Como ser um Cientista Marxista

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Felipe Scalise; 05/04/2023; Santos, SP


Isto é, acima de tudo, um Manifesto!

Introdução

Essa página é uma espécie de blog pessoal para a organização da minha leitura marxista e suas possíveis aplicações na intervenção na realidade possibilitadas pela ciência e pela atuação na área de pesquisa e ensino universitário. Em seu fim último, esse é um dos objetivos do marxismo, a práxis (unidade dialética contraditória superada da prática + teoria) pautada numa análise sustentada pelos fatos e pela realidade, conforme observados, ou seja, pelo materialismo determinado pela fenomenotécnica.

Desde sua criação, o marxismo tomou muitos rumos, concretizando-se em acumulativos dias que abalaram o mundo, tanto em seus caminhos revolucionários quanto contra-revolucionários. Também está presente na base do desenvolvimento de outros pensamentos essenciais para a ciência {conhecimento teórico e prático} da revolução e da atuação do homem sobre sua realidade. O alcance da Teoria de Marx é tão amplo que, inevitavelmente, diversas interpretações e correntes apareceram, muitas vezes em desacordo. Aqui, nos limitaremos à crítica teoria, e não entraremos nas diversas práticas militantes que esta conduz (por mais que dialeticamente indevido). Mesmo assim, as opiniões são várias e contraditórias. Felizmente, o próprio marxismo nos dá a solução: Marx tem fé em seu processo por causa da justeza da análise, assim como nós deveríamos, somente após verificarmos, já que estamos tratando de uma ciência!

Assim, qualquer pessoa que quer ser marxista deve ter um dever com a ciência, com a rigorosidade de seus métodos teóricos e com uma análise profunda e justa de idéias contraditórias que escondem verdades cada vez mais profundas, tal é o materialismo dialético. Nem todo cientista é marxista, mas um marxista precisa ser científico!

Digo tudo isso para justificar a existência dessa página, que busca sistematizar e organizar o meu desenvolvimento dentro dessa teoria infinita, como também talvez inspirar alguma alma perdida que se encontra lendo no momento. Lembrarei-vos do que acabou de ser dito. Meu caminho não é o certo, minhas posições não tem validade alguma por si só e tudo é contestável. A interpretação Scaliseana não é a correta, ela é uma projeção (possivelmente falsa), uma faceta de um objeto inconcebível em sua totalidade! Por causa disso, a dialética é a nossa ferramenta de análise, use-a (por favor não de forma hegeliana!)!

Ao mesmo tempo, nada vem do nada, não se pode romper com a ideologia hegemônica sem um salto no escuro, baseado na fé no processo, após considerações sobre a ordem e a estrutura. Assim, por mais que relativize a minha e todas posições, essa relativização ainda carrega suas leis que ditam o caminho teórico (e prático) a ser seguido. A história é feita de forma quantizada em indivíduos, carregando a continuidade ruptiva da sociedade e relativizada na subjetivação daquela, encontrada na interação desses dois em concepção e contextualização. Por isso, por meio da eterna análise, caminho, não de forma Browniana, mas de forma viva, ou seja, ordenando e selecionando. A especificidade da minha interpretação é explicitada na próxima seção, com uma breve justificativa de cada que, se levada ao fim, espero livrar-se de dogma ou ideologia.

Aqui, encontram-se as leituras que eu fiz, que eu quero fazer e minhas reflexões sobre elas dentro do campo do marxismo e da produção científica. Espero que possam ser de ajuda para alguém que não sabe por onde começar a estudar o marxismo ou que querem refletir de forma crítica sobre um dos fenômenos mais bizarros da matéria: se conhecer!

Problemática

Aqui, problemática se refere ao conceito de Jaques Martin emprestado (e, portanto, desenvolvido) por Althusser. Este é um uso muito indevido da palavra, que poderia ser trocada facilmente por perspectiva mas o autor precisou incluí-la desta forma.

É necessário deixar explícito de qual lugar teórico parte a minha interação com o marxismo. O Viés é invisível em seu Óbvio. Espero que aqueles que estão fora dele possam ver o que eu não consigo. Enfim:

Eu me considero marxista por causa de seu método praxiomático de pensar o pensamento e sua filosofia política-econômica-social, leninista e trotskista pelas suas contribuições na arte da revolução e nos desenvolvimentos de estratégia e tática (respectivamente) e morenista por suas capacidades organizativas e sua atuação na luta socialista da América Latina.

Atualmente construo o Movimento Esquerda Socialista (MES), uma corrente do PSOL, o partido no qual eu deposito minhas esperanças da construção de luta de classes no Brasil.

Porque ser um Cientista Marxista

Pautando minha disputa de consciência na capacidade de pensamento crítico e na política subjetiva inerente a todo sujeito, sinto a necessidade de convencer meus iguais o porquê de um cientista preocupar-se com o marxismo e aderir a este em sua intervenção do mundo. Muitos revolucionários (talvez por um dever com a revolução, por uma falta de autoconsciência ou, quem sabe, por causa de ego) não veem a necessidade de justificarem sua atuação no mundo e sua disputa de consciência se limita à autoafirmação, cuja "certitude" da linha supostamente trará a adesão de outras pessoas. Isto é insuficiente, e deve fazer parte da nossa contínua autocrítica.

