Deboche, ou Sobre a Ironia Dialética Imediata

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Felipe Scalise; São Paulo; 15/06/23


Introdução

O Deboche é uma forma de discurso essencial em sua capacidade única de desvendar as contradições expostas e intervertê-las na crítica da locução debochada e/ou do locutor debochado. Debochado, neste sentido, significa o objeto do deboche, não seu autor, por mais que ambas determinações sejam válidas. Desta forma, percebemos a aplicação da dialética imediata na desconstrução de uma fala problemática: insuficiente em suas hipóteses e posicionamento. Acoplada a isto, está uma intervenção irônica e humorística dentro da conversa.

Para uma análise mais profunda, precisamos dividir esse esquema nas diversas partes que o compõe, analisá-las em ínfimo detalhe para trazer as contradições pertinentes em unificação do conceito do Deboche.

Uma breve definição debochada

Antes de indagar na questão central, é bom começar por uma definição simplificada do objeto deste texto, o deboche.

O deboche é um discurso que utiliza da ironia e do humor para zombar de alguma outra fala ou atitude.

Falador Passa Mal Rapaz

A Construção Social do Deboche

É importante dizer que o deboche é reconhecido imediatamente, senão não é deboche. Esse reconhecimento não precisa ser explicito, ou seja, não precisa ser reconhecido abertamente ou como deboche em si, mas um deboche que não traz reflexões sobre as contradições da fala que ele expõe, não serve o propósito da ironia aplicada. Desta forma, podemos entender este reconhecimento como uma construção social dos participantes (ouvintes e autores do deboche) contingente. Pode parecer contrário ao propósito do que debocha, mas a contingência do deboche também é característica central dele e traz a tona a necessidade de um reconhecimento irônico que vai além, supera, as intenções do autor! O verdadeiro deboche é criado não por um membro da conversa, mas pela combinação das reflexões irônicas de todos os membros do diálogo, imaterial, eterno e processual. Com isso, temos a morte do autor embutida na lógica da gênese do deboche, podendo ir além e dizer que aquele que debocha comete suicídio autoral. Somente assim temos a ironia dialética, a criação que mata seu criador para superar a fala deste, enquanto supera ou até suprime as contradições da fala que combate.

Assim, podemos nos deparar com a unidade dialética contraditória da intenção e da realização do deboche. Como prática, não pode-se existir deboche sem a intenção dele, sem a análise minuciosa da fala do outro, a desconstrução desta em seus elementos contraditórios (externos e internos), e o reposicionamento destes na destruição deles mesmos e da fala geral que compõe. Mesmo assim, vemos que a existência dessa intenção parte de elementos externos a ela, de uma fala realizada e de um deboche que se realizará da forma específica ao que já foi dito. Por isso temos a temporalidade tão exata do deboche, o fato que este parece vir no momento certo e da forma cirúrgica de sua existência, tão tênue quanto as ideologias que ele destrói. Isto não é somente uma das características de sua existência, como, na verdade, é o que o define e o permite existir. O deboche é uma construção social imprevista de todos que conversam – uma criação coletiva não-intencionada, que transfigura e transpõe a conversa por meio de seus autores, porém sem as vontades destes. Neste meio, o autor original do deboche, por mais que intencionado em debochar, também sofre das pré-condições e do rumo que o deboche leva e pode acabar negado como os próprios pontos que nega. Assim, os participantes são somente instrumentos da dialética irônica em seu processo.

Quem É Debochado e Quem Debocha

Dentro de uma conversa onde há presença do deboche, podemos dividir os membros em três partes: i) um falador, cuja fala traz fatores possíveis de serem debochados; ii) o outro que debocha, dada a oportunidade ; iii) uma possível audiência de outros participantes da conversa. Conforme exposto acima, por mais que o conceito geral do deboche possa só ser visto como a combinação das contribuições particulares, para entender a verdadeira natureza da estrutura do deboche precisamos compreender os objetos da conversa.

A pré-condição da existência do deboche está em alguma fala que traz contradições que sejam reconhecíveis. O peso e aprofundamento delas se refletem na massa e profundidade da desconstrução delas. Muitas vezes o falador que será debochado não percebe-as, ou vive tranquilamente entre elas, beneficiando-se (conscientemente ou não) da hegemonia que consolida-as. Independentemente, não é ele o alvo do deboche, mas sim a questão maior trazida pela existência desse posicionamento numa conversa e o que esta existência implica sobre as contradições do mundo no mais amplo senso. Desta forma, o deboche não é uma arma de ataque pessoal, por mais que possa ofender e machucar, pois um deboche cuja extensão é humilhar uma pessoa fica longe de seu fim último absoluto. Por mais que seja uma particularidade, o deboche se demonstra como ferramenta de combate do universal, das implicações maiores e da significação de uma fala com problemas que vão além dela (e, portanto, de seu autor).