto, este espaço, onde pode ocorrer essas discussões e o diálogo de posições contrárias que ditam o rumo dialético das ideias.

Crítica

  1. Do filme, Captain Fantastic:
Ben: Ask her what she thinks of the working people creating an armed revolution against the exploiting classes and their state structures ?
C.F. Well, Marxists can be just as genocidal as capitalists.
Ben: Or whether or not she's a dialectical materialist and accords primacy to the class struggle ?
C.F. Avoid Marxism. Or telling her you're a Trotskyite.
Ben: Trotskyist. Only a Stalinist would call a Trotskyist a Trotskyite. And I'm not a Trotskyist anymore. I'm a Maoist.

Auto-crítica

  1. Inicialmente, a contextualização da minha visão marxista tinha somente caráter negativo, porém, após conhecer a leitura de Žižek sobre Lenin, percebi a necessidade de também ser afirmativo.
  2. Após leitura sobre o materialismo, que continua em andamento, percebi certas tendências idealistas que precisavam ser contraditas. Meu lado cientista me ensina a interpretar o mundo de forma eternamente relativa em conexão com os modelos e limites do alcance do conhecimento em qualquer etapa da consideração sobre o mundo, enquanto meu lado materialista, emprestado de Lenin, principalmente, indica que não pode-se cair nos limites empirocríticos, de reduzir o reflexo da matéria em si, e não de entendê-los na totalidade da matéria. Quando lembramos que estamos internos da totalidade da realidade, que somos parte do fenômeno que observamos, que observar é um fenômeno em si, cria-se a necessidade da existência da matéria e, portanto, do materialismo. Assim, as reflexões trazidas sobre a existência da realidade e sobre nossa capacidade de observá-la, se tornam dialéticas. Vivam as contradições da matéria pensante, das lentes que conceituam e a dinâmica da informação!

Poéticas Políticas

Silas; 28/12/2023; Carapicuíba, SP


Seguindo as orientações do autor principal desta página, estendo as reflexões de "Como ser um Cientista Marxista" para um estudo das artes políticas. Mais que um mero solilóquio, espero que esta seção permita o entendimento da arte como peça fundamental na vinda das revoluções ideológicas marxistas, tanto no sentido de expansão e divulgação de suas ideias quanto no sentido de construção, por meio do ensaio e da simulação, de realidades não previstas pelos arcabouços teóricos limitados (limitantes?) dos estudos marxistas contemporâneos — isto é, o entendimento da arte enquanto práxis.

Concomitantemente, estas reflexões buscam construir uma verdadeira Estética do Oprimido em prol da unificação de arte-política e ciência; em prol de uma revolução nas estruturas subjetivas e materiais do mundo.

Teatro do Oprimido

Por Augusto Boal. É o ensaio da revolução!


[ EM {eterna} CONSTRUÇÃO ]