Para mim, existem três razões principais que tornam o marxismo não só não-ignorável, como também necessário para todes os cientistas: razões históricas, razões teóricas e razões políticas.

História – Fato: O Marxismo Ocorreu e Decorre

O impacto do marxismo e suas ideias no mundo é inegável. Revoluções aconteceram e continuam acontecendo na base da interpretação marxista da sociedade em sua infraestrutura, estrutura e superestrutura. A historicidade do marxismo é algo que deve ser considerado critica-profundamente por todes que se dizem cientistas. Conforme compreendemos a ciência em seu contexto social (com o aspecto de classe centralizado), determinada de formas diversas inter-relacionadas com outros aspectos da sociedade, percebe-se a necessidade de uma Teoria que englobe esses fenômenos e os dê totalidade. Está é a problemática do marxismo – sua utilidade pode ser verificada empiricamente.

Visões simplistas da história muitas vezes tiram o ser humano de seu protagonismo no destino, no processo histórico do qual ele é objeto e que é objeto de sua subjetividade. No entanto, essa relação dialética fica clara com o marxismo e a acurácia desta análise transparece em diversos momentos e recortes da experiência humana. Alguns livros de Marx e de autores de revoluções são exemplos claro disso, o marxismo era o método deles e desvendava, de forma eternamente complexa e contraditória, as leis que carregavam a sociedade de um ponto ao outro. O fluxo cibernético do destino, a determinação mútua do ser humano e sua história. Recomendo a leitura do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, por Marx, e A História da Revolução Russa, por Trotski como exemplos claros disso.

Similarmente, o marxismo ainda decorre. Isto é, nós continuamos inseridos numa sociedade alienadora, cujas relações sociais verdadeiras são obscuras e a ideologia (um conjunto de crenças que partem do ideal) reina neste campo. Aderir ao marxismo, se propor entender o mundo em sua ciência, é descobrir este véu e tentar enxergar as verdadeiras leis pelas quais a sociedade segue o rumo que segue. Também é estar ativamente disposto atuar nela, de forma embasada, para construir em direção da libertação do ser humano.

Portanto, a história nos dá dois motivos para sermos marxistas: o passado demonstra a validade do método, com seus soluços como qualquer ciência, que já se provou inúmeras vezes do que o homem é capaz quando busca se compreender na sua atuação sobre seu futuro. O presente, também nos dá razões, já que vivemos as contradições da contemporaneidade, que jamais podem ser vistas com receio, ou pior, com descaso, mas que devem se abrir ao cientista como a maior oportunidade de entender o mundo, entender-se no mundo, e agir categoricamente sobre este. No futuro, que faz parte da história só idealmente, encontramos razões para sermos otimistas críticos, como diria Paulo Freire, buscando nossa consciência crítica-transitiva, dele tirando, eternamente, nossa poesia.

Teoria – O Que Faz Ciência e O Que a Ciência Faz

Muitos cientistas passam sua vida sem parar para pensar cientificamente sobre a ciência. Não existe hipocrisia acadêmica maior, pois não há objeto mais necessário de se analisar que a ferramenta pela qual analisamos o mundo. Algumas obviedades são tão capilares que precisam ser explicitadas: a ciência é um fenômeno da matéria, isto é, a matéria se organiza em relação à informação sobre si por meio do pensamento humano. Esse é o ponto mais inédito da vida conhecida atualmente. Portanto, quando pergunto "o que faz a ciência" a resposta é simples externamente e imensamente complexa internamente: a matéria em seu formato humano-social faz ciência. O que isto implica, como qualquer leitor de Marx pode ver, é que o marxismo deve ser a ferramenta conceitual desse desenvolvimento analítico, pois trata-se de uma relação cibernética, contraditória e, dessa forma, altamente dialética e materialista!

A outra pergunta posta no título, "o que a ciência faz" é menos clara e mais difícil de responder. Ao meu ver, está é uma questão ainda muito aberta, com diversas linhas filosóficas e empíricas que disputam a narrativa sobre este fenômeno. Posso dizer, talvez conflituosamente, que o objeto da ciência é a objetividade. A ciência busca verdade e caminha em direção de um conhecimento humano cada vez mais próximo da realidade da natureza. Infelizmente nunca achei resposta mais satisfatória, e isto diz muito, pois se baseia em conceitos improváveis por enquanto, como a existência da realidade ou da nossa capacidade de verdadeiramente observá-la. Mesmo assim, e aqui está uma das belezas do marxismo, o desenvolvimento de uma teoria melhor está conectada à prática, e vice-versa. Fez-se práxis! Somente descobriremos o que a ciência faz, de verdade, conforme fazemos ciência, e é empírico que a ciência é feita e que nisso existe a autoconsciência desse processo, afinal, aqui estamos! Quando perguntamos "o que a ciência" faz, já há marxismo no momento em que escolhemos a ciência para obter a resposta por ser a melhor ferramenta para o trabalho!

Algum leitor pode sentir falta da filosofia da ciência nessa seção. A relação entre filosofia e ciência é muito central ao marxismo. Marx parte de filósofos como Hegel e Feuerbach para chegar numa ciência da história. Stalin separa o materialismo histórico e o materialismo dialético, um conceito desenvolvido por Althusser ao falar sobre a ciência da história e a filosofia desta ciência, respectivamente. Ainda não está claro, para mim, qual é a resolução dialética dessa unidade complementar entre filosofia e ciência, mas as conexões entre esses dois não poderia ser mais gritante: filosofia da ciência e ciência da filosofia! Marx propõe ambos no seu método, em constante determinação mútua e combinada.

Por fim, ineditamente neste texto, vou trazer os aspectos estruturais a tona: a produção científica está inserida na sociedade capitalista e, portanto, reflete as características desta. O cientista contemporâneo é um trabalhador intelectual, cuja exploração também cria mais-valia e que interage com as contradições do modo de produção vigente. Ao pensarmos um pouco sobre como a ciência é produzida, por quem e para quem, como ela é difundida e socializada (ou não), e quão bem ela alcança todos os seres humanos e a intervenção deles no mundo, o capitalismo se mostra como um câncer tentaculoso que explora, à benefício da burguesia, todos os processos científicos. Até o imperialismo, superando os pesadelos mais macabros de Lenin, aparece, para mostrar suas presas como sempre. Essa exploração se consolida numa limitação da própria autocompreensão científica, como também no desenvolvimento pleno desta prática humana, como acontece com outros aspectos e fenômenos da sociedade. Nota-se que esta conclusão não parte do marxismo, mas que, na verdade, a análise crítica da ciência em seu estado atual aponta diretamente para as contradições que nos levam ao marxismo. A razão teórica para um cientista ser marxista é, também, porque a teoria científica da ciência revela os próprios limites estruturais capitalistas!

Politica – Não Existe Carga Neutra Próxima da Barbárie

O ser humano em sociedade faz política. A ciência é inconcebível fora do contexto social que a confere acumulo, continuidade e, prioritariamente, síntese. Portanto, não se é possível pensar nem ciência sem política, nem política sem ciência (essas palavras de ordem foram usadas pelas turmas 31 e 32 em sua mobilização contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, e deram o nome da gestão da qual eu fiz parte do Centro Acadêmico Favo22). Assim, começa nosso importante e árduo trabalho de considerar a ciência dentro do campo político no qual ela se desenvolve. Recomendo uma leitura antes, do texto Ciência e Política por professores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Por mais que raso, ou talvez, melhor dito, não aprofundado, em partes de sua tese, esse artigo busca esclarecer as contradições de uma ciência que não é consciente de sua influência política no mundo e da influência do mundo político sobre si.

Contemporaneamente, vivemos na autofágica hegemonia neoliberal que afirma o pior hábito do cientista: a auto-concepção de um ser além do mundo, um observador neutro e completamente sóbrio dos vícios da sociedade, empírico no seu pensamento e completamente objetivo. A cristalização do falso mérito. Nisso, esse cientista-deus ainda comete erros como homem, mas, ao servir seu propósito maior na prática científica, ele supera todo viés, pois há uma verdade maior e, quem sabe, eterna a qual ele se aproxima. Ironizo aqui essa ideologia apodrecida pois contra esses tipos de "fatos" só nos resta o deboche (a forma de discurso mais dialética em sua crítica, mas isso é um desenvolvimento para outro dia).

Já expliquei na última subseção sobre como a ciência está inserida na sociedade, enfaticamente na lógica de produção capitalista. Os efeitos que decorrem dessa insuficiência é uma ciência limitada, que não cumpre seu fim último absoluto – descobri-lo!

Livros

Artigos

Citações Úteis

“We have busied ourselves and contented ourselves long enough with speaking and writing; now at last we demand that the word become flesh, the spirit matter; we are as sick of political as we are of philosophical idealism; we are determined to become political materialists.”

– Ludwig Feuerbach

“Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.”

– Paulo Freire

"Para Marx, o progresso é algo objetivamente definível, que indica, ao mesmo tempo o que é desejável. A força da crença marxista no triunfo do livre desenvolvimento de todos os homens não depende do vigor das esperanças de Marx neste sentido, mas na pretendida justeza da análise, segundo a qual é neste rumo que o desenvolvimento histórico finalmente conduzirá a humanidade."

– Eric Hobsbawm

Crítica e Auto-crítica

Caso alguém encontre alguma utilidade desta página, mesmo com suas limitações já mencionadas, eu gostaria que esta pessoa tivesse a oportunidade de interagir e criticar. Contestar, refletir e sintetizar é o que nos permite crescer em nossas concepções. Fica aqui, portanto, este espaço, onde pode ocorrer essas discussões e o diálogo de posições contrárias que ditam o rumo dialético das ideias.

Crítica

Auto-crítica

  • Inicialmente, a contextualização da minha visão marxista tinha somente caráter negativo, porém, após conhecer a leitura de Žižek sobre Lenin, percebi a necessidade de também ser afirmativo